Processo Tributário

Responsabilidade nos projetos de lei do contencioso tributário

Autores

  • Fernanda Camano

    é advogada pós-doutora pela Faculdade de Direito da USP professora do curso de Especialização do Ibet professora do curso de extensão Processo Tributário Analítico do Ibet e pesquisador do grupo de estudos Processo Tributário Analítico do Ibet.

  • Camila Campos Vergueiro

    é advogada doutoranda pela Unimar mestre em Direito Tributário pela PUC-SP professora do Curso de Especialização do Ibet do programa de pós-graduação lato sensu da Fundação Getúlio Vargas (FGV Law) e do Complexo Educacional Damásio de Jesus professora e coordenadora do curso de extensão Processo Tributário Analítico do Ibet e coordenadora do grupo de estudos de Processo tributário analítico do Ibet.

18 de dezembro de 2022, 8h00

Em continuidade ao texto publicado nesta coluna no qual apontamos as tendências do contencioso tributário a partir da análise das proposições normativas contidas nos projetos de leis elaborados pela Comissão de Juristas, no presente artigo abordaremos como recebe tratamento a questão da responsabilização de terceiros, comparando suas proposições ao Projeto de Lei 1.599/2022 da Câmara dos Deputados, de autoria do NEF/FGV/Direito/SP que trata da cobrança da dívida ativa da Fazenda e, ainda, ao Projeto de Lei Complementar (PLP) 17/2022, do deputado federal Felipe Rigoni, recentemente aprovado pela Câmara dos Deputados, instituindo o código de defesa do contribuinte.

Trataremos aqui de hipótese em que não houve a constituição do crédito tributário em face de terceiro, tampouco esse terceiro consta da CDA ou integra o polo passivo da execução fiscal primitivamente, porém é ele convocado para adimplir o crédito tributário exigido de modo original em face do devedor-contribuinte (executado).

Quando a Fazenda Pública pretende que o terceiro arque com a dívida tributária, via de regra, utiliza o artigo 135, III do CTN para responsabilizar o terceiro — "sócio-gerente" ou "pessoa com poder de administração" — a fim de integrá-lo ao polo passivo da execução fiscal porque agiu com ilicitude na gestão da pessoa jurídica.

Sem ingressar nos diversos fundamentos que poderão ser invocados pelo Fisco, é importante reter que se trata de responsabilidade tributária fundada nas regras do CTN, cuja causa geradora é um ato ilícito [1].

Se na situação dantes referida a intenção é atribuir a condição de sujeito passivo da obrigação tributária, portanto, de devedor na execução fiscal, há cenário em que a Fazenda Pública pretenderá alcançar tão somente o patrimônio daquele terceiro enquanto sujeito integrante do mesmo grupo econômico ("grupo de fato", por exemplo), hipótese em que a causa geradora é a ocorrência de atos ilícitos, mas cujo fundamento articulado é o artigo 50 do Código Civil. Nessa situação, apenas seus bens submeter-se-ão ao processo expropriatório. São dois os requisitos materiais [2] para tanto: (1) desvio de finalidade, quando a pessoa jurídica utiliza da empresa para prejudicar terceiros/atingir objetivos distantes de seu objeto social, e (2) confusão patrimonial, verificável quando há "impossibilidade de fixação dos limites divisores dos patrimônios das pessoas jurídicas envolvidas, seus sócios e acionistas".

Vê-se que a distinção não é meramente teórica a respeito deste ou daquele enquadramento jurídico, mas vai além: os efeitos práticos sustentam a distinção. Na responsabilidade tributária, o modo de integrar o terceiro é o redirecionamento da execução fiscal para trazê-lo ao polo passivo. Assim, as restrições impostas a ele terceiro serão as mesmas que irão atingir o devedor originário como, por exemplo, a impossibilidade de obter certidão de regularidade fiscal. Aqui o terceiro assume a condição de parte, verdadeiro devedor do processo executivo fiscal.

Tratando-se de responsabilização patrimonial, o terceiro não é convocado para integrar a execução fiscal na condição jurídica de devedor, mas tão somente terá comprometido seu patrimônio para o pagamento do crédito tributário exigido. Para esse caso, o artigo 790, VII [3] do CPC prescreve instrumento processual por meio do qual o patrimônio do terceiro será afetado para pagamento da dívida do efetivo devedor-executado: pela via incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ), veículo para apuração dos atos ilícitos que justifiquem a tomada do patrimônio para pagamento de dívida de terceiro, assegurando irremediavelmente o contraditório e a ampla defesa.

Esses apontamentos eram essenciais para que pudéssemos analisar os projetos de leis de processo tributário que tratam dessa temática. Passemos a eles.

Pois bem.

O PL 2.488/2022 referente à lei de execução fiscal, elaborado pela Comissão de Juristas, em seu artigo 39 [4] autoriza o redirecionamento e a responsabilização patrimonial com fundamento no art. 50 do Código Civil, mas afasta a necessidade de utilização do incidente de desconsideração para ambas as hipóteses (o § 5º [5] daquele dispositivo determina a inaplicabilidade à execução fiscal dos arts. 133 a 137 do CPC).

