Opinião

Tribunal do Júri e a constitucionalidade da execução provisória da pena

Autor

  • Galtiênio da Cruz Paulino

    é mestre pela Universidade Católica de Brasília doutorando pela Universidade do Porto pós-graduado em Direito Público pela ESMPU e em Ciências Criminais pela Uniderp orientador pedagógico da ESMPU ex-procurador da Fazenda Nacional e atualmente procurador da República e membro-auxiliar na Assessoria Criminal no STJ.

17 de dezembro de 2022, 6h33

Discute-se, no STF (Supremo Tribunal Federal), em sede de repercussão geral, Tema 1.068, a constitucionalidade da execução provisória da pena no Tribunal do Júri, diante da redação do artigo 492, I, "e" do Código de Processo Penal, estabelecida pela Lei nº 13.964/2019, que fixa "no caso de condenação a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão, determinará a execução provisória das penas, com expedição do mandado de prisão, se for o caso, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos" [1].

Antes da Constituição de 1988, ocorrendo uma decisão penal condenatória, era admitida a execução provisória da pena. Mesmo com a nova Constituição, que consagrou o princípio da presunção de inocência expressamente, o STF continuou admitindo a possibilidade da execução provisória da pena, ainda que pendente o julgamento de recursos extraordinários. Nesse sentido, a título de exemplo, é o teor do julgamento proferido no HC 68.726 [2].

Outros acórdãos do Supremo continuaram consagrando o narrado entendimento, como os: HC 71.723, HC 84.846, HC 91.675 e HC 85.024.

Dessa forma, consolidando ainda mais o entendimento de que a execução provisória da pena é possível, a Suprema Corte aprovou os enunciados nº 716 [3] e nº 717 [4], regulamentando situações específicas relacionadas com a hipótese.

Ocorre que, em 2009, no julgamento do HC 84.078 [5], o STF, por maioria de 7 votos a 4, decidiu que a execução provisória da pena é incompatível com o princípio da presunção de inocência, passando a exigir o trânsito em julgado da condenação para início da execução da pena.

Contudo, em 17 de fevereiro de 2016, a Corte Suprema, no âmbito do HC 126.292 [6], decidiu que a execução provisória do acórdão que, em sede de apelação, confirmou a sentença penal condenatória, não viola o princípio da presunção de inocência previsto no artigo 5, LVII da Constituição Federal, mesmo estando a decisão sujeita ao recurso especial e ao extraordinário.

A matéria voltou a ser rediscutida nessa corte, em 5 de outubro de 2016, por ocasião da análise das liminares pleiteadas nas ADCs (Ações Declaratórias de Constitucionalidade) nº 43 e nº 44. Por meio das referidas ações objetivava-se a declaração de constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal. Desse modo, o início da execução da pena só deveria ocorrer com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Na análise das referidas medidas cautelares, o ministro Marco Aurélio, relator das duas ações, concedeu, em 1º de setembro do mesmo ano, a suspensão de todas as execuções provisórias em curso, conforme pleiteado.

Contudo, o Plenário da Corte, por maioria dos votos, manteve o posicionamento fixado no HC 126.292 e concluiu que o artigo 283 do Código de Processo Penal não impede o início da execução da pena após a confirmação da condenação em segunda instância.

Posteriormente, em 7 de novembro de 2019, no momento da análise do mérito das ADCs 43, 44 e 54, o Supremo Tribunal Federal voltou a mudar de posicionamento e novamente passou a exigir o trânsito em julgado da condenação para o início da execução da pena.

A discussão voltou à tona, ao menos com relação às condenações proferidas pelo Tribunal do Júri, com a nova redação do artigo 492, I, "e" do Código de Processo Penal, estabelecida pela Lei nº 13.964/2019, de 24 de dezembro de 2019, ou seja, posterior à última decisão do Supremo Tribunal Federal acima mencionada.

