Opinião

Organização estatutária e redução dos riscos criminais de diretores de empresa

Autores

  • Paulo Freitas Ribeiro

    é sócio fundador do escritório Paulo Freitas Ribeiro Advogados Associados professor de Direito Processual Penal da PUC-Rio e mestre em Direito Constitucional pela PUC-Rio.

  • Julia Lavigne

    é sócia do escritório Paulo Freitas Ribeiro Advogados Associados e mestre em direito pela NYU School of Law e pela FGV Direito Rio.

29 de agosto de 2022, 17h02

Quando é instaurado um inquérito policial para apurar crimes alegadamente praticados no ambiente corporativo, é comum que informações obtidas no estatuto ou contrato social de empresas sejam utilizadas para direcionar a investigação e, muitas vezes, a própria acusação.

Ou seja, autoridades recorrem a tais documentos com o objetivo de verificar, abstratamente, quem são os diretores responsáveis por determinadas tarefas dentro do ambiente corporativo. A partir daí, buscam atribuir responsabilidade criminal ao diretor estatutário por eventuais irregularidades verificadas no âmbito empresarial, mesmo quando não é possível associá-lo, factualmente, à conduta investigada.

Em tese, essa associação automática seria inadmissível. A Constituição Federal e o direito penal brasileiro proíbem a responsabilidade penal objetiva, que é o que acontece quando se atribui responsabilidade a um indivíduo em razão do cargo ocupado quando não há provas de sua participação efetiva nos fatos.

Em outras palavras, para que se possa processar criminalmente alguém, e mais ainda condená-lo, é necessária a comprovação do dolo, que é a intenção de se cometer a conduta proibida, ou ao menos da culpa, que se traduz em negligência, imprudência ou imperícia, nos casos expressamente previstos em lei.

Assim, ao oferecer denúncia, o representante do Ministério Público deve individualizar a conduta supostamente praticada pelos acusados, indicando de maneira clara e pormenorizada as circunstâncias nas quais o crime imputado teria sido cometido e de que forma o denunciado teria concorrido para os fatos. Tal mandamento é relevante porque, em tese, só pode ser punido aquele que efetivamente concorreu, objetiva e subjetivamente, para a ocorrência do delito, sendo vedada a responsabilização pelo mero exercício de uma função em uma empresa.

Isso, no entanto, não impediu a instauração de procedimentos criminais e até mesmo a prolação de sentenças condenatórias fundamentadas a partir do cargo ocupado dentro de uma empresa.

Paulatinamente, os tribunais passaram a admitir o oferecimento da denominada "denúncia genérica" em casos de crimes de natureza empresarial, alegando-se dificuldade de individualizar condutas em crimes societários. Nessas hipóteses, a jurisprudência admitiu que as denúncias fossem oferecidas sem a individualização das condutas ilícitas que teriam sido praticadas pelo agente a quem se imputa o crime.

Esta prática, condenada pela doutrina, foi disseminada a partir do final do século passado, depois que foram editadas inúmeras leis que punem crimes passíveis de serem praticados através de pessoas jurídicas, como a Lei 7.492/86 (crimes contra o sistema financeiro nacional), a Lei 8.137/90 (crimes contra a ordem tributária, econômica e relações de consumo), a Lei 9.613/98 (lavagem de bens, direitos e valores) e a Lei 9.505/98 (crimes ambientais).

Embora a jurisprudência venha refreando essa tendência nos últimos anos, não é raro que diretores estatutários sejam acusados da prática de crimes tributários, financeiros ou ambientais em razão de decisões tomadas por gestores, empregados ou prestadores de serviços, o que acontece unicamente por ostentarem a responsabilidade por estas tarefas nos estatutos ou contratos sociais.

Muitas vezes, os denunciados não têm sequer conhecimento dos fatos que lhes são imputados. Isso acontece porque, em certas ocasiões, autoridades de persecução penal simplesmente recorrem ao estatuto ou contrato social para saber quem são os representantes legais da empresa para fins de responsabilização penal.

Não é incomum que o próprio estatuto ou contrato social contenha linguagem ou terminologia que induza a essa interpretação equivocada. Por exemplo, muitos deles atribuem aos diretores a tarefa de supervisionar uma enorme quantidade de atividades ou mesmo de realizar determinadas funções dentro da empresa que, na prática, são realizadas por terceiros.

Além disso, tais documentos costumam não espelhar a forma como se dá a gestão corporativa, sem fazer qualquer menção aos inúmeros órgãos de gestão que as empresas possuem ou às esferas de decisão e de alçada.

Soma-se a isso o fato de que muitas empresas contam com um número limitado de diretores estatutários, mas suas estruturas internas incluem muitos diretores não estatutários, o que representa um risco criminal aumentado para os primeiros.

A maior exposição de diretores nos estatutos ou contratos sociais induz algumas autoridades investigativas a pensar e sustentar que eles são pessoalmente responsáveis por tudo o que se passa na empresa, daí advindo denúncias criminais, quiçá condenações, injustas, porque distantes da realidade da gestão das empresas contemporâneas.

Não se pode esquecer que, mesmo que seja pronunciada a absolvição do diretor estatutário denunciado, muitas vezes o estrago já foi feito para a imagem do indivíduo e da empresa, sendo o dano reputacional de difícil reparação.

Daí a importância de que os estatutos e contratos sociais espelhem com fidedignidade a organização societária e a forma interna de gestão. A revisão desses documentos figura como um importante passo para a redução da exposição criminal dos diretores estatutários.

Autores

  • é sócio fundador do escritório Paulo Freitas Ribeiro Advogados Associados, professor de Direito Processual Penal da PUC-Rio e mestre em Direito Constitucional pela PUC-Rio.

  • é sócia do escritório Paulo Freitas Ribeiro Advogados Associados e mestre em direito pela NYU School of Law e pela FGV Direito Rio.

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