Previsão essa que caminha na contramão do que projetou o CPC quando instituiu o IDPJ, que foi a de assegurar em sua máxima potência o direito ao contraditório e à ampla defesa especialmente daqueles sujeitos que não compõem a relação material geradora do conflito e são convocados para responder com seus bens pela dívida.

Diferentemente estabelece o Projeto de Lei 1.599/2022, de autoria do NEF/FGV/Direito/SP que, em seu artigo 10, expressamente determina que a apuração de "responsabilidade patrimonial de terceiros que não se ajustem às hipóteses de legitimidade passiva definidas nesta lei" deve se dar em incidente autônomo, nos termos dos artigos 133 a 136 do CPC.

Mesmo caminho do Projeto de Lei 1.599/2022 (do NEF/FGV/Direito/SP) segue o projeto de lei complementar (PLP 17/2022) do Código de Defesa dos Contribuintes, de autoria do deputado federal Felipe Rigoni, recém aprovado na Câmara dos Deputados (sessão de 8/11/2022), o qual assegura o incidente de desconsideração da personalidade jurídica como veículo para identificação de grupo econômico e responsabilização patrimonial pela dívida de terceiro.

Não podemos perder de vista que os enunciados normativos assinalados neste texto foram projetados para o ambiente jurisdicional (em que há execução fiscal ajuizada), no entanto, o projeto de lei de execução fiscal 2.488/2022, elaborado pela Comissão de Juristas, traz um capítulo específico intitulado "Da cobrança extrajudicial da dívida ativa" e seu artigo 18 [6] propõe o estabelecimento de instrumento administrativo para apuração de responsabilidade de terceiro, tanto a tributária, como a patrimonial, por débito inscrito em dívida ativa (ajuizado ou não), na hipótese de indícios de ilicitude por parte do contribuinte.

Vê-se, destarte, que, quanto a este específico ponto, referido projeto materializa não só a tendência apontada no texto anterior de "administrativização" [7] da cobrança, mas, também, a do CPC de assegurar ao particular meio processual próprio garantidor do contraditório e da ampla defesa prévio à expropriação de seu patrimônio.

Esse cenário projetado e díspare no tratamento da "forma de apuração" da responsabilidade tributária versus responsabilidade patrimonial de terceiros configura uma oportunidade para a reflexão da comunidade jurídica sobre o tema para que, independentemente da solução a ser implementada normativamente — relembremos: estamos tratando de projetos de lei —, possa derivar de um estágio maduro de debate fomentado a partir do que está posto normativamente no CPC e o que se projeta para uma solução dos conflitos tributários com efetividade.

 


[1] A reiteração do destaque à ilicitude como causa que gera a atribuição da responsabilidade decorre do fato de que a responsabilidade, tal como posta no artigo 121, II do CTN, pode decorrer também de ato lícito, como são exemplos as hipóteses de responsabilidade por sucessão empresarial ou por interesse comum — artigos 133, I e 124, I.

[2] Conforme lições de Juliana Furtado, Paulo Conrado e Camila Vergueiro, in Responsabilidade tributária. São Paulo: Thomson Reuters RT, 2017, p. 157.

[3] Art. 790. São sujeitos à execução os bens:

VII – do responsável, nos casos de desconsideração da personalidade jurídica.

[4] Art. 39. A Fazenda Pública exequente poderá requerer o redirecionamento da execução aos responsáveis não incluídos na certidão de dívida ativa, para o reconhecimento da responsabilidade de terceiros, inclusive em decorrência do abuso de personalidade jurídica.

[5] § 5º. Não se aplica à execução fiscal o incidente previsto nos arts. 133 a 137 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).

[6] Art. 18. Sem prejuízo da utilização das medidas judiciais para recuperação e acautelamento dos créditos inscritos, se houver indícios da prática de ato ilícito previsto na legislação tributária, civil e empresarial como causa de responsabilidade de terceiros por parte do contribuinte, sócios, administradores, pessoas relacionadas e demais responsáveis, a Fazenda Pública credora poderá, a seu exclusivo critério, instaurar procedimento administrativo para apuração de responsabilidade por débito inscrito em dívida ativa, ajuizado ou não, observadas, no que couber, as normas que regem o processo administrativo no âmbito da Administração Pública correspondente e garantido o direito ao prévio contraditório.

Autores

  • é advogada, pós-doutora pela Faculdade de Direito da USP, professora do curso de especialização do Ibet, professora do curso de extensão Processo Tributário Analítico do Ibet, pesquisador do grupo de estudos Processo Tributário Analítico do Ibet.

  • é advogada, doutoranda pela Unimar, mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, professora do curso de especialização do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), do programa de pós-graduação lato sensu da Fundação Getúlio Vargas (FGV LAW) e do Complexo Educacional Damásio de Jesus, professora e coordenadora do curso de extensão e do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet.

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