Opinião

Contenção do poder punitivo e o Habeas Corpus 695.457/SP

Autor

  • Alexandre José Trovão Brito

    é advogado em São Luís especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus e membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB Seccional Maranhão.

9 de agosto de 2022, 16h13

O corpo jurídico criminal está em processo de hipertrofia no Brasil e no mundo. É preciso frear isso. Durante muito tempo, vigorou uma cultura altamente repressiva para a liberdade do indivíduo. O princípio da dignidade humana foi frontalmente violado em todos esses anos de processamento criminal duro. Essa realidade vem sendo mitigada por alguns entendimentos tribunalícios.

Vejamos. O HC 695.457/SP, cujo relator foi o ministro Antonio Saldanha Palheiro, anulou as provas obtidas após a polícia cumprir mandado de prisão e violar domicílio do paciente. Exatamente senhor ministro! Estamos no caminho certo. Um passo importante está sendo dado para que o poder punitivo estatal seja exercido com base nas garantias individuais do cidadão.

Nas palavras do próprio ministro-relator: "O cumprimento de mandado de prisão não justifica a realização de busca na residência do agente, procedimento que demanda autorização judicial expressa ou a autorização explícita e espontânea do réu, o que não ocorreu in casu, como consignado corretamente na sentença absolutória".

Vale lembrar que o mandado de prisão deve ser cumprido em seus limites, ou seja, o agente público responsável pelo seu cumprimento deve obediência ao objeto constante no título viabilizador da prisão. Essa é uma garantia do indivíduo, mas também do Estado, pois impede o agente estatal de responder por crime de abuso de autoridade, vide a lei 13.869/2019.

Acertou também o Tribunal da Cidadania ao mencionar que no cumprimento do mandado de prisão, a realização de busca na residência do agente pode ser realizada se houver, além de autorização judicial expressa, a autorização explícita e espontânea do acusado. Isto é, ao mesmo tempo em que o poder punitivo estatal é limitado, ele não fica obstado caso exista o consentimento do réu para a referida busca.

Processo penal é um mecanismo não só de contenção do poder punitivo do Estado, mas também de condição de possibilidade de efetivação dos comandos advindos da ordem jurídica criminal. Aqui temos dois pesos e uma medida. O Estado-persecução e o acusado são sujeitos que dispõem de garantias e liberdades.

Precisamos de uma cultura jurisprudencial no sentido de provocar a contenção do avanço do processo criminal sobre os direitos fundamentais do sujeito acusado. Trata-se de um imperativo da democracia processual penal. Cuida-se também de uma forma de potencializar o exercício da ampla defesa, do contraditório etc.

Outro ponto que desperta muita preocupação é o número excessivo de Habeas Corpus que são impetrados no sistema de administração da justiça. Ora, o Habeas Corpus serve para combater ilegalidade ou abuso de poder sobre a liberdade de ir e vir do cidadão. Se estamos manejando em doses excessivas esse instrumento processual, isso significa que os nossos operadores jurídicos não estão fazendo o dever de casa.

Cabe destacar que a decisão judicial do Superior Tribunal de Justiça concedeu o Habeas Corpus para anular as provas decorrentes do ingresso forçado no domicílio, com o consequente restabelecimento da sentença absolutória, acolhido o parecer do Ministério Público.

É preciso repensar o estado da arte do processo criminal no Brasil. Precisamos de uma virada jurisprudencial. Decisões como essas disparam o alerta para a grande urgência em se reformular o modus operandi dos atores estatais de persecução criminal. A liberdade é a regra, já nos adverte o processo.

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