Direto do Carf

PLR na jurisprudência do Carf: passado, presente e futuro

Autores

  • Ludmila Mara Monteiro de Oliveira

    é doutora em Direito Tributário pela UFMG com período de investigação na McGill University conselheira titular integrante da 2ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da 2ª Seção do Carf e professora de Direito Tributário da pós-graduação da PUC-Minas.

  • Sonia de Queiroz Accioly

    é presidente da 2ª Turma da 2ª Câmara da 2ª Seção do Carf especialista em Direito Penal pela Escola Paulista da Magistratura (EPM-SP) pós-graduada em Direito Tributário pela FGV-SP ex-chefe da Divisão de Tributação (Disit) na 8ª Região Fiscal da RFB ex-delegada da DRJ/Campinas e da Delegacia Especial da RFB de Pessoas Físicas (Derpf) na 8ª Região Fiscal da RFB.

3 de agosto de 2022, 8h02

Inegável ser a tributação da Participação nos Lucros e nos Resultados (PLR) temática das mais calorosas e instigantes discussões ocorridas no seio da 2ª Seção de Julgamento do Carf.

Spacca
O instituto, cujas raízes que remontam à Constituição de 1946 [1], ganha novos contornos com a Carta de 1988, quando expressamente consignado que há de ser desvinculado da remuneração, desde que observados os critérios definidos na legislação infraconstitucional. De lá para cá, assistimos ser a medida provisória que regulamentava a matéria ser reeditada 13 vezes até a publicação da Lei nº 10.101/2000, diploma atualmente responsável por dispor sobre a PLR [2]. Ao longo dessas pouco mais de duas décadas de vigência da Lei nº 10.101/2000, diversas modificações legislativas foram nela introduzidas, o que explica, em larga medida, o porquê de ser a PLR tópico de recorrente destaque.

Uma primeira controvérsia diz respeito à natureza da norma que versa sobre o não oferecimento da parcela paga a título de PLR à tributação, cujos primordiais reflexos são sentidos na extensão dos limites de sua interpretação.

Há precedentes que asseveram ter sido com "a Constituição Federal que se abriu a possibilidade de o trabalhador auferir parte do resultado de sua força laboral entregue à empresa. No artigo 7º, inciso XI, junto com outros direitos sociais do trabalhador está a participação nos lucros ou resultados, desvinculada da remuneração; portanto, trata­-se de imunidade tributária" [3]. A imunidade, enquanto limitação constitucional ao poder de tributar, retira dos entes a competência para tanto. Os adeptos da corrente frisam que "em se tratando de imunidade, os pagamentos a título de PLR não devem observância aos rigores interpretativos insculpidos nos artigos 111, inciso II e 176, do CTN, os quais contemplam as hipóteses de isenção, com necessária interpretação restritiva da norma. Ao contrário, no caso de imunidade, a doutrina e jurisprudência consolidaram entendimento de que a interpretação da norma constitucional poderá ser mais abrangente, de maneira a fazer prevalecer à própria vontade do legislador constitucional ao afastar a tributação de tais verbas (…)" [4].

Noutro giro, os que aduzem se tratar de norma isentiva, pontuam que "[a]o recordar o comando esculpido no artigo 7º, inciso XI da Carta da República não [se] observ[a] um comando que limite a competência do legislador ordinário, ao reverso, (…) a criação de um direito dos trabalhadores limitado por lei" [5]. Justamente por isso, em sentido diametralmente oposto ao sustentado pelos que entendem ter a norma decepado a competência tributária, frisam que “isenção é vista pelo Código Tributário Nacional como uma exceção, uma vez que a regra é que: da incidência, surja o dever de pagar o tributo. Tal situação, nos obriga a lembrar que as regras excepcionais devem ser interpretadas restritivamente [6]. Para os filiados à vertente, se o inciso XI do artigo 7º, da CRFB/88, não traz limitação à competência do legislador ordinário, tampouco suprime parcela do poder de tributar, não haveria de se cogitar estar-se diante de uma imunidade.

Embora as demais querelas estejam estreitamente ligadas aos requisitos previstos no artigo 2º da retromencionada Lei nº 10.101/2000, a definição da natureza da norma — se instituidora de uma imunidade ou de uma isenção — contribuiu para a formação de posicionamentos opostos quando da análise do caso concreto.

