Assim não vale

TJ-SP revoga prisão preventiva decretada de ofício por juiz de primeiro grau

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5 de agosto de 2022, 16h47

Em razão da Lei 13.964/2019 (pacote "anticrime"), não é mais possível a conversão de ofício da prisão em flagrante em preventiva. O entendimento é da 16ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, que revogou a prisão preventiva de um homem acusado de tráfico de drogas. A medida havia sido decretada de ofício pelo juízo de primeira instância.

CNJ
CNJPrisão em flagrante virou preventiva
mesmo com parecer contrário do MP

De acordo com os autos, durante o cumprimento de um mandado de busca e apreensão na casa do acusado, a Polícia Civil encontrou drogas e efetuou a prisão em flagrante. Em seguida, houve a conversão para prisão preventiva na audiência de custódia, mesmo sem manifestação da polícia e com parecer do Ministério Público a favor da liberdade provisória do acusado, que não tem antecedentes criminais e possui residência fixa.

Para o relator, desembargador Marcos Alexandre Coelho Zilli, a decisão violou os parâmetros do processo penal de estrutura acusatória, que impedem a decretação de medidas cautelares de ofício, como é o caso da prisão preventiva, "uma medida cautelar pessoal por excelência". 

"Nesse contexto, evidencia-se o constrangimento impositivo da concessão da ordem para resgate do status libertatis. A atuação judicial violou a cláusula do devido processo legal na perspectiva do procedimento que rege a decretação da medida extrema".

Em seu voto, o magistrado fez um histórico da estrutura acusatória do processo penal, ressaltando as diferenças entre o modelo inquistório e o acusatório — este último adotado no ordenamento jurídico brasileiro. Para ele, a Lei 13.964/19 consolidou o movimento de readequação das leis processuais à estrutura acusatória do processo, "há muito afirmada pelo legislador constituinte".

"O cenário revela a impossibilidade de atuação de ofício do julgador, especialmente no contexto das medidas cautelares pessoais. Há um reconhecimento de que aquela atuação não se harmoniza com um modelo processual acusatório. Quando assim procede, o juiz se antecipa aos sujeitos diretamente envolvidos na investigação, autoridade policial e órgão acusador público, comprometendo, dessa forma, a imparcialidade que emerge de sua inatividade. Não lhe cabe mais este papel".

Segundo Zilli, não prospera o argumento de que a conversão do flagrante constitui uma situação excepcional, uma vez que a prisão em flagrante não é uma medida cautelar: "Quando a prisão preventiva é fixada no contexto da audiência de custódia, não se realiza a substituição de uma medida cautelar por outra. Na verdade, impõe-se pela primeira vez uma medida cautelar pessoal". 

Isso porque, de um lado, a prisão em flagrante é uma medida administrativa, uma reação legítima do Estado para resguardar a ordem e a segurança pública, e não é, portanto, uma medida cautelar, segundo o relator. De outro lado, prosseguiu ele, porque a prisão preventiva contém requisitos que são próprios das medidas cautelares judiciais, que não são exigidos na prisão em flagrante. 

"A decisão que a decreta, ainda que mantenha a situação material de restrição de liberdade, fixa um título jurídico diverso para a restrição. É, portanto, uma decisão que inaugura o campo das cautelares pessoais para aquela persecução. E como restrição da liberdade que é, deve observar os ditames do devido processo. Um devido processo jungido ao enredo acusatório e sobre o qual não se admite atuação de ofício do juiz".

Assim, Zilli concedeu o Habeas Corpus para revogar a prisão preventiva imposta ao paciente, que será substituída por medidas cautelares alternativas fixadas pelo magistrado de primeiro grau. A decisão foi tomada por unanimidade. 

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2066919-68.2022.8.26.0000

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