Direito da insolvência

Consolidação substancial voluntária

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19 de dezembro de 2022, 17h14

A Lei 11.101/2005, na sua redação original, não previa expressamente o litisconsórcio ativo, isto é, a possibilidade de um grupo de empresas ingressar em recuperação judicial em conjunto. Diante da ausência de regulamentação, coube à doutrina e à jurisprudência construir uma solução para a omissão legal.

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A verdade é que, num primeiro momento, o tema passou desapercebido e, em concreto, bastava que um grupo de empresas ingressasse com a recuperação judicial para que fosse admitida a chamada consolidação substancial, sem maiores formalidades ou debates.

Posteriormente, a jurisprudência se apercebeu dos abusos que vinham ocorrendo e passou a estabelecer limites e condições a essa possibilidade, delineando a diferença entre a mera consolidação processual e substancial.

Neste sentido, a jurisprudência se dividiu em duas correntes: a primeira, no sentido de que caberia ao magistrado deliberar se deveria ou não ser admitida a consolidação substancial e, a segunda, que tal deliberação caberia à assembleia de credores.

Para a primeira corrente, a consolidação substancial legal dependeria do preenchimento de determinados requisitos ligados normalmente a uma sorte de confusão patrimonial ou desvio de finalidade das empresas, como definido no artigo 50 do Código Civil; já para a segunda, a consolidação substancial voluntária dependeria da aprovação dos credores.

Com a reforma legislativa perpetrada pela Lei 14.112/2020, buscou-se regular os requisitos legais para que um grupo de empresas possa pleitear em litisconsórcio ativo a recuperação judicial (mera consolidação processual) e outros requisitos para que o pedido possa também ser feito sob a forma de consolidação substancial.

O ponto fundamental que diferencia a consolidação substancial da mera consolidação processual está na apresentação de um plano único, com aglutinação de ativos e passivos, de modo que todos os credores, respeitada a divisão em classes, possam ser tratados igualitariamente, independente da empresa devedora e agrupados em um único quadro de credores, mitigando-se a autonomia das pessoas jurídicas. E, a esse fim, devem ser preenchidos os requisitos legais, cabendo ao juiz a decisão a respeito do tema, isto é, a consolidação substancial somente ocorreria por deliberação do juízo recuperacional, por meio de decisão interlocutória, sujeita a recurso.

Ocorre que, a partir de um exame literal da norma legal, poder-se-ia concluir que, dentre as duas correntes acima expostas (deliberação acerca da consolidação substancial pelo magistrado ou pela assembleia geral de credores), o sistema jurídico brasileiro teria optado pela primeira.

Essa interpretação, salvo melhor juízo, não é a mais correta.

Com efeito, dúvida não há de que, preenchidos os requisitos do artigo 69-J da Lei 11.101/2005, deve o magistrado deferir a consolidação substancial. Neste sentido, o termo "poderá" não deve ser entendido como uma espécie de discricionariedade, mas sim um verdadeiro poder dever do magistrado. Neste ponto, aliás, a lei restou omissa e deverá ser objeto de construção doutrinária e jurisprudencial, se a determinação da consolidação substancial pode ocorrer de ofício ou se dependeria de requerimento e, neste último caso, se a legitimidade para tanto seria somente das recuperandas ou poderia partir de qualquer credor, do Administrador Judicial ou do Ministério Público.

Todavia, não podemos nos esquecer que, ao lado dos poderes do magistrado na condução da recuperação judicial, a legislação deu destaque aos poderes e soberania da assembleia geral de credores.

Com isso, nos parece possível e legalmente autorizado que as empresas em consolidação processual que não preencham os requisitos do artigo 69-J possam submeter o tema à deliberação da assembleia geral de credores, numa espécie que podemos denominar consolidação substancial voluntária.

Tal entendimento é reforçado pelo próprio artigo 50 da lei 11.101/2005, que regula de forma exemplificativa os meios de recuperação judicial das empresas.

Com efeito, podem as empresas em recuperação judicial entender que, apesar de não preenchidos os requisitos dos 69-J, a consolidação substancial constitui forma adequada para a solução da crise enfrentada pelo grupo de empresas, hipótese em que as recuperandas devem apresentar plano único de recuperação judicial de todas as empresas, para que a questão da consolidação substancial seja decidida pela assembleia geral de credores.

Nesse cenário, a teor do artigo 69-I, ainda que ocorra do ponto de vista temporal uma única convocação e realização de assembleia geral de credores, sob a ótica deliberativa estaremos diante de assembleias independentes, cujos quóruns de instalação e deliberação serão individualizados para cada uma das empresas, até decisão assemblear a respeito da admissão ou não da consolidação substancial.

Isto significa que, no caso da chamada consolidação substancial voluntária, cabe à assembleia geral de credores de cada uma das empresas deliberar se aprovam ou não o pagamento por meio de um plano único de recuperação judicial.

Evidente que, neste caso, à míngua de uma regulamentação específica, alguns problemas devem ser superados.

O primeiro, é a forma como se dará a votação. A esse respeito, entendemos que a votação deve ocorrer pela totalidade de créditos das empresas (artigo 38) e não por classe, na medida em que, o que está sendo efetivamente deliberado não é o plano de recuperação judicial, mas sim a concordância ou não com a consolidação substancial, citando-se como precedentes nesse sentido as deliberações assembleares nos processos nºs 1069420-76.2017.8.26.0100 e1026974-06.2019.8.26.0224), sem ignorar posição em sentido contrário no processo nº 1057756-77.2019.8.26.0100, por exemplo.

O segundo, é a rejeição da consolidação em uma ou mais empresas. Nesta hipótese, uma visão simplista seria a de que a consolidação substancial se limitaria àquelas empresas cujas assembleias aprovaram a apresentação de plano único, ficando excluídas aquelas que rejeitaram. Pondera-se, no entanto, que a admissão da consolidação substancial de somente parte das empresas em recuperação judicial pode ensejar a sua reprovação também com relação ao todo, já que a reunião de ativos e passivos das empresas pode ter sido o motivo determinante para aqueles credores que votaram favoravelmente, hipótese em que deverá ocorrer nova votação para que os credores cujas devedoras foram abrangidas pela consolidação substancial parcial possam confirmar sua intenção de aprovação.

Além disso, a exclusão de uma ou mais empresas torna, no mais das vezes, necessário o ajuste do plano de recuperação judicial apresentado, de modo a readequá-lo ao novo cenário de consolidação substancial parcial, podendo ensejar a suspensão dos trabalhos assembleares.

Todos esses pontos demonstram que a questão ainda está longe de uma plena pacificação, cabendo a jurisprudência com o passar do tempo a consolidação de sua posição.

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