Cobranças indevidas

Consignado cumulado com cartão de crédito é considerado ilegal, diz TJ-AM

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11 de fevereiro de 2022, 10h18

Se o mútuo é destacado ao consumidor como modalidade principal, e o cartão de crédito, como modalidade secundária, há, sim, violação ao direito à informação, tendo em vista que o contrato de cartão de crédito consignado é autônomo, que não se confunde com o de mútuo. Portanto não existe um mesmo contrato com as duas modalidades. Essa foi a tese fixada pelo Pleno do Tribunal de Justiça do Amazonas para declarar a ilegalidade de um consignado, cumulado com aquisição de cartão de crédito.

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TJ-AM fixa teses sobre os contratos de cartão de crédito consignado
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Trata-se de incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) visando a fixação de tese jurídica sobre a legalidade, ou não, dos contratos de cartão de crédito consignado.

Segundo o desembargador que propôs o incidente, há, no TJ-AM, multiplicidade de processos referentes à sistemática do cartão de crédito consignado e entendimentos discrepantes.

Foram levantados os seguintes questionamentos: se o contrato de empréstimo consignado, cumulado com aquisição de cartão de crédito, destacar o mútuo como a modalidade principal, e o cartão de crédito, como modalidade secundária, há violação ao direito de informação? Se o contrato de cartão de crédito consignado apresentar-se como modalidade única e estabelecer todas as condições de contratação, ainda, assim, haveria violação à boa-fé no depósito em conta do montante contratado sem a utilização do cartão de crédito?

A Defensoria Pública do Amazonas, que atuou como custos vulnerabilis, explicou que, na prática, o que vem ocorrendo é que, em um primeiro momento, o consumidor vai à instituição financeira com o objetivo de obter um simples empréstimo consignado. O banco, por sua vez, faz outra operação, a contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC).

Através dessa outra operação, muitas vezes desconhecida pelo consumidor, credita-se na conta do interessado o valor total do empréstimo pretendido, antes mesmo do desbloqueio do cartão de crédito e sem que seja necessária, na maioria das vezes, a utilização do objeto. Com isso, no mês seguinte, a cobrança do pagamento integral do montante emprestado é feita na fatura do cartão.

Se o consumidor pagar integralmente o valor cobrado, nada mais será devido. Mas se não o fizer, é descontado em folha apenas o valor mínimo dessa fatura (o equivalente a 6% do total) e, sobre a diferença, incidem encargos rotativos, muito superiores aos praticados pelo mercado em se tratando de consignados em geral.

"A falta ou precariedade de informações e esclarecimentos por parte das instituições financeiras fazem com que o consumidor seja induzido a imaginar estar contratando um empréstimo consignado, como qualquer outro, e que o cartão se apresenta como valor agregado de que pode ou não fazer uso. Assim, os consumidores só percebem que não estão diante de um empréstimo consignado simples, após anos de pagamento, quando já pagaram duas ou três vezes o valor solicitado e ainda resta um saldo devedor exorbitante e, o que é pior, para pagamento à vista", disse o subdefensor geral Thiago Nobre Rosas.

Violação ao direito de informação
Quanto ao primeiro questionamento, o desembargador relator do IRDR, José Hamilton Saraiva dos Santos, destacou que, conforme demonstrado pela Defensoria, o consumidor acredita ter contratado um empréstimo consignado, mediante a assinatura de contrato que não sabe interpretar, tecnicamente, e recebe um depósito em conta bancária, denominado de "saque" de cartão de crédito, mesmo sem haver recebido o cartão físico.

"Verifico, portanto, que, embora o cartão de crédito consignado seja modalidade lícita, a prática revela que os consumidores, muitas vezes, são induzidos a erro, por dolo das instituições financeiras, ou, por displicência na confecção do instrumento contratual, interpretam a avença de modo equivocado, em razão da ausência de informações claras e objetivas, e findam por adquirir a referida modalidade contratual, cuja probabilidade de inadimplemento é enorme e garante juros mais benéficos para os bancos do que o empréstimo consignado", ressaltou o relator.

Diante do exposto, concluiu que o contrato de cartão de crédito consignado é um contrato autônomo, que não se confunde com o contrato de mútuo. Assim, se o mútuo é destacado ao consumidor, como modalidade principal, e o cartão de crédito, como modalidade secundária, há, sim, violação ao direito à informação.

Por outro lado, se o cliente buscou adquirir um cartão de crédito consignado, mesmo que tenha sido devidamente esclarecido das implicações práticas de tal operação, o desembargador entendeu que não há que se falar em violação à boa-fé, independentemente da utilização do cartão de crédito, que é facultativa. Porém, as informações somente serão consideradas claras e, por consequência, o contrato válido, quando as instituições financeiras demonstrarem que o consumidor foi, indubitavelmente, informado acerca de todos os termos da contratação. Assim, respondeu ao segundo questionamento formulado.

Danos morais pelo desconto na folha
Na hipótese de contratação de cartão de crédito consignado sem a inequívoca ciência dos verdadeiros termos contratuais, seja por dolo da instituição financeira ou por erro de interpretação do consumidor, causado pela fragilidade das informações constantes da avença, resta evidenciado o dano moral sofrido pelos consumidores, decorrente das sucessivas e indefinidas cobranças que lhes são feitas, sem previsão de quitação do débito.

"Resta evidente que a situação de ter descontos no benefício mensal de valores relativos à margem consignável de cartão de crédito, cuja contratação não se deu em virtude da livre e consciente escolha do consumidor, é situação capaz de gerar angústia e sofrimento, que não se confundem com um simples dissabor do cotidiano", ponderou o relator.

Ele também fixou que, nos casos de invalidade do contrato de cartão de crédito consignado, tendo em vista a não observância do dever de informação, para a restituição em dobro do indébito não se exige a demonstração de má-fé, sendo cabível quando o fornecedor tenha agido de forma contrária à boa-fé objetiva.

Por fim, apontou que se o consumidor utilizar o cartão de crédito para efetuar compras, demonstrado pelo conjunto probatório acostado em cada processo, serão válidas as compras, tornando legítima a cobrança pelo banco, inclusive, nos casos em que o consumidor não teve a perfeita ciência de que celebrou um contrato de cartão de crédito consignado.

Isso porque, caso contrário, se fossem consideradas inválidas as compras efetuadas pelo consumidor, inclusive, nos casos de induzimento a erro, por parte da instituição financeira, seria hipótese de enriquecimento ilícito.

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IRDR 0005217-75.2019.8.04.0000

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