Processo Tributário

Conversão de embargos de declaração em agravo interno e prequestionamento

Autor

  • Lázaro Reis Pinheiro Silva

    é assessor de ministro do Superior Tribunal de Justiça procurador do estado de Goiás em Brasília mestre em Direito Constitucional e Processual Tributário pela PUC-SP especialista em Direito Tributário pelo Ibet professor do curso de extensão "Processo Tributário Analítico" do Ibet e pesquisador do grupo de estudos de "Processo Tributário Analítico" do Ibet.

7 de agosto de 2022, 8h02

Ao partirmos do pressuposto de que o delineamento preciso da causa de recorrer afigura-se indispensável ao adequado exercício da atividade (re)provocativa do exercício da jurisdição revisiva, materializada na minuta recursal [1], torna-se inevitável conjecturar sobre as possíveis consequências da ausência deste delineamento. Perseguindo esta ideia, constatamos que o cuidadoso esboço das questões controvertidas no processo guarda íntima relação com o que se convencionou chamar de "prequestionamento".

Uma vez que o exercício da competência recursal excepcional do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal reclama causa decidida, nos termos dos artigos 105, inciso III [2], e 102, inciso III[3], da Constituição Federal, para que tais recursos sejam cabíveis é necessário que o tribunal local tenha decidido a questão federal ou constitucional suscitada. Apesar dos temperamentos trazidos pelo artigo 1.025 [4], do CPC, que positivou o chamado "prequestionamento ficto", está consolidada na jurisprudência dos referidos tribunais que o prequestionamento é, acima de tudo, uma atividade do tribunal enunciada no acórdão mediante provocação argumentativa pelas partes.

Tem-se por prequestionada, portanto, a questão federal ou constitucional que restou efetivamente decidida pelas instâncias ordinárias como fundamento de sua pretensão ou de se sua resistência, oportunamente trazida pelas partes, conforme o caso. Por outro lado, se, a despeito de provocado, o Poder Judiciário deixou de pronunciar-se sobre a questão suscitada, configura-se omissão, a ser saneada pela via dos embargos de declaração (artigo 1.022 [5], do CPC), o que ensejará juízo de cassação sobre o acórdão recorrido ou, ao menos, autorizará o tribunal superior a, se assim entender, tomar a questão por incluída no acórdão recorrido (a ideia de prequestionamento ficto).

É neste cenário que resplandece a relevância dos embargos de declaração para desenvolvimento da cadeia recursal [6]. Se é bem verdade que, de regra, não servem para inaugurar o prequestionamento [7], desempenham a indispensável função de aviventar o prequestionamento já realizado e, assim, documentar o vício de omissão incorrido pelo órgão julgador que deixou de pronunciar-se sobre a questão arguida pela parte.

Em tais casos, os embargos de declaração servirão como a "certidão de nascimento" de um error in procedendo, e, quando não manejados, atraem a incidência da Súmula 211 [8], do STJ.

Infelizmente, persiste entre nós a arraigada compreensão dos embargos de declaração como um mero rito de passagem, uma providência "preparatória" à interposição do recurso da decisão [9]. Não por outro motivo, são extremamente comuns as decisões padronizadas proferidas no âmbito dos tribunais locais ou regionais, que se limitam a rejeitar os embargos de declaração sob o lacônico fundamento não se encontrarem presentes os vícios do artigo 1.022, do CPC, ou de suficiência de fundamentação, sem que se promova minimamente o cotejo entre os fundamentos suscitados pela parte embargante e o pronunciamento judicial objeto dos embargos.

É neste contexto que se torna relevante atentar para o que dispõe o artigo 1.024, §3º [10], do CPC, que admite a conversão dos embargos de declaração em agravo interno "quando se entender ser este o recurso cabível". Assim, imaginando-se um julgamento monocrático de recurso de apelação pelo relator no tribunal local, caso sobrevenha a oposição de embargos de declaração pela parte prejudicada, é possível que o órgão julgador, após oportunizada a complementação das razões pelo recorrente e franqueado o oferecimento de contrarrazões pelo recorrido, julgue desde logo a insurgência como agravo interno.

