Paradoxo da Corte

Prazo para impugnar decisão de saneamento do processo

Autor

  • José Rogério Cruz e Tucci

    é sócio do Tucci Advogados Associados ex-presidente da Aasp professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e do Instituto Brasileiro de Direito Processual e conselheiro do MDA.

20 de dezembro de 2022, 8h00

O prazo para a interposição de recurso é computado, em regra, a partir da intimação da decisão, na forma do artigo 224 c.c. artigo 230 do Código de Processo Civil.

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Isso significa que a estabilização dos atos decisórios se verifica no momento de sua respectiva prolação. Decidida uma determinada questão ou a própria demanda, segue-se a intimação da decisão e, a partir daí, o início da fluência do prazo.

Esta sequência lógica, no entanto, segundo o disposto no artigo 357 do Código de Processo Civil, tem diversificada dinâmica no que se refere à decisão declaratória de saneamento e de organização do processo.

Não sendo hipótese de extinção do processo sem julgamento do mérito ou de julgamento antecipado, o juiz deverá então proferir decisão de saneamento, declarando que não existem nulidades a serem sanadas e, ainda, de organização, na qual são tomadas diversas providências cujo objetivo é o de preparar o processo para a fase subsequente, destinada à instrução da causa.

Pois bem, proferido aquele ato decisório, a teor do parágrafo 1º do já aludido artigo 357, as partes têm a prerrogativa "de pedir esclarecimentos ou solicitar ajustes, no prazo comum de cinco dias, findo o qual a decisão se torna estável".

Tal preceito, na minha opinião, era até desnecessário, dada a regra geral contemplada no artigo 1.022 do Código de Processo Civil, que prevê o cabimento de embargos de declaração "contra qualquer decisão judicial".

Seja como for, diante da novidade que condiciona a estabilização da decisão de saneamento à formulação de pedido de esclarecimento ou de ajuste, sobreveio certa incerteza no âmbito da jurisprudência no que concerne ao início do prazo para a interposição de agravo de instrumento contra aquele ato decisório, uma vez que, em princípio, tal pleito não interrompe a fluência do prazo recursal.

Instada a enfrentar essa questão, ao ensejo do julgamento do Recurso Especial nº 1.703.571/DF, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça  vencido o ministro Marco Buzzi , assentou o correto entendimento no sentido de que, havendo pedido de esclarecimentos ou de ajustes previsto no artigo 357, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil, o prazo para a interposição de agravo de instrumento somente se inicia no momento em que se verificar a definitiva estabilização da decisão de saneamento, ou seja, após a sua eventual complementação. Ademais, constou do respectivo acórdão, da relatoria do ministro Antonio Carlos Ferreira, que se não houver requerimento de esclarecimento ou de ajuste, o prazo recursal somente se inicia após os cinco dias fixados na referida norma legal.

Na situação concreta examinada pela 4ª Turma, uma empresa incorporadora havia recorrido da decisão saneadora que inverteu o ônus da prova numa ação por atraso na entrega de imóvel. O juiz da causa entendeu que cabia a ela provar que não teve culpa pelo atraso. Ainda na fase saneadora do processo, a empresa pediu esclarecimentos, mas a decisão foi mantida, o que motivou a interposição de agravo de instrumento dirigido ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios.

Ao julgar o recurso, prevaleceu o argumento de que o pedido de esclarecimentos não interrompe o prazo para a interposição do agravo e, por esse fundamento, restou reconhecida a sua intempestividade. Seguiu-se a interposição de recurso especial, em cujas razões a empresa alegou que a estabilização do processo era necessária para a interposição do agravo e que, portanto, não estaria caracterizada a intempestividade.

O recurso especial foi provido, uma vez que, segundo precisa ponderação do ministro Antonio Carlos Ferreira, a redação do parágrafo primeiro do artigo 357 do Código de Processo Civil não é clara o suficiente, deixando margem a dúvidas sobre o procedimento a ser adotado na fase saneadora, ao facultar às partes o pedido de esclarecimentos sem detalhar seus reflexos no cômputo dos prazos recursais: "Se a parte aguarda o prazo para a decisão de aclaramento, a fim de alcançar a estabilidade da decisão, tornando-se definitiva, corre o risco de ver seu agravo de instrumento julgado intempestivo".  Ademais  ainda nos termos do voto condutor , se, por outro lado, o agravo é interposto simultaneamente ao pedido de esclarecimentos ou de ajustes, e sobrevenha nova decisão com alterações substanciais da precedente decisão, "poderão surgir dúvidas quanto à necessidade de novo agravo de instrumento, ou em relação à prejudicialidade do primeiro recurso".

A rigor, como bem asseverado pelo ministro relator, a atividade saneadora não constitui mais um ato exclusivo do magistrado, sendo, na verdade, uma decisão complexa, com a participação ativa de todos os protagonistas do processo. Para ele, a atuação das partes assegura a aplicação dos princípios da segurança jurídica, da previsibilidade dos atos processuais, da obrigatoriedade da fundamentação estruturada e do efetivo contraditório, entre outros. É dizer: "a decisão de saneamento não está aperfeiçoada logo após sua prolação, pois permanece em construção, a depender do exercício do direito de petição. Com efeito, se a decisão é colaborativa e há possibilidade de manifestação das partes, com probabilidade de alteração do teor deliberado, é sensato depreender que o saneamento ainda não foi concluído, razão pela qual encontra-se em estado de instabilidade… Por se tratar de procedimento complexo e colaborativo, apenas quando finalizados todos os atos torna-se possível o início da contagem do prazo para interposição do agravo de instrumento".

Na situação vertente, o ministro Antonio Carlos Ferreira explicou que a decisão determinativa da inversão do ônus da prova foi publicada em 14 de junho de 2016, sobrevindo sua complementação, cuja intimação se deu no dia 30 do mesmo mês, após a formulação de pedido de ajuste.

Consoante ainda a ratio decidendi do respectivo acórdão:

"Com a estabilidade da decisão de saneamento, a parte interpôs agravo de instrumento em 21 de julho de 2016, ou seja, dentro do prazo legal de 15 dias previsto no artigo 1.003, parágrafo 5º, do Código de processo Civil. Sob esse aspecto, a instância de origem, ao julgar intempestivo o agravo de instrumento, violou o disposto no artigo 357, parágrafo 1º".

Como bem se observa, o julgado assentou o entendimento de que o dies a quo do prazo para a interposição de agravo de instrumento contra a decisão declaratória de saneamento do processo é o do sexto dia após a sua respectiva intimação, desde que não haja pleito de esclarecimento ou de ajuste.

Este precedente pretoriano bem demonstra que uma nova legislação, da magnitude de um código, impõe considerável tempo para o aperfeiçoamento de sua correta aplicação, mediante constante exegese proporcionada pelo fecundo diálogo entre a doutrina e a jurisprudência.

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