Opinião

Restituição do indébito: administrativa ou judicial? Eis a questão

Autores

  • Daniel de Paiva Gomes

    é doutorando (PUC) e mestre (FGV Direito-SP) em Direito Tributário msc. candidate em blockchain e digital currency pela University of Nicosia especialista em Direito Tributário nacional (PUC) e internacional (IBDT) professor de cursos de extensão e pós-graduação lato sensu pesquisador do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet e advogado em São Paulo.

  • Eduardo de Paiva Gomes

    é doutorando (PUC) e mestre (FGV Direito-SP) em Direito Tributário MSc candidate em blockchain e digital currency pela University of Nicosia especialista em Direito Tributário nacional (PUC) conselheiro do CMT (4ª Câmara Julgadora) juiz suplente do TIT professor de cursos de extensão e pós-graduação lato sensu pesquisador do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet e advogado em São Paulo.

7 de dezembro de 2022, 6h02

A linha condutora destes artigos que tratam da temática referente à recuperação do indébito tributário está atrelada à conexão entre a relação jurídica de direito material conflituosa subjacente e legislação processual.

Já afirmamos, aqui, que os instrumentos à disposição do particular credor para satisfação do direito ao indébito tributário não se confundem com a constituição de tal direito [1] e que a utilização de um ou de outro mecanismo para sua recuperação é influenciada pelo veículo processual correspondente [2].

Neste artigo, pretendemos abordar a problemática da recuperação do indébito tributário via restituição administrativa vis-à-vis o artigo 100 da Constituição.

Com efeito, o artigo, com a redação dada pela Emenda Constitucional 62/2009, prescreve que os "pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, estaduais, distrital e municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim".

Pela leitura ipsis literis da norma, a materialização do direito do contribuinte ao recebimento de pagamentos por parte das Fazendas Públicas Federal, estaduais, municipais e do Distrito Federal, que sejam decorrentes de sentença judicial obrigatoriamente se fará por meio de precatório.

Com base nesse dispositivo, os tribunais do país passaram a afastar a possibilidade de restituição administrativa do indébito tributário, sob o fundamento de que tal prática violaria a "fila constitucional dos precatórios". Entendimento esse que seria confirmado pela Súmula 461 do Superior Tribunal de Justiça  cunhada com base na orientação firmada no Recurso Especial 1.114.404-MG , segundo a qual o contribuinte pode "optar por receber, por meio de precatório ou por compensação, o indébito tributário certificado por sentença declaratória transitada em julgado", sem qualquer menção à restituição administrativa.

Ocorre que o posicionamento adrede referido no âmbito da tributação federal, limita a aplicabilidade do quanto disposto no artigo 66, §2º [3], da Lei 8.383/1991, que não foi, até o presente momento, declarado inconstitucional ou revogado, permanecendo válido, vigente e eficaz.

O caput do artigo 66 da referida norma prescreve que, nos "casos de pagamento indevido ou a maior de tributos, contribuições federais, inclusive previdenciárias, e receitas patrimoniais, mesmo quando resultante de reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória, o contribuinte poderá efetuar a compensação desse valor no recolhimento de importância correspondente a período subsequente".

Ao conteúdo do caput deve ser somado o de seu §2º que, para além da referência à compensação, consigna que "é facultado ao contribuinte optar pelo pedido de restituição".

Como se vê, a reparação patrimonial do indébito tributário federal pode se concretizar via compensação ou restituição, tratando-se de faculdade do contribuinte optar por utilizar a restituição administrativa mesmo nos casos em que o indébito decorre de sentença judicial transitada em julgado, haja vista que a norma não traz qualquer condicionante.

No mesmo sentido é o conteúdo do artigo 74 da Lei 9.430/1996 que também assegura como alternativa a restituição administrativa do indébito tributário ainda que fixado em decisão judicial transitada em julgado ao dispor que o "sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele".

Como equacionar a regra constitucional — artigo 100 com a redação da Emenda Constitucional 62/2009  que estabelece que o pagamento do indébito tributário reconhecido judicialmente seja consagrado via precatório e as disposições das Leis Federais 8.383/1991 e 9.430/1996 que autorizam a restituição administrativa do tributo pago indevidamente sem a necessidade de formalização do precatório?

Em que pese o cenário de instabilidade jurisprudencial sobre o tema [4], parece-nos que é o próprio texto do artigo 100 a chave para a resposta dessa celeuma.

Ora, o referido dispositivo prevê a necessidade de emissão do precatório apenas para os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária.

Isso nos autoriza concluir que, se o indébito tributário federal não foi constituído mediante sentença é passível a restituição administrativa por meio da sistemática do artigo 66, §2º da Lei 8.383/1991 e do artigo 74 da Lei 9.430/1996, portanto, sem a sujeição ao artigo 100 da Constituição Federal.

Curiosamente, chegaríamos a um cenário em que: 1) na hipótese de o contribuinte optar por instrumentalizar a repetição do indébito tributário federal por meio de ação judicial, a recuperação do indébito tributário estará restrita à via do precatório ou da compensação; 2) por sua vez, se o contribuinte não ajuíza ação judicial para garantir a restituição do indébito e se vale da restituição administrativa, não se sujeita à tortuosa via do precatório, haja vista o artigo 100 da CF/1988 aplicar-se apenas aos casos em que os pagamentos da Fazenda Pública decorram de ação judicial.

O quanto exposto evidencia que os instrumentos de reposição patrimonial à disposição do contribuinte na hipótese de pagamento indevido de tributo, não se confundem com os meios de constituição do indébito tributário e a seleção de uma via (judicial) ou outra (administrativa), certamente, é influenciada pela perspectiva de pagamento diluído no tempo por precatório ou imediata, sem a necessidade de emissão do precatório.


[3] Artigo 66. Nos casos de pagamento indevido ou a maior de tributos, contribuições federais, inclusive previdenciárias, e receitas patrimoniais, mesmo quando resultante de reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória, o contribuinte poderá efetuar a compensação desse valor no recolhimento de importância correspondente a período subseqüente.

§2º É facultado ao contribuinte optar pelo pedido de restituição.

[4] Existem decisões aceitando a restituição administrativa (AgInt no REsp 1922794/AC, relator ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, j. 14/02/2022, DJe 22/02/2022 e REsp n. 1.516.961/RS, relator ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 23/2/2016, DJe de 22/3/2016, por exemplo), bem como rejeitando-a (RE 1367549/SP, relator ministro RICARDO LEWANDOWSKI, j. 24/02/2022, Publicação: 02/03/2022).

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  • é doutorando (PUC) e mestre (FGV Direito-SP) em Direito Tributário, msc. candidate em Blockchain e Digital Currency pela University of Nicosia, especialista em Direito Tributário Nacional (PUC) e Internacional (IBDT), professor de cursos de extensão e pós-graduação lato sensu, pesquisador do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet e Advogado em São Paulo.

  • é doutorando (PUC) e mestre (FGV Direito-SP) em Direito Tributário, MSc candidate em Blockchain e Digital Currency pela University of Nicosia, especialista em Direito Tributário Nacional (PUC), conselheiro do CMT (4ª Câmara Julgadora), juiz suplente do TIT, professor de cursos de extensão e pós-graduação lato sensu, pesquisador do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet e advogado em São Paulo.

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