Passou-se, então, a questionar a redação do referido dispositivo, tendo ocorrido algumas decisões no STJ (Superior Tribunal de Justiça) [7] e no STF [8] afirmando que não é possível a execução provisória da pena, mesmo no caso de condenação pelo tribunal do Júri especificado pelo Código de Processo Penal.

Diante da ventilada discussão, a execução provisória da pena, nos termos do artigo 492, I, "e" do Código de Processo Penal, está sendo discutida no Supremo em sede de repercussão geral (Tema 1.068), encontrando-se o julgamento com o placar de 4 a 3 pela admissão [9]. Entre os votos que admitem a execução provisória da pena, nessa hipótese específica do Tribunal do Júri, está o do ministro Dias Toffoli, que, nas ADCs 43, 44 e 54, foi contrário à execução provisória da pena.

O artigo 492, I, "e" do Código de Processo Penal encontra-se plenamente aplicável até o momento, visto que não há liminar suspendendo seus efeitos. Outrossim, não se pode olvidar que uma lei só perde a vigência caso expire seu prazo de existência (leis temporárias), revogação ou declaração de inconstitucionalidade. Essas hipóteses não aconteceram até o momento. Mesmo havendo decisão do STF inadmitindo a execução provisória da pena nos casos em questão (HC 163.814), deve-se destacar que se trata de uma decisão de Turma, em sede de HC, cujo relator é o ministro Gilmar Mendes, responsável por um dos votos contrários à execução provisória da pena nesses casos do Tribunal do Júri.

A principal discussão no Tema 1.068 é o limite de incidência da decisão do Tribunal do Júri que, diferentemente dos processos ordinários, materializa o espírito da sociedade no combate à "criminalidade de sangue", que atinge um dos bens mais preciosos do ser humano, a vida. Por essa razão que os recursos em face das decisões condenatórias do Tribunal do Júri são extremamente limitados no campo da apreciação [10].

Diante desse cenário, o legislador e o Supremo devem respeitar e observar esse espírito da sociedade atinente aos crimes contra a vida, por meio de uma conjuntura sistêmica eficaz e eficiente, proporcionando uma rápida punição a esses delitos, no intuito de alimentar o sentimento da sociedade e da vítima por justiça.


[1] Art. 492. Em seguida, o presidente proferirá sentença que: (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)

I – no caso de condenação:
(…)
e) mandará o acusado recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em que se encontra, se presentes os requisitos da prisão preventiva, ou, no caso de condenação a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão, determinará a execução provisória das penas, com expedição do mandado de prisão, se for o caso, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos; (…)”

[2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC nº 68.726. DJ de 20 de novembro de 1991. Disponível em: http://redir.stf.jus.br. Acesso em: 12 ab. 2016.

[3] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula 716. Admite-se a progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. Disponível em: http://www.stf.jus.br. Acesso em: 15 abr. 2016.

[4] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula 717. Não impede a progressão de regime de execução da pena, fixada em sentença não transitada em julgado, o fato de o réu se encontrar em prisão especial. Disponível em: http://www.stf.jus.br. Acesso em: 15 abr. 2016.

[5] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 84.078. DJE-035. Public. 26-02-2010. Disponível em: http://www.stf.jus. br. Acesso em: 21 abr. 2016.

[6] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 126292.DJE-100. Public. 17-05-2016.Disponível em:<http://www.stf. jus.br> acesso em: 21 abr. 2016.

