Pensando a Lápis

Honorários envolvendo a Fazenda Pública: réquiem ao Tema 1.076 do STJ?

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19 de dezembro de 2022, 8h00

Réquiem é um tipo de missa especial celebrada pelas igrejas cristãs em homenagem aos mortos. A Igreja Católica é a principal doutrina a fazer as chamadas "missas de réquiem", no entanto também pode ser utilizado este termo para nomear cerimônias semelhantes do Anglicanismo e da Igreja Ortodoxa. O termo "réquiem" se originou a partir do latim requiem, que deriva de requies, que significa "descanso" ou "repouso".

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Nas missas fúnebres (celebradas durante os funerais) típicas da Igreja Católica, réquiem é a primeira palavra a ser dita durante o ritual dedicado ao repouso da alma do falecido: Requiem aeternam dona eis, Domine ("Senhor, concede-lhes o eterno descanso", na tradução para o português).

Nos últimos dias 28/9/2022 e 12/12/2022 [1], o Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), através de sua diretoria e conselho [2], externou profunda preocupação com a inaplicabilidade (reiterada e injustificada) do Tema 1.076 do STJ, pela 1ª Câmara de Direito Público do TJ-SP que, isoladamente, invocando julgado do STF inaplicável ao caso (anterior, inclusive, a deliberação da Corte Superior), tem deixado de cumprir o precedente qualificado a respeito dos honorários advocatícios envolvendo a Fazenda Pública, culminando na expedição de ofícios para OAB-SP, Aasp, Presidência do TJ-SP e Presidência da Seção de Direito Público do TJ-SP.

Como se sabe, em 31/5/2022, o STJ fez publicar a orientação relativa aos honorários envolvendo a Fazenda Pública. A consolidação da orientação fixada no Tema 1.076 deixa expressa a regra a ser aplicada: (A) A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados; (B) É obrigatória nesses casos a observância dos percentuais previstos nos §§ 2º ou 3º do artigo 85 do CPC — a depender da presença da Fazenda Pública na lide —, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa. (C) ii) Apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo".

Qual teria sido a justificativa para não aplicação de tão precisa e delineada hipótese de incidência por parte da 1ª Câmara de Direito Público do TJ-SP?

Para aquela Câmara, o Tema 1.076 do STJ "não deveria subsistir" perante a "jurisprudência" do STF, conforme decidido na ACO nº 2.988, de relatoria do ministro Roberto Barroso, publicado em 10/3/2022. Naquele julgado de março de 2022, tratando-se de causa envolvendo quase R$ 1 bilhão em ação originária no Distrito Federal, ainda pendente de liquidação, entendeu o ministro Barroso aplicável o § 8º do artigo 85 do CPC, fixando-se os honorários por equidade.

Não bastasse a série de vicissitudes do julgado que, frise-se, estão longe de representar uma orientação qualificada da posição do STF, a questão temporal é evidente: o julgamento do ministro Barroso se deu antes do julgamento do STJ (março de 2022) e, sendo aquela corte o órgão competente para delimitação e fixação da uniformização da matéria federal (CF, artigo 105), sendo emitida a orientação em 31/5/2022, até que a Corte Superior altere seu posicionamento, deve ser respeitado.

Aliás, na sessão do dia 13/12/2022, a Corte Especial aventou a mudança do Tema 1.076 do STJ, afetando dois recursos especiais relativos ao tema, com honorários vultosos [3]. Por sua vez, a Presidência do STJ reconheceu a Repercussão Geral do tema [4], mas esta questão não teve o condão de negar a aplicabilidade do tema em relação aos tribunais estaduais e federais.

Até que se altere a orientação, ao deixar de aplicar o Tema 1.076 do STJ, viola-se expressamente o artigo 927, III e § 4º, do CPC, na medida em que, diante de um precedente qualificado, simplesmente deixa de se aplicar uma inequívoca orientação em demanda repetitiva, sem qualquer fundamentação adequada ou específica, ferindo, de morte, a segurança jurídica, eis que invoca "nova orientação" inexistente no STF. E, até que se diga o contrário, a última palavra em matéria de legislação federal — notadamente sobre a aplicabilidade do artigo 85, § 3º, do CPC — ao desdizer ou apresentar discordância de mérito em relação ao Tema 1.076 do STJ, propicia-se uma total insegurança no sistema.