De acordo com a legislação de regência, a PLR será objeto de negociação entre a empresa e seus empregados, mediante comissão paritária escolhida pelas partes, integrada, também, por um representante indicado pelo sindicato da respectiva categoria OU convenção ou acordo coletivo — ex vi dos incisos I e II do artigo 2º da Lei nº 10.101/2000.

Uma primeira vertente assinala que a liberdade negocial entre empregados e empregador determina que a convenção ou acordo coletivo prevaleça sobre a lei. Isso significa que "não caberia à Administração Pública na figura do fiscal desqualificar as regras de participação nos lucros eleitas pela empresa em comum acordo com a comissão de empregados e, se for o caso, ratificada pelo sindicato. O juízo de valor acerca do que seriam regras claras e objetivas fica restrito ao entendimento das partes interessadas, pensamento diverso levaria a uma interpretação extremamente subjetiva da fiscalização acarretando insegurança jurídica" [7].

A corrente majoritária, contudo, assevera que a liberdade das partes encontra limites nas normas que regem a temática. É que o § 1º, do artigo 2º, da Lei nº 10.101/2000 estabelece a obrigatoriedade de que, nos instrumentos de negociação, constem regras claras e objetivas, prevendo os critérios e condições que serão verificados para o pagamento da PLR [8]. Para os filiados à vertente, seria certo que a literalidade da norma insculpida no §1º do artigo 2º demonstraria a existência de parâmetros exemplificativos, que não necessariamente precisariam ser adotados; entretanto, isso não significaria que possam os planos de PLR prescindir de qualquer meta para garantir o pagamento da verba [9]. Justamente por essa razão, a fixação de valores fixos a título de PLR não atenderia às disposições legais, uma vez que violaria a exigência de regras claras e objetivas, bem como de mecanismos de aferição dos critérios e condições necessários à obtenção do direito ao recebimento da verba [10].

Um outro ponto bastante sensível toca o elemento inserido no inciso II do §1º do artigo 2º da Lei nº 10.101/2000. Ali consta que os instrumentos decorrentes da negociação deverão apresentar programas de metas, resultados e prazos, pactuados previamente. A celeuma acerca do que haveria de ser considerado "pactuado previamente" foi de tamanha monta que, inclusive, pela Lei nº 14.020/2020 inserido o §7º no retromencionado dispositivo trazendo dois requisitos cumulativos para tanto: as regras devem ser fixadas em instrumento 1) assinado anteriormente ao pagamento da antecipação, quando prevista; e, 2) com antecedência de, no mínimo, 90 (noventa) dias da data do pagamento da parcela única ou da parcela final, caso haja pagamento de antecipação.

Embora tenha a Lei nº 14.020/2020 vindo para colocar uma pá de cal na jurisprudência oscilante acerca dos requisitos legais para o não oferecimento à tributação da PLR [11], nova frente de debates foi aberta.

Os que entendem pela impossibilidade de aplicação retroativa do regramento inserido na Lei nº 10.101/2000 se assentaria mormente no veto presidencial do artigo 40 do PLV nº 15/2020, que dispunha que, "[p]ara efeito de aplicação do inciso I do caput do art. 106 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional), têm caráter interpretativo as seguintes alterações promovidas nesta Lei:
(…) II. nos §§ 3º-A, 5º, 6º, 7º, 8º e 9º do art. 2º da Lei nº 10.101, de 19 de dezembro de 2000"
.

Para os que de modo contrário pensam, as inclusões e modificações feitas na Lei nº 10.101/2000, que dispõe sobre a PLR, pela Lei nº 14.020/2020 seriam meramente interpretativas. Sendo assim, rompida estaria a regra geral da irretroatividade da norma tributária, aplicando-se a lei a ato ou fato pretérito "em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados"ex vi do inciso I do artigo 106 do CTN. Alegam que, a despeito do veto presidencial quanto ao caráter expressamente interpretativo ao regramento trazido pela Lei nº 14.020/2020, na exposição de motivos da Medida Provisória nº 905/2019, quando originalmente veiculado, evidenciado o objetivo de "gerar maior segurança jurídica em termos de verbas de participação nos lucros (…), simplificar e desburocratizar normas e racionalizar procedimentos que envolvam a fiscalização e as relações de trabalho" [12]. Para os defensores da aplicação retroativa da Lei nº 14.020/2020, em suma, o regramento trazido apenas evidenciaria o que já pacificado na jurisprudência do Carf, essencialmente.

