Processo Tributário

Prequestionamento das questões jurídico-tributárias no âmbito recursal

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12 de setembro de 2021, 8h00

Quando tratamos da instrumentalidade no âmbito dos recursos extraordinário e especial [1], destacamos que a solução de conflitos de natureza tributária deve, fundamentalmente, nortear o adequado meio processual em prol da máxima efetividade jurisdicional [2].

Para o atingimento desse fim (a efetividade na prestação da tutela jurisdicional), é importante que as partes no processo se empenhem em desenvolver a máxima [3] fundamentação de suas razões de Direito, a fim de atender o prévio e indispensável questionamento, ônus cuja incumbência deve ser cumprida desde a instauração da relação conflituosa posta em juízo, portanto, desde a petição inicial.

Daí a temporal, particular e necessária delimitação do meritum causae [4] (Direito material e/ou processual [5]), sem prejuízo de outras que sobrevenham no curso do processo, o que, de rigor, devem ser todas suscitadas, debatidas e devidamente decididas pelos juízos competentes para que se consagre o ônus do devido questionamento adrede referido.

No que toca à lide tributária, tendo a crise na exigibilidade do tributo se baseado em premissas de ordem constitucional e/ou infraconstitucional federal, para sua análise perante os tribunais superiores (STF e STJ), é inafastável e necessário que se busque nas instâncias ordinárias, notadamente nos tribunais de segunda instância, completa, efetiva e esperada prestação jurisdicional, isto é, a apreciação de todos os fundamentos convocados pelas partes na defesa dos respectivos interesses, ainda quando se tratar de demandas repetitivas.

Contudo, não raro nos deparamos com decisões/acórdãos patentes de omissões acerca de fundamentos relevantes para o deslinde da controvérsia ou, até mesmo, sem ter adotado motivação satisfatória para dirimir o litígio [6].

Em hipóteses como essa, em que as instâncias ordinárias não emitem juízo de valor a respeito de questões invocadas no processo, a parte insurgente deve se valer então da interposição dos embargos de declaração (artigo 1.022 do CPC), adotando em suas razões fundamentação rigorosamente específica e com indicação efetiva dos pontos objeto de omissão, a fim de evitar possível negativa de prestação jurisdicional (artigo 489, inciso II e §1º, do CPC).

Além de se tratar da via recursal adequada, serve ainda esse recurso ao propósito de prequestionamento, em cumprimento ao disposto no inciso III [7] do artigo 102 e inciso III [8] do artigo 105, da CF e observância aos enunciados sumulares nºs 98/STJ, 282/STF e 356/STF, a fim de ter a questão efetivamente decidida [9] para que seja possível acessar os tribunais superiores.

O que se espera no ponto, visando, enfim, ao manejo dos recursos excepcionais (especial e extraordinário), é que ocorra o prévio pronunciamento jurisdicional fundamentado das questões postas em debate pelo tribunal de segunda instância, seja 1) explicitamente com a indicação numérica da norma apreciada; ou 2) implicitamente, hipótese em que "o acórdão recorrido emite juízo de valor fundamentado acerca da matéria por eles regida" [10], isso porque, consoante entendimento dos nossos tribunais superiores, o "que se prequestiona é a matéria jurídica, não o número do dispositivo de lei" [11].

Todavia, se mesmo após a devida interposição dos embargos de declaração continuar incompleta/insuficiente a apreciação jurisdicional promovida pelas cortes a quo, seja por ter havido fundamentação genérica, padronizada ou com ausência de clareza e insuficiência de manifestação acerca dos motivos convocados pelas partes em relação à causa, esgota-se para o vencido o foro de debate na instância ordinária, abrindo-se, consequentemente, a peculiar via excepcional.

Evidenciada insurgência a ser dirimida por meio de recurso extraordinário (RE), os argumentos recursais para a causa ficarão adstritos ao conjunto de normas constitucionais desrespeitadas frontalmente desde o primeiro e/ou segundo graus de jurisdição, e não a eventual alegação de ausência de prestação jurisdicional, isso porque, no Supremo Tribunal Federal, há entendimento solidificado de que inexiste repercussão geral da questão relacionada à violação aos artigos 5º, incisos LIV e LV, e 93, inciso IX, da CF [12].

Por sua vez, em se tratando de hipótese desafiadora de recurso especial, além do conjunto de normas infraconstitucionais federais outrora tidas por violadas e levadas a questionamento tanto em primeiro como em segundo graus de jurisdição, há de ser convocada a violação aos artigos 1.022 e 489, inciso II e §1º, do CPC diante do não pronunciamento jurisdicional provocado via embargos declaratórios.

Com esse cenário, é possível considerar que as razões recursais (extraordinário e especial) estarão prequestionadas, ainda que forçosamente por meio da interposição de embargos de declaração, seja de maneira expressa, implícita ou até mesmo, consoante o artigo 1.025, do CPC, fictamente, o que ensejará o recebimento, processamento e julgamento de mérito do recurso no âmbito dos tribunais superiores.

 


[3] A expressão "máxima fundamentação" aqui utilizada quer indicar a necessidade de as partes apontarem com cuidado e precisão os argumentos e os dispositivos legais/constitucionais que justificam sua pretensão (seja a do autor quanto ao seu pedido, seja a do réu no exercício do contraditório).

[5] Para melhor compreensão da leitora e do leitor acerca da distinção meritum causae material x processual, reputamos adequada a apresentação de exemplos: (1) questionada uma dada regra-matriz de incidência tributária (questão de direito material), será no bojo dos seus critérios que descrevem fatos e definem sujeitos que a insurgência em relação à incidência da norma deverá ser observada; (2) tratando-se de regra que visa reger relação jurídica instrumental de natureza tributária (direito processual), serão suas prescrições que vão particularizar o debate.

[6] AgInt no AREsp 1785038/SP.

[7] "Artigo 102 – Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida".

[8] "Artigo 105 – Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
III – julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida".

[9]  Vale aqui a referência à manifestação de Camila Vergueiro a respeito do que se pode compreender a respeito da expressão "causas decididas" contida nos artigos 102 e 105 do texto Constitucional: "deve-se entender as questões decididas, ou seja, os pontos da lide sobre os quais houve controvérsia e que implicaram manifestação do órgão julgador" – in Pragmática do Recurso Especial ao Superior Tribunal de Justiça. In Processo Tributário Analítico, vol. II. CONRADO, Paulo Cesar. 2ª edição. São Paulo: Noeses, 2015. E continua citando Roberto Dórea Pessoa para quem, "causas decididas" é "locução que sugere poder a matéria somente ser reexaminada pelo tribunal superior ou servir de fundamento dessa espécie de recurso (logo, para fins de impugnação) se foi efetivamente apreciada no acórdão" – in Recurso Extraordinário – Grau de Cognição no Juízo de Mérito. 1ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 73.

[10] A respeito remetemos o leitor e a leitora ao pronunciamento dado no julgamento do Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial 332.087/SP.

[11] Sugerimos a leitura dos acórdãos proferidos no Agravo Regimental no Recurso Especial 1.417.199/RS e Recurso extraordinário 429.903.

[12] Para confirmar a assertiva sugerimos a leitura do conteúdo do acórdão proferido na Repercussão Geral na Questão de Ordem no Agravo de Instrumento 791.292/PE.

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