Não bastasse a falta de mudança na orientação sobre a aplicabilidade da norma federal, vale lembrar que, ao se negar a aplicação do Tema 1.076, nega-se vigência ao novo § 6º-A do artigo 85 do CPC, que foi trazido pela Lei 14.365 de 2 de junho de 2022 e, em certa medida, também registrou a correção da orientação do STJ, prescrevendo que "quando o valor da condenação ou do proveito econômico obtido ou o valor atualizado da causa for líquido ou liquidável, para fins de fixação dos honorários advocatícios, nos termos dos §§ 2º e 3º, é proibida a apreciação equitativa, salvo nas hipóteses expressamente previstas no § 8º deste artigo".

Aliado ao reforço legislativo de junho deste ano, o Conselho Nacional de Justiça também demonstrou preocupação sobre a questão no âmbito jurisdicional. Reforçando a importância do sistema de precedentes no Direito pátrio, o Conselho Nacional de Justiça recentemente editou a Recomendação n° 134, de 9 de setembro de 2022 (Anexo II), da qual se extrai: "Os precedentes devem ser respeitados, a fim de concretizar o princípio da isonomia e da segurança jurídica, bem como de proporcionar a racionalização do exercício da magistratura", a exigir, assim, a aplicação do Tema 1.076.

Não há posição do STF a respeito do tema e, até que seja revisada a posição consolidada no Tema 1.076 do STJ (ou julgado inconstitucional o artigo 85, § 6º-A, do CPC, recentemente introduzido), como medida de isonomia, segurança, previsibilidade e racionalização do exercício da magistratura, aplicável aos honorários contra Fazenda Pública a precisa e inequívoca orientação normativa fixada por meio da sistemática dos precedentes do STJ, notadamente quando se está a falar de causas envolvendo quantias perfeitamente certas e que também não se mostram irrisórias e tampouco excessivas.

É a hora de invocarmos o réquiem ao Tema 1.076 do STJ? Penso que não. Ainda que sua aplicabilidade, em situações extraordinárias, possa causar alguma distorção, ele está lá. E ao deixar de aplicar o precedente qualificado do STJ, partindo-se de uma orientação inexistente do STF — temporalmente anterior ao decidido pela Corte de Uniformização — os tribunais prestigiam a insegurança, a morosidade e a irracionalidade do sistema, deixando os jurisdicionados em um campo minado, forçando-os à renovação irracional de recursos especiais que, sabe-se lá, poderão (ou não) serem acolhidos. O advogado não pode ser lançado à sorte e à imprevisibilidade de cabimentos (ou não) de recursos excepcionais quando a legislação federal (recentemente alterada e ainda não questionada constitucionalmente, frise-se!) adota como premissa celeridade e previsibilidade.

A preservação desta orientação não se trata, apenas, de um assunto jurisdicional, como possa parecer. Trata-se de uma inequívoca política pública, objetiva, de prestígio à celeridade e a racionalidade do sistema a merecer, portanto, especial atenção da OAB, Federação Nacional dos Institutos dos Advogados do Brasil e demais entidades representativas que tem o dever de prestigiar a segurança jurídica dos jurisdicionados.

 


[1] Parecer do conselheiro dr. Rodrigo Matheus, que acompanha a questão, apontou que outras entidades da advocacia trabalhando em consonância sobre a questão. (v. Conselho do IASP aprova ingresso como amicus curiae em discussão sobre honorários de sucumbência – IASP)

[2] O documento elaborado pelo conselheiro dr. Rodrigo Matheus aponta que o STJ instaurou o Tema Repetitivo 1.076 para "definição do alcance da norma inserta no § 8º do artigo 85 do Código de Processo Civil nas causas em que o valor da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados". Entre as teses do acórdão que julgou o tema, está que "a fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados". (v. Conselheiros do IASP recebem cônsul adjunto da Alemanha – IASP).

 

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