Embargos Culturais

Fundamentos de Direito Constitucional, Novos Horizontes Brasileiros

Autor

  • Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

    é livre-docente pela USP doutor e mestre pela PUC- SP advogado consultor e parecerista em Brasília. Foi consultor-geral da União e procurador-geral adjunto da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

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11 de dezembro de 2022, 8h00

Fundamentos de Direito Constitucional, Novos Horizontes Brasileiros, é livro publicado pela Editora JusPodivm, de autoria de Vera Karam de Chueiri, Egon Bockman Moreira e Miguel Gualano de Godoy. O livro é dedicado à alma mater dos autores, a Universidade Federal do Paraná. Concebida em 1912, no tempo de Nilo Cairo, a Universidade do Paraná, especialmente no campo do direito, é ambiente acadêmico no qual registra-se a participação de importantes nomes de nosso magistério jurídico: Luiz Fernando Coelho, Luiz Edson Fachin, Clemerson Merlin Clève, Marçal Justen Filho, Ricardo Marcelo Fonseca, Egas Dirceu Moniz de Aragão, Manoel Caetano Ferreira Filho, Aloisio Surgik, Betina Treiger Grupenmacher, apenas para citar alguns nomes.

Spacca
Entre os autores de Fundamentos de Direito Constitucional, Novos Horizontes Brasileiros Vera Chueiri, competente filósofa do direito e da política, também tem se destacado no campo do direito e literatura. Egon Bockman é um de nossos mais importantes administrativistas. Heloísa Câmara, constitucionalista, é competente autora de uma tese doutoral sobre o STF à época da ditadura militar. Miguel Godoy, constitucionalista, conhece muito os autores argentinos, a exemplo de Carlos Santiago Nino e Roberto Gargarella. Um timaço de juristas. Tenho por Egon Bockman uma estima pessoal: apoiou-me em momento difícil de minha vida. Tenho por Egon também um respeito acadêmico incomensurável: seus textos sempre me foram fundamentais na construção de pareceres e no enfrentamento de questões difíceis.

A obra é diferente. Há uma sessão de direito constitucional comparado, denominada de "abertura bibliográfica", que vale o livro. Há referências do que de melhor tem-se publicado no Brasil, na Alemanha, na Argentina, na Colômbia, na Espanha, na França, na Inglaterra, na Itália, no Estados Unidos e em Portugal. Os autores tratam inclusive da revolução haitiana e do constitucionalismo pós-colonial, assunto importante, que raramente se encontra na literatura constitucionalista nacional. Cuidam também do constitucionalismo latino-americano.

Tem-se uma percepção do direito comparado sob uma perspectiva bibliográfica. O direito comparado promove inicialmente objetivos práticos que atendem a aspectos profissionais da atividade negocial. O conhecimento de outros direitos pode calibrar opções de negócios, investimentos e interesses laborais. A multiplicação das relações internacionais em âmbito comercial, como reflexo da mundialização do comércio, dá ao direito comparado nova feição. A inserção das empresas em novos mercados ou centros de produção exige que o empresário conheça os modelos normativos com os quais terá que se relacionar. Estudo prévio de ordenamentos jurídicos locais tem importância superlativa, que ultrapassa ao próprio conhecimento da língua e de rudimentos das culturas locais. Um ponto de partida do ponto de vista bibliográfico é valioso, na medida em que se trata da teoria das fontes, da qual a doutrina faz parte.

Os autores enfrentam pergunta essencial: por que estudar direito constitucional? Exploram o tema da era constitucionalista que vivemos, o direito constitucional como dado usual de experiência, o que significa, nessa perspectiva, uma efetiva constitucionalização do cotidiano. Os autores tratam inclusive de normas constitucionais não escritas, isto é, implícitas. O estudo sério do direito constitucional brasileiro, explicam os autores, exige o domínio de cinco noções básicas: "a Constituição com lei fundamental, como fonte de Direito Constitucional e como norma jurídica, o controle de constitucionalidade e os direitos fundamentais".

Há um capítulo historiográfico, relativo aos antecedentes da Constituição, no contexto da dinâmica do movimento constitucionalista. Menciona-se o "constitucionalismo empírico" com base na doutrina alemã (Dieter Grimm). Na opinião dos autores (que não creio possa ser questionada) o direito constitucional é experiência política e normativa que se desdobra nos últimos duzentos anos. Os autores não caíram no canto da sereia epistemológica de exploração fácil da narrativa jurídica sob uma perspectiva histórica apressada. O uso da história pelo direito pode ser jogo conceitual perigoso porque o jurista pode valer-se do passado para justificar o presente das instituições nas quais atua. O capítulo referente à Magna Carta, por exemplo, comprova o cuidado dos autores com essa dificuldade.

Fundamentos de Direito Constitucional, Novos Horizontes Brasileiros, exemplifica as relações entre direito política. Nesse sentido, a exploração dos autores sobre a Paz de Vestefália (1648) e a concepção pragmática de Estado Moderno. Territorialização, centralização e definição de soberania são chaves do constitucionalismo que surgem ao ensejo desse modelo político. De acordo com os autores, "deve-se ao modelo vestfaliano a construção de sistemas político-jurídicos racionais, monocêntricos e fechados". Ainda assim, tecnicamente, esses Estados não possuíam constituições.

Os autores tratam em seguida do surgimento da constituição norte-americana. Um bom ponto de partida para o estudo desse fascinante campo do direito comparado. O direito constitucional norte-americano ocupa-se com o controle de constitucionalidade (judicial review), com interpretação constitucional, com a relação entre governo central e estados (federalismo vertical) e com direitos individuais, a exemplo da chamada discriminação reversa (reverse discrimination), decorrente dos modelos de ações afirmativas (affirmative action).

Com base em perspectiva que nos diz que direito constitucional é estudo das decisões da Suprema Corte, os temas acimas elencados encontram-se nos chamados watershed cases, a propósito das discussões em Marbury vs. Madison, Roe vs. Wade, McCullogh vs. Maryland, Plessy vs. Ferguson, Brown vs. Board of Education, Bakke vs. University of California. A força do precedente formatará o entendimento constitucional. A Suprema Corte ditará os cânones do American way of life. Direito e política assumem influências mútuas sem constrangimentos epistemológicos. O capítulo sobre a experiência norte-americana é esclarecedor para estudo posterior desses temas.

Fundamentos de Direito Constitucional, Novos Horizontes Brasileiros surpreende o leitor, entre outros, com capítulos sobre constitucionalismo multinível, constitucionalismo global, mutação constitucional, direito constitucional intertemporal. A parte final cuida de temas mais dogmáticos a exemplo do controle de constitucionalidade.

Nesses tempos presentes, quando somos surpreendidos com ataques à tradição constitucionalista, marcados pela raiva, pelo ressentimento e pelo reacionarismo, Fundamentos de Direito Constitucional, Novos Horizontes Brasileiros, dos professores da Federal do Paraná, revela-se como uma obra de esperança e de combate.

Autores

  • é advogado em Brasília (Hage e Navarro), professor livre-docente pela USP, doutor e mestre pela PUC-SP, professor titular mestrado-doutorado na Uniceub (Brasília) e professor visitante (Boston, Nova Déli, Berkeley, Frankfurt e Málaga).

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