Processo Tributário

Limites à cognoscibilidade no PAT: tempestividade e preclusão

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28 de agosto de 2022, 8h00

O processo administrativo tributário constitui instrumento por meio do qual a ideia de interesse público apresenta-se sob a forma de controle de legalidade do ato administrativo fiscal. Tal assertiva, por si só, já justifica a admissão de uma maior flexibilidade procedimental e cognitiva do julgador tributário administrativo, algo que se revela, por exemplo, nos amplos poderes instrutórios atribuídos à autoridade julgadora.

Nesse contexto, a questão que se coloca é a seguinte: seria possível admitir-se, sob o pretexto de se privilegiar o autocontrole da legalidade tributária, o prosseguimento da impugnação ou do recurso administrativos intempestivos?

Diferentemente do que ocorre no âmbito instrutório, onde a invocação do interesse público para fins de autocontrole de legalidade dos atos administrativos ultrapassa os limites subjetivos das partes em conflito, no âmbito recursal o interesse defendido, indiscutivelmente, restringe-se à proteção da pretensão subjetiva invocada pelo sujeito recorrente, titular do interesse recursal.

Não se trata, obviamente, de se admitir a restrição ao direito constitucional à recorribilidade e ao duplo grau de jurisdição (artigo 5º, LV [1] do texto Constitucional), mas sim de privilegiar a noção, também constitucional, de devido processo legal, que informa o regime jurídico próprio ao contencioso administrativo tributário.

Esse é, inclusive, o posicionamento de Rodrigo Dalla Pria, para quem "o direito à recorribilidade no processo administrativo-tributário, tal qual se dá no âmbito judicial, é pautado por prazos peremptoriamente preclusivos. Nesse tocante, diferentemente do que ocorre no plano cognitivo e instrutório, não há espaço para cogitarmos uma possível flexibilização procedimental capaz de suplantar, em nome do interesse público, eventual perda do prazo recursal" [2].

Tomando-se como tópico de análise a legislação que rege o processo administrativo tributário federal, tem-se que o Decreto nº 70.235/72, diversamente do que ocorre no âmbito instrutório — onde julgador tributário possui um amplo campo de discricionariedade para fins de admissão de provas produzidas intempestivamente —, não prevê qualquer situação que justifique a flexibilização do fenômeno preclusivo que se verifica por ocasião do decurso do prazo para interposição de recurso.

O que se está a afirmar, portanto, é que a ideia de ampla cognição, que caracteriza o processo administrativo tributário, de forma alguma pode servir de pretexto ao afastamento dos preceitos próprios ao devido processo legal, em especial aqueles atinentes aos limites temporais para a provocação (apresentação de defesa) ou reprovocação (interposição de recurso) do órgão de julgamento administrativo

No entanto, e sem prejuízo às premissas adrede estabelecidas, tem-se que, em algumas hipóteses excepcionais, a preclusão temporal decorrente da interposição intempestiva do recurso administrativo haverá de ser afastada. Estamos a falar, justamente, das hipóteses em que a questão invocada no recurso intempestivo constitua matéria de ordem pública, as quais extrapolam os interesses subjetivos da parte recorrente.

Na lição de Galderise Fernandes Teles, "nesses casos, ainda que constatada a intempestividade ou a inovação em matéria recursal, em virtude da eficiência, autotutela e interesse público a serem preservados no contencioso administrativo, identificado vício no lançamento fiscal, será imperiosa a admissibilidade para o reconhecimento, ainda que de ofício, de matéria de ordem pública" [3].

Com efeito, a afirmação supracitada pode causar estranheza e incômodo, sobretudo aos estudiosos da área processual. Afinal, perfeitamente compreensível e defensável o entendimento de que a tempestividade se reveste como verdadeiro elemento necessário para identificação de uma matéria de ordem pública, ou ainda além, o requisito do ato temporal expressa o caráter denotativo que compõe a própria classe de matéria de ordem pública.

Por outro lado, e aqui certamente reside razão maior do presente escrito, nos parece que a identificação — caracterização da classe referida está necessariamente relacionada a uma ideia de utilidade processual e caráter do sistema normativo em análise. Nesse ponto, temos por imperioso a distinção do arquétipo que envolve o contencioso judicial e o contencioso administrativo tributário.

Esse último âmbito carrega em sua composição elementos próprios – específicos que o distingue do rigor processual verificado no contencioso judicial. Para confirmação de tal assertiva não precisamos de maiores esforços, basta a análise e a configuração da devida pujança semântica que deve ser atribuída aos princípios da autotutela, formalismo moderado e eficiência.

A junção desses valores tem o condão de conferir ao âmbito administrativo tributário seara por excelência da correção de atos fadados ao insucesso no congestionado sistema de contencioso judicial, balizando questões como a própria tempestividade [4].

Nesse contexto, forçoso concluir que, em regra, a ideia de ampla cognição que caracteriza a atividade jurisdicional atipicamente exercida pelos órgãos de contencioso administrativo tributário não tem o condão de, por si só, afastar a preclusão temporal decorrente da prática intempestiva de atos processuais, salvo nas circunstâncias em que as alegações recursais envolvam matéria de ordem pública, ocasião em que os interesses subjetivos das partes haverão de ser sobrepostos pelo dever de o julgador apreciar, de ofício, a questão impugnada.

 


[1] Art. 5º. (…)

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

[2] PRIA, Rodrigo Dalla. Direito Processual Tributário. 1ª edição, São Paulo: Noeses, 2020, p. 650.

[3] TELES, Galderise Fernandes. Contencioso tributário: matérias de ordem pública no processo administrativo tributário. 1ª edição, Curitiba: Juruá, 2021, p. 168.

[4] Demonstrando o teor de flexibilização conferida no contencioso administrativo à questão temporal, importante registrar enunciado do Processo Administrativo Tributário de Minas Gerais e Pernambuco, respectivamente no seguinte sentido:

Art. 154 do RPTA c/c o art. 21 do Regimento Interno do CCMG, compete à Câmara de Julgamento decidir a Reclamação, de cuja decisão não cabe recurso, conforme dispõe o art. 170, também do RPTA (art. 181 da Lei nº 6.763/75).

A Câmara de Julgamento, após indeferir a Reclamação, poderá relevar a intempestividade da impugnação, se vislumbrar assistir à parte direito quanto ao mérito da questão, nos termos do parágrafo único do art. 154 do RPTA. Art. 15. A autoridade julgadora a quem estiver submetido o processo poderá, por meio de despacho fundamentado, publicado no Diário Oficial do Estado, prorrogar ou reabrir prazos, atendendo a motivo de alta relevância, causa fortuita, força maior ou de elemento cerceador do direito de defesa, devidamente comprovados.

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