Paradoxo da Corte

Soberania do tribunal arbitral e condições de admissibilidade da arbitragem

Autor

  • José Rogério Cruz e Tucci

    é sócio do Tucci Advogados Associados ex-presidente da Aasp professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e do Instituto Brasileiro de Direito Processual e conselheiro do MDA.

9 de agosto de 2022, 8h00

Questão interessante foi recentemente decidida pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 1.972.512-CE, da relatoria da ministra Fátima Nancy Andrighi, ficando vencido o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.

Spacca
Diante da relutância de uma das contratantes em se submeter aos termos de cláusula compromissória, foi então ajuizada, perante o Poder Judiciário do Ceará, ação de instituição de arbitragem, de conformidade com o artigo 7º da Lei nº 9307/96.

Constatada a ilegitimidade ativa da parte requerente, o respectivo processo foi extinto sem julgamento do mérito, decisão confirmada em segundo grau de jurisdição.

Analisando o recurso especial, o voto condutor ressalta que a Lei de Arbitragem prevê apenas uma única hipótese de extinção do respectivo processo da ação de instituição do juízo arbitral, qual seja, a da ausência do autor, sem justo motivo, da audiência designada para a lavratura do compromisso arbitral.

Desse modo, à luz do denominado princípio kompetenz-kompetenz, o tribunal estatal não detém competência para examinar e decidir sobre a legitimidade das partes da ação de instituição de arbitragem e tampouco para extinguir o processo sem julgamento de mérito por ausência das condições de admissibilidade da demanda.

E isso, porque, como se extrai da Lei de Arbitragem e da jurisprudência consolidada no Superior Tribunal de Justiça, o árbitro tem primazia legal para apreciar se a questão submetida à arbitragem é, ou não, suscetível de julgamento arbitral, a partir do exame dos pressupostos processuais e das condições de existência, validade e eficácia da cláusula compromissória necessárias para instauração de processo arbitral (cf., exempli gratia, SEC nº. 12.781/EX, Corte Especial, DJe 18.08.2017).

Ademais, o artigo 485, inciso VII, do Código de Processo Civil, prevê que o reconhecimento de competência pelo juízo arbitral é causa de extinção do processo judicial eventualmente em curso, atuando, portanto, como verdadeiro pressuposto processual negativo, por força do princípio kompetenz-kompetenz.

Assim, a prevalência do tribunal arbitral para tal controle constitui decorrência lógica do nosso sistema, que será sempre efetivado com antecedência de qualquer pronunciamento do juiz togado.

Desse modo  enfatiza o voto vencedor , a partir do estabelecimento da cláusula compromissória, como regra, haverá derrogação da jurisdição estatal, só existindo a possibilidade de exame pelo Poder Judiciário após a prolação da sentença arbitral, em conformidade com o artigo 33, caput, e parágrafo 3º, da Lei de Arbitragem (cf., v. g., STJ, 4ª Turma, REsp. nº 1.678.667-RJ, DJe 12.11.2018).

Tal orientação, a rigor, afina-se com a nossa mais abalizada doutrina. Frisa, a propósito, Artur Mitsuo Miura (Revista Jurídica da Escola Superior da Advocacia da OAB/PR, dez/2016), que: "o efeito negativo do princípio da competência-competência traduz-se na primazia que têm os árbitros em relação à jurisdição estadual no conhecimento de questões relativas à validade, eficácia ou aplicabilidade da convenção de arbitragem. Por outras palavras, o efeito negativo do princípio da competência-competência proíbe ao tribunal judicial, ao qual uma parte tenha recorrido, quer para apreciação da competência do tribunal arbitral, quer para decisão do mérito da causa, apesar da existência de uma convenção de arbitragem, de decidir sobre as questões relativas à existência ou à validade desta, antes de o tribunal arbitral pronunciar-se sobre tais questões".

Posicionando-se em senso idêntico, Eduardo Vieira de Almeida e Gustavo Favero Vaughn asseveram que: "o princípio competência-competência estabelece regra de precedência temporal, assegurando ao árbitro a possibilidade de dizer, em primeira mão, se há jurisdição arbitral para dirimir a disputa e se a convenção de arbitragem é existente, válida e eficaz. Nesses termos, não cabe ao Poder Judiciário se imiscuir na decisão do árbitro sobre sua própria jurisdição, sendo admissível a intervenção do Estado-juiz apenas a posteriori, se assim for o caso. O Código de Processo Civil adota essa orientação ao prever que o reconhecimento do juízo arbitral a propósito de sua jurisdição, ou mesmo o acolhimento da alegação de existência de convenção de arbitragem pelo juiz togado, ensejará a extinção do processo judicial sem resolução de mérito, conforme o artigo 485, inciso VII, do citado diploma". (Arbitragem, princípio competência-competência e STJ, Migalhas, 30.04.2020).

Importa registrar que a própria 3ª Turma já teve oportunidade de se manifestar, em situações análogas, acerca dessa questão, ao reafirmar a supremacia dos árbitros para decidir sobre a sua competência, bem como sobre a extensão da cláusula compromissória (REsp. nº 1.614.070-SP, DJe 29.06.2018; REsp. nº 1.834.338-SP, DJe 16.10.2020).

Diante destas premissas, a 3ª Turma conheceu do aludido recurso especial, provendo-o, para determinar o retorno dos autos ao Tribunal de Justiça do Ceará, "para que se cumpra o rito previsto no artigo 7º, da Lei 9.307/96".

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