[7] AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO. EXECUÇÃO IMEDIATA DA PENA. CONDENAÇÃO PROFERIDA PELO TRIBUNAL DO JÚRI. AUSÊNCIA DE TRÂNSITO EM JULGADO. VIOLAÇÃO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA. AGRAVO DESPROVIDO. 1. O habeas corpus não pode ser utilizado como substitutivo de recurso próprio, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, com a exceção de quando a ilegalidade apontada é flagrante, hipótese em que se concede a ordem de ofício. 2. Para a decretação da prisão preventiva, é indispensável a demonstração da existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios suficientes da autoria. Exige-se, mesmo que a decisão esteja pautada em lastro probatório, que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato (art. 312 do CPP), demonstrada, ainda, a imprescindibilidade da medida. Precedentes do STF e STJ. 3. No caso, como visto, o magistrado Presidente do Tribunal do Júri, ao proferir a sentença, assegurou ao réu o direito de recorrer em liberdade, tendo em conta que respondeu ao processo em liberdade. Porém, determinou a prisão com base na nova regra prevista no art. 492, I, e, do Código de Processo Penal, que estabelece a execução provisória da sentença do Tribunal do Júri com pena superior a 15 anos, contrariando o entendimento firmado nesta Corte de que não cabe a prisão para execução provisória de pena como decorrência automática da condenação proferida pelo Tribunal do Júri. Precedentes. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no HC 665.784/PE, rel. ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, 5ª TURMA, julgado em 16/11/2021, DJe 19/11/2021).

[8] Direito penal e processual penal. 2. Execução provisória da pena. Impossibilidade. Precedentes (ADCs 43, 44 e 54). 3. Ordem de habeas corpus concedida de ofício para declarar a ilegalidade de execução provisória da pena e, assim, revogar a prisão decretada por tal fundamento, se inexistente outro motivo para a segregação do paciente e se ausentes fundamentos concretos de prisão preventiva, nos termos do art. 312 do CPP e em conformidade com a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal. (HC 163814 ED, Relator(a): GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 19/11/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-204 DIVULG 14-08-2020 PUBLIC 17-08-2020).

[10] Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias: (Redação dada pela Lei nº 263, de 23/2/1948)

I – das sentenças definitivas de condenação ou absolvição proferidas por juiz singular; (Redação dada pela Lei nº 263, de 23/2/1948)

II – das decisões definitivas, ou com força de definitivas, proferidas por juiz singular nos casos não previstos no capítulo anterior; (Redação dada pela Lei nº 263, de 23/2/1948)

III – das decisões do Tribunal do Júri, quando: (Redação dada pela Lei nº 263, de 23/2/1948)

a) ocorrer nulidade posterior à pronúncia; (Redação dada pela Lei nº 263, de 23/2/1948)

b) for a sentença do juiz-presidente contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados; (Redação dada pela Lei nº 263, de 23/2/1948)

c) houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de segurança; (Redação dada pela Lei nº 263, de 23/2/1948)

d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos. (Incluído pela Lei nº 263, de 23/2/1948)

§ 1o. Se a sentença do juiz-presidente for contrária à lei expressa ou divergir das respostas dos jurados aos quesitos, o tribunal ad quem fará a devida retificação. (Incluído pela Lei nº 263, de 23/2/1948)

§ 2o. Interposta a apelação com fundamento no no III, c, deste artigo, o tribunal ad quem, se Ihe der provimento, retificará a aplicação da pena ou da medida de segurança. (Incluído pela Lei nº 263, de 23/2/1948)

§ 3o. Se a apelação se fundar no no III, d, deste artigo, e o tribunal ad quem se convencer de que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos, dar-lhe-á provimento para sujeitar o réu a novo julgamento; não se admite, porém, pelo mesmo motivo, segunda apelação. (Incluído pela Lei nº 263, de 23/2/1948)

§ 4o. Quando cabível a apelação, não poderá ser usado o recurso em sentido estrito, ainda que somente de parte da decisão se recorra. (Parágrafo único renumerado pela Lei nº 263, de 23/2/1948)

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  • é mestre pela Universidade Católica de Brasília, doutorando pela Universidade do Porto, pós-graduado em Direito Público pela ESMPU e em Ciências Criminais pela Uniderp, orientador pedagógico da ESMPU, ex-procurador da Fazenda Nacional e atualmente procurador da República e membro-auxiliar na Assessoria Criminal no STJ.

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