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O que monkeypox, direito administrativo e inovação têm em comum?

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21 de agosto de 2022, 8h00

Durante a pandemia ficou evidente a insuficiência produtiva nacional de insumos farmacêuticos utilizados para a produção das vacinas, abastecimento de medicamentos necessários à intubação e, inclusive, na produção de oxigênio medicinal para suporte à vida dos pacientes, a qual passou por momentos extremamente críticos no ápice da disseminação do vírus.

Da mesma forma, a imprensa vem relatando a escassez de medicamentos nas farmácias públicas e privadas, abrangendo desde os básicos como antigripais aos mais complexos voltados para o tratamento de doenças como lúpus, síndrome de Guillain-Barré e doença de Crohn, apresentando como justificativas a impossibilidade de importação de insumos em razão da guerra da Ucrânia, o recente lockdown na China e os movimentos reivindicatórios dos funcionários em portos e aeroportos.

Recentemente, houve a primeira confirmação no estado de São Paulo de um cidadão (vindo da Espanha) contaminado pela varíola símia, cumulado com o prenúncio de que o Brasil não possuiria vacinas para o combate à essa doença em razão, mais uma vez, da impossibilidade de uma rápida produção de insumos farmacêuticos [1], o que enseja os importantes questionamentos: por que atualmente não produzimos insumos suficientes para lidar com celeridade aos desafios sanitários globais e com as doenças do cotidiano a ponto de nos tornarmos independentes do mercado internacional? E quais seriam os mecanismos aptos a solucionar esse problema?

A resposta está na necessidade de aperfeiçoamento da Política Nacional de Inovação Tecnológica em Saúde prevista no Decreto 9.245/2017, que tem por objetivo a atração, a constituição e a instalação de centros de pesquisa, desenvolvimento e inovação e de parques e polos tecnológicos.

Já para a segunda pergunta destacamos três instrumentos para a sua implementação, a saber:

(1) as encomendas tecnológicas (Etecs) destinadas à solução de problema técnico específico ou à obtenção de produto ou processo inovador, e que de acordo com o artigo 75, inciso V, da nova Lei de Licitações permite a sua contratação por dispensa de licitação;

(2) as Medidas de Compensação na Área da Saúde (MECs), que podem estar previstas nos editais de licitação, nos termos do artigo 26, §6º, da Lei nº 14.133/2021 [2];

e por último (3) as Parcerias de Desenvolvimento Produtivo (PDP), que almejam concomitantemente o desenvolvimento tecnológico, a transferência, a capacitação produtiva e a absorção de tecnologia relacionada aos produtos estratégicos para o SUS, mas que infelizmente o sítio eletrônico do Ministério da Saúde evidencia, até novembro de 2021, terem sido extintas 38 delas [3], as quais abrangiam desde medicamentos a vacinas e hemoderivados, potencialmente significantes no combate ou amenização dos efeitos de cânceres até meningite, e que deixaram de ser produzidos primordialmente em razão da ausência de infraestrutura, ou por condições técnicas.

Atualmente, estes mecanismos do Direito Administrativo enfrentam desafios que vão desde o próprio fomento por parte do Ministério da Saúde até à sua própria estruturação e à capacitação e ampliação dos laboratórios privados parceiros [4], de forma a propiciar estímulo e segurança jurídica aos acordos para a continuidade dos projetos.

Além destas dificuldades relacionadas à utilização dos três mecanismos, há lacunas na própria Política Nacional de Inovação constatadas pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), ao analisar seu complemento – a Estratégia Nacional de Inovação — lançado em julho de 2021, quais sejam: utilização de conceitos amplos; reduzido investimento financeiro comparado aos anos anteriores; ausência de estímulo às bases de conhecimento tecnológico para a inovação; não disseminação da cultura de inovação empreendedora; ausência de menção à ciência (formação, capacitação profissional e produções acadêmico-científicas) [5], o que não permite ao Brasil retomar seu lugar de destaque no combate aos desafios sanitários, como já ocorreu na década de 1970 em relação ao vírus da varíola humana, doença extirpada com pelo menos dez anos de antecedência à declaração de erradicação mundial pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

Assim, a afinidade dos temas em epígrafe se encontra no diálogo público-privado, o qual é essencial para a inovação e para o desenvolvimento dos insumos e medicamentos farmacêuticos, e que pode ser concretizado pela modalidade de licitação do diálogo competitivo, na qual se busca contratar o objeto que envolve inovação tecnológica ou a técnica indisponível no mercado (cujas especificações técnicas são imprecisas, sendo imprescindível definir e identificar alternativas para apresentar a solução técnica mais adequada e a melhor estrutura jurídica e financeira do contrato). De forma alternativa, pode ser concretizado pelo procedimento de licitação previsto na Lei Complementar nº 182/2021, denominado contratação pública para soluções inovadoras.

Por último, pode ser dispensada a licitação no caso das Etecs, instaurando-se o procedimento administrativo denominado negociação, que tem previsão no Decreto 9.283/2018 e permite a constituição de alianças estratégicas ao desenvolvimento de projetos de cooperação que envolvam empresas e entidades privadas sem fins lucrativos destinados às atividades de pesquisa e desenvolvimento, que objetivem a geração de produtos, processos e serviços inovadores combinados com a transferência e a difusão de tecnologia.

 


[1] É importante destacar aqui a ausência de insumos farmacêuticos para a vacina, pois o Instituto Fiocruz já desenvolveu em tempo recorde insumos para o diagnóstico da varíola dos macacos. Fonte: https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2022-06/fiocruz-produz-insumos-para-diagnostico-da-variola-dos-macacos.

[2] Art. 26. No processo de licitação, poderá ser estabelecida margem de preferência para:

(…)

Os editais de licitação para a contratação de bens, serviços e obras poderão, mediante prévia justificativa da autoridade competente, exigir que o contratado promova, em favor de órgão ou entidade integrante da Administração Pública ou daqueles por ela indicados a partir de processo isonômico, medidas de compensação comercial, industrial ou tecnológica ou acesso a condições vantajosas de financiamento, cumulativamente ou não, na forma estabelecida pelo Poder Executivo federal.

[4] AFFONSO FERNANDES, Daniela Rangel. LEMOS LIMA, Sheyla Maria. CHAGNON, Roberto Pierre. Contribuições do modelo Fatores Críticos de Sucesso para análise da gestão de Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo de um laboratório oficial. Disponível em: http://old.scielo.br/pdf/csp/v36n2/1678-4464-csp-36-02-e00059219.pdf.

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