A acessão do Brasil à OCDE sob a ótica aduaneira
15 de fevereiro de 2022, 8h00
Em 25 de janeiro deste ano, o Conselho da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) decidiu iniciar formalmente as discussões sobre a adesão do Brasil à organização, situação que foi bastante anunciada pela mídia e que retomou diversas discussões relevantes sobre o caminho a ser trilhado para que o país seja efetivamente aceito como membro e, principalmente, sobre as reformas e ajustes necessários para que isso se concretize.
A questão do comércio exterior é citada na própria carta-convite assinada pelo secretário-geral da OCDE, Mathias Cormann, e endereçada ao presidente Jair Bolsonaro, a qual condiciona o início das negociações à adesão do Brasil aos princípios contidos na Declaração da Nova Visão do 60º Aniversário da OCDE e na Declaração do Conselho Ministerial da OCDE de 2021 [3].
Entre os nove princípios citados na carta, dois deles versam diretamente sobre o comprometimento dos países em relação ao comércio internacional: a promoção de economias de mercado abertas, competitivas, sustentáveis e transparentes; e o fortalecimento do sistema multilateral de comércio pautado em regras e focado na Organização Mundial do Comércio (OMC), o que implica medidas que favoreçam a inserção em cadeias globais de valor (CGV), aumentem a integração de pequenas e médias empresas no comércio internacional e afastem o uso desnecessário de barreiras comerciais.
Considerando tais diretrizes, bem como as avaliações quantitativas e qualitativas realizadas pela OCDE em relação ao quadro político-institucional brasileiro, é possível afirmar que a adequação do Brasil aos padrões da OCDE em termos aduaneiros e de comércio exterior se concentram sobre o eixo da produtividade e da competitividade e se referem, principalmente, às seguintes pautas: 1) abertura comercial e inserção da indústria nacional nas CGV; 2) redução das barreiras ao comércio; 3) aceleração das medidas de facilitação do comércio contidas no Acordo sobre a Facilitação do Comércio (AFC) da OMC; e 4) elaboração de medidas que aumentem a segurança jurídica das operações e reduzam o grau de judicialização/litigância da matéria.
No que concerne à abertura comercial, não é de hoje que o Brasil é considerado um país fechado, visto que, apesar de estar entre as dez maiores economias do mundo, sua participação no comércio internacional é considerada bastante tímida, principalmente em termos totais, mas também em relação ao que importações e exportações representam em termos de PIB.
A solução desse problema, em grande medida, passa pela inserção da indústria em CGV. O que se verifica é que o Brasil, por ser fechado e ter tarifas de importação de bens de capitais e intermediários acima de seus pares, acaba por permitir que apenas sejam exportados bens cuja produção nacional seja altamente competitiva, restringindo não apenas a pauta de produtos que são ofertados externamente, como também dificultando que pequenas e médias empresas consigam se projetar internacionalmente.
Prova disso é que, enquanto a média dos países da OCDE, no que tange ao percentual de valor agregado por meio de importação aos produtos finais exportados, é de 45,5%, as exportações brasileiras apresentam apenas 19,3% de agregação de insumos e bens importados em seus produtos finais destinados ao mercado externo [4].
Da mesma forma, contribui para dificultar uma maior abertura comercial o fato de o controle regulatório das importações e exportações estar pulverizado entre um número alto de anuentes (Anvisa, Inmetro, Mapa, Secex, Exército, Ibama, entre outros), cuja forma de operação e atuação não é dialogada e tampouco sincronizada, com número excessivo de licenças não automáticas de importação — o que já foi objeto de severas críticas da própria OMC [5].
Quanto à facilitação do comércio, importa destacar que a OCDE possui diversas ferramentas que visam a medir a eficiência aduaneira dos países e sua adequação às medidas contidas no AFC da OMC, em especial, o trade facilitation indicator e o trade facilitation policy simulator [6]. A partir de tais instrumentos, que permitem verificar os principais gargalos aduaneiros de cada país, verifica-se que as principais frentes em que o Brasil apresenta dificuldades no avanço rumo à modernização e otimização do comércio exterior são a cooperação interna entre autoridades regulatórias envolvidas no controle aduaneiro e a parca interação público-privada.
Segundo a análise da OCDE, a falta de cooperação interna deriva da falta de uma visão de governo sobre todos os órgãos envolvidos no comércio exterior, o que leva a atuações dessincronizadas, falta de compartilhamento de espaço e equipamentos e realizações repetidas de rotinas de fiscalização que poderiam ser concentradas em um único agente. Fatos que ilustram tal situação são a dificuldade da RFB em avançar com o Programa OEA Integrado, face à falta de interesse e comprometimento dos demais órgãos anuentes com o projeto ou mesmo os resultados apresentados no relatório do Time Release Study (TRS) [7], em que os tempos e gargalos do controle aduaneiro são reportados de forma individual por órgão, e não abordados de maneira integrada, tais quais são vistos e sentidos pelos operadores do comércio.