Tal possibilidade, conquanto possa resultar em ganhos quanto à celeridade processual, também possui aptidão para ocasionar grave prejuízo ao jurisdicionado, ao dificultar a caracterização do prequestionamento, o que, no plano recursal, acaba por desaguar na inviabilização da tutela do direito material no âmbito dos Tribunais Superiores.

Imagine-se que um determinado contribuinte esteja a questionar determinado lançamento tributário sobre diversos fundamentos, de modo a materializar, em sua causa de pedir questões federais e constitucionais. Vencido em primeira instância, aviou oportuno recurso de apelação que, todavia, foi improvido monocraticamente pelo relator no tribunal local.

Na hipótese de a referida decisão monocrática ter se revelado omissa quanto a uma relevante questão federal suscitada pelo recorrente, o manejo de embargos de declaração previamente à interposição do agravo interno é providência indispensável. Isto porque, eventual agravo interno que venha a ser interposto terá como objeto imediato não mais a sentença de improcedência que ensejou o recurso de apelação, mas sim a própria decisão monocrática agravada, de modo que, eventuais fundamentos omitidos na decisão monocrática agravada, se não oportunamente esclarecidos, poderão implicar ausência de prequestionamento e comprometer o acesso à via excepcional dos recursos especial e extraordinário.

Diante deste cenário, percebe-se que a conversão dos embargos de declaração em agravo interno, embora possa revelar-se pertinente em muitos casos, também pode resultar em grave prejuízo processual ao requerente. Assim, surge indispensável que, ao dar aplicação ao artigo 1.024, §3º do CPC, os Tribunais locais o façam comedidamente, a fim de que a conversão em agravo interno não se torne em mais uma ferramenta de rejeição sumária de embargos de declaração que se insurgem contra omissões na decisão quanto a questões imprescindíveis à solução da controvérsia.

No mesmo sentido, é de todo recomendável que os litigantes cuidem para que, diante de decisões monocráticas omissas, não deixem de apontar claramente os fundamentos omitidos, explicitar sua relevância para a solução do caso e, por fim, demonstrar a ausência de pronunciamento na decisão monocrática do relator.

Mais ainda, temos por pertinente que se tome o cuidado de apontar expressamente que, no seu caso, os embargos de declaração não devem ser convertidos em agravo interno, e, diante de uma indevida conversão dos embargos em agravo interno, não deixe de se insurgir contra eventual acórdão desfavorável por meio de novos embargos de declaração.

O que se está a afirmar é a necessidade de as partes delinearem adequadamente a causa de recorrer dos embargos de declaração, de modo a evidenciar ao relator que eles não se voltam primariamente à reforma da decisão monocrática, mas sim ao efetivo saneamento de pontos omissos na decisão monocrática embargada, bem como que a solução do vício afigurar-se-á indispensável para a caracterização do prequestionamento, na hipótese de o improvimento monocrático vir a ser mantido pelo órgão colegiado no julgamento dos embargos de declaração convolados no agravo interno.

 


[2] Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

III – julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:

[3] Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:

[4] Art. 1.025. Consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade.

[5] Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para:

I – esclarecer obscuridade ou eliminar contradição;

II – suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento;

III – corrigir erro material.

Parágrafo único. Considera-se omissa a decisão que:

I – deixe de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento;

II – incorra em qualquer das condutas descritas no art. 489, § 1º .

[7] Registramos aqui, como ressalva, as hipóteses em que a questão federal ou constitucional é inaugurada no acórdão recorrido.

[8] "Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo".

[9] Compreensão que, aliás, revela-se em franca contrariedade à Súmula 98, do STJ.

[10] Art. 1.024. (…)

§ 3º. O órgão julgador conhecerá dos embargos de declaração como agravo interno se entender ser este o recurso cabível, desde que determine previamente a intimação do recorrente para, no prazo de 5 (cinco) dias, complementar as razões recursais, de modo a ajustá-las às exigências do art. 1.021, § 1º.

Autores

  • é procurador do estado de Goiás em Brasília, mestre em Direito Constitucional e Processual Tributário pela PUC-SP, especialista em Direito Tributário pelo Ibet, professor do curso de extensão "Processo Tributário Analítico" do Ibet e pesquisador do grupo de estudos de "Processo Tributário Analítico" do Ibet.

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