Opinião

O efeito preclusivo da decisão de saneamento no Código de Processo Civil

Autor

  • Luiz Roberto Hijo Sampietro

    é doutorando e mestre em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo (USP) especialista em Direito Empresarial pela Escola Paulista de Direito (EPD) bacharel em Direito pela Universidade São Judas Tadeu (USJT) advogado professor de Processo Civil no Núcleo de Direito à saúde da ESA/OAB-SP e em cursos de pós-graduação lato sensu.

14 de fevereiro de 2022, 6h34

Havia uma única e singela disposição no Código de Processo Civil de 1973 a respeito do saneamento do processo: o §2º do artigo 331 dispunha que se as partes litigantes não transacionassem, o juiz deveria fixar os pontos controvertidos da causa, decidir as questões processuais pendentes, determinar a produção das provas necessárias à elucidação das versões dos fatos alegadas pelos litigantes e, se fosse o caso, designar audiência de instrução e julgamento para a colheita da prova oral.

Como resultado do dever de cooperação imposto pela regra do artigo 6º do CPC, a fase de saneamento e organização do processo recebeu tratamento minudente do legislador. Os cinco incisos do artigo 357 do código vigente detalham as providências que devem ser concretizadas para que o processo seja organizado e saneado — 1) resolução das questões processuais pendentes; 2) delimitação das questões de fato controvertidas e especificação dos meios de provas voltados a demonstrar a veracidade das versões alegadas em juízo; 3) distribuir o ônus da prova; 4) delimitar as questões de direito relevantes para o julgamento do mérito da causa; e 5) designar audiência de instrução e julgamento, se pertinente , ao passo que as disposições contidas nos §§2º e 3º do mesmo artigo 357 prestigiam a autonomia privada das partes, que podem: a) requerer delimitação consensual das questões de fato e de direito que compõem o objeto da disputa judicial (§2º); e b) participar do saneamento do feito em cooperação com o juízo, em audiência designada especialmente para tal finalidade (§3º).

Outra faculdade bastante útil para a concretização do regular contraditório, para a segurança jurídica das posições processuais, faculdades, ônus e deveres que recaem sobre as partes litigantes e para a estabilização do objeto litigioso do processo está prevista no §1º do referido artig 357: "(R)ealizado o saneamento, as partes têm o direito de pedir esclarecimentos ou solicitar ajustes, no prazo comum de cinco dias, findo o qual a decisão se torna estável". O dispositivo legal em referência positivou o efeito preclusivo da decisão de saneamento, que confere estabilidade às questões decididas na decisão saneadora, ainda que sejam aquelas enumeradas pelo §3º do artigo 485 do CPC: 1) ausência de pressupostos processuais; 2) existência de perempção, de litispendência ou de coisa julgada; 3) ausência de condições da ação (legitimidade e interesse processual); e 4) intransmissibilidade da ação em caso de morte da parte.

Assim, diante da atual conformação dogmática da eficácia preclusiva da decisão de saneamento prevista na regra do §1º do artigo 357 do CPC, permanece atual a lição de Galeno Lacerda ("Despacho saneador". Porto Alegre: Sulina, 1953, p. 174-175), desenvolvida ainda na vigência do CPC/39. Veja-se: "Aqui, a inexistência do recurso, quando o juiz declarar genericamente saneado o processo, ou se limitar a designar audiência, implica renúncia tácita à reação contra a anulabilidade, e esta convalescerá pela omissão do prejudicado, que se manifesta sôbre o objeto disponível". Dessa forma, se nenhuma das partes litigantes opuser embargos de declaração em caso de contradição, omissão ou obscuridade da decisão saneadora ou deixar de solicitar ajustes ou esclarecimentos sobre aquilo que foi decidido no pronunciamento saneador, mencionadas questões estarão preclusas (CPC, artigo 505, caput) e, portanto, estáveis, o que evita indesejáveis retrocessos na marcha do procedimento.

Esse é o atual entendimento do STJ a respeito do assunto, conforme atestam os trechos dos julgados a seguir reproduzidos: "(A)s matérias de ordem pública, como prescrição e decadência, podem ser analisadas a qualquer tempo nas instâncias ordinárias. Todavia, quando decididas no bojo do despacho saneador, sujeitam-se a preclusão consumativa, caso não haja impugnação no momento processual oportuno" (AgInt no REsp 1542001/DF, relator: ministro Marco Buzzi, 4ª T., j. 7/11/2019) e "(a)fastada a prescrição no despacho saneador e não havendo recurso, não há como rediscutir a matéria em sede de apelação, em face da preclusão". (AgRg no REsp 1.045.481/PR, relator: ministro Massami Uyeda, 3ª T., j. 7/8/2008).

No entanto, há exceções que merecem ser destacadas. Conforme ensina Fredie Didier Jr. ("Curso de direito processual civil, v. 1". 21ª ed. Salvador: Juspodium, 2019, p. 804), "a) a preclusão, prevista no § 1º do artigo 357, CPC, refere-se à organização da atividade instrutória — delimitação dos fatos probandos, ordem de produção de provas, marcação da audiência etc. Se houver decisão sobre temas que podem ser objeto de agravo de instrumento (artigo 1.015, CPC) ou de apelação (artigo 1.009, § 1º, CPC) não haverá preclusão nesse momento. b) É por isso que se, na decisão de saneamento e organização do processo, houver capítulo em que o juiz decida sobre a redistribuição do ônus da prova, nos termos do artigo 373, § 1º, do CPC, caberá agravo de instrumento (artigo 1.015, XI, CPC)".

Em síntese, as questões que foram decididas no saneamento e não foram objeto de pedido de esclarecimento/ajustes ou de embargos de declaração (somente em caso de omissão, contradição ou obscuridade) estarão preclusas e estáveis, em decorrência do §1º do artigo 357 do CPC. Essa é a regra geral. Todavia, se elas puderem ser contrastadas por agravo de instrumento (incisos e parágrafo único do artigo 1.015) ou em razões/contrarrazões de apelação (§1º do artigo 1.009), não estarão sujeitas à preclusão se impugnadas na forma e no instante adequados.

Autores

  • é advogado, doutorando e mestre em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo (USP), especialista em Direito Empresarial pela Escola Paulista de Direito (EPD) e professor de Processo Civil em cursos de pós-graduação lato sensu.

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