No que concerne à interação público-privada, entendida como as formas de diálogo entre autoridades governamentais e o setor privado de forma a garantir maior transparência e previsibilidade ao comércio exterior, a avaliação feita sobre o Brasil indica que se trata de ponto ainda pouco explorado, visto que consultas públicas, circulação de minutas de normas antes de sua entrada em vigor para familiarização e comentários do setor privado e comunicação dos objetivos por trás das políticas públicas implementadas são estratégias pouco exploradas e não obrigatórias no país.
De forma adicional, a OCDE aponta o grande número de exceções ao tratamento comum e a variedade de regimes aduaneiros especiais como pontos sensíveis, visto que diminuem a isonomia entre operadores e tornam o ambiente normativo mais complexo e de difícil interpretação.
Por fim, ainda na esteira da previsibilidade jurídica, os relatórios da OCDE indicam que o Poder Judiciário brasileiro é considerado ineficiente e custoso, o que seria reflexo da falta de especialização de juízes e varas para assuntos técnicos específicos — como é, de fato, o direito aduaneiro — e da existência de um modelo excessivamente formalista, que não acompanharia a dinâmica do mercado.
Em resumo, ao explorar de forma muito superficial os quatro pontos do sistema aduaneiro brasileiro que a OCDE indica como sensíveis, já é possível verificar que existem reformas complexas e relevantes a serem implementadas para que o Brasil se equipare aos principais países membros da referida organização.
Por outro lado, ainda que tal tarefa não seja simples, deve-se ressaltar que nos últimos anos o Brasil já deu passos importantes e que sinalizam que todas essas mudanças são factíveis — houve recente redução das tarifas de importação de maneira ampla e transversal, licenças de importação e exportação consideras desnecessárias foram revogadas, acordos internacionais sobre facilitação de comércio foram assinados e ratificados, investimentos em automação de rotinas aduaneiras e gestão de risco foram feitos e consultas públicas passaram a ser utilizadas com maior frequência (principalmente pela Secex).
Dito isso, a carta-convite da OCDE e o momento atual devem ser celebrados enquanto marco que sinaliza o reconhecimento da intenção brasileira em se tornar parte efetiva do comércio internacional, bem como uma oportunidade relevante para que a comunidade acadêmica, o governo e o setor privado empreendam esforços para que a agenda aduaneira possa avançar de forma adequada e célere.
[1] Veja-se, a título ilustrativo: THORSTENSEN, Vera; NOGUEIRA, Thiago. (coords). Brasil a caminho da OCDE: explorando novos desafios. São Paulo: FGV/WTO Chair, 2020. Disponível em https://ccgi.fgv.br/sites/ccgi.fgv.br/files/u5/2020_OCDE_acessao_BR_FinalTN_pb.pdf; e ROCHA, Sérgio Andre. Acessão do Brasil à OCDE e a Política Fiscal Internacional Brasileira. Boletim de Economia e Política Internacional – Bepi, nº 28, Set./Dez. 2020, p. 29-50. Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/10540?mode=full.
[2] Curiosamente, a OCDE e a Organização Mundial das Aduanas (OMA) possuem origem comum. Em 1947, 13 países europeus representados no Comitê para Cooperação Econômica da Europa, criado em decorrência do Plano Marshall, acordaram em instituir um grupo de estudo, buscando estabelecer uma ou mais uniões aduaneiras, baseadas nos princípios do GATT, tendo sido o grupo desmembrado, em 1948, em dois comitês: o Comitê Econômico, que foi precursor da OCDE, e o Comitê Aduaneiro, que viria a se tornar o Conselho de Cooperação Aduaneira (CCA), nome jurídico da OMA (Trevisan, Rosaldo. O Imposto de Importação e o Direito Aduaneiro Internacional. São Paulo, LEX, 2017, p. 103).
[3] OECD. Letter to H. E. Mr. Jair Bolsonaro, President of Brazil (MC/2021.194.pb), 2022. Disponível em: https://www.oecd.org/newsroom/Letter-to-H-E-Mr-Jair-Bolsonaro-President-Brazil.pdf
[4] OECD. OECD Economic Surveys – Brazil 2020. Disponível em: https://www.oecd-ilibrary.org/economics/oecd-economic-surveys-brazil-2020_250240ad-en.
[5] WTO. Trade Policy Review – Brazil (WT/TPR/S/358). 2018. Disponível em: https://www.wto.org/english/tratop_e/tpr_e/tpr_e.htm.
[6] OECD. Trade Facilitation Indicators. Disponível em https://www.oecd.org/trade/topics/trade-facilitation/.
[7] RFB. Time Release Study: estudo de tempos de liberação de cargas na importação. 2020. Disponível em: https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/acesso-a-informacao/dados-abertos/resultados/aduana/estudos-e-analises/copy_of_TRSRelatriocompleto.pdf.
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