O debruçar sobre os precedentes colhidos do Conselho Administrativo, contudo, demonstra a ausência de entendimento uníssono. Mais do que isso. Ao contrário do que previsto na Lei nº 14.020/2020, atualmente prevalece na Câmara Superior do Carf a tese de que a assinatura do acordo tem de ser anterior ao exercício ao qual ele se refere [13]. Dito que "(…) não basta que o conhecimento por parte do empregado se dê antes de a formalização do acordo ou antes de o período para atingimento da meta, tampouco que a própria formalização do acordo tenha se dado antes de o período para atingimento da meta, é crucial que a formalização se dê antes de o início do período de apuração do resultado/lucro que se busca compartilhar com o empregado, que, por vezes, pode não coincidir com o período para atingimento das metas" [14].

Nas Turmas Ordinárias da Segunda Seção, por outro lado, encontrados precedentes no mesmo sentido da inclusão promovida na Lei nº 10.101/2000 pela Lei nº 14.020/2020 — isto é, prescindível que o acordo de metas para percepção da PLR ocorra antes do exercício do pagamento. Frisado que "[a] Lei nº 10.101/00 não estipula prazo para a assinatura dos acordos de PLR, tampouco exige que seja veiculado no ano imediatamente anterior ao exercício no qual serão apuradas as metas" [15].

Se as modificações incluídas pela Lei nº 14.020/2020 na Lei nº 10.101/2000 não trarão, ao menos quanto as fatos geradores ocorridos antes de sua edição, a tão sonhada pacificação jurisprudencial, cabe às conselheiras e aos conselheiros não só atentar para a definição da natureza jurídica do comando constitucional inserto no inciso XI, do artigo 7º, da CRFB/88, bem como para a jurisprudência dominante na época da elaboração do plano de PLR. Só assim passos serão dados rumo à certeza e à segurança na tributação de parcela tão importante na desejada integração entre capital e trabalho.

 

Este texto não reflete a posição institucional do CARF, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.

 


[1] Tanto na Constituição de 1946 quanto na de 1967 a PLR é tratada como direito do trabalhador com o desiderato claro de melhoria das condições laborativas. Confira-se:

CRFB/46:

Art 157. A legislação do trabalho e a da previdência social obedecerão nos seguintes preceitos, além de outros que visem a melhoria da condição dos trabalhadores:

(…)

IV – participação obrigatória e direta do trabalhador nos lucros da empresa, nos termos e pela forma que a lei determinar;

CRFB/67:

Art 158. A Constituição assegura aos trabalhadores os seguintes direitos, além de outros que, nos termos da lei, visem à melhoria, de sua condição social:

(…)

V – integração do trabalhador na vida e no desenvolvimento da empresa, com participação nos lucros e, excepcionalmente, na gestão, nos casos e condições que forem estabelecidos.

 

[2] Merecem destaques as alterações introduzidas pela Lei nº 12.832/2013, pela Medida Provisória nº 905/2019 e pela Lei nº 14.020/2020.

 

[3] CARF. Acórdão nº 2301-­004.728, Cons. Rel. JULIO CESAR VIEIRA GOMES, sessão de 15 jun. 2016 (por maioria).

[4] CARF. Acórdão nº 2401-009.844, Cons. Rel. RAYD SANTANA FERREIRA, sessão de 03 set. 2021 (unanimidade).

 

[5] CARF. Acórdão nº 2201-­004.060, Cons. Rel. CARLOS DE HENRIQUE DE OLIVEIRA, sessão de 05 fev. 2018 (unanimidade). Cf. outros acórdãos em sentido idêntico: CARF. Acórdão nº 2201-­009.478, Cons. Rel. RODRIGO MONTEIRO LOUREIRO AMORIM, sessão de 01 dez. 2021 (unanimidade); CARF. Acórdão nº 2201-005.746, Cons. Rel. MARCELO MILTON DA SILVA RISSO, sessão de 23 dez. 2019 (unanimidade).

[6] Idem.

[7] Cf. a fundamentação do voto vencido da Cons.ª Rel.ª RITA ELIZA REIS DA COSTA BACCHIERI em: CARF. Acórdão nº 9202-010.171, Cons.ª Relª. RITA ELIZA REIS DA COSTA BACCHIERI, Redator designado Cons. MAURÍCIO NOGUEIRA RIGHETTI, sessão de 24 nov. 2021 (por maioria).

[8] §1º do art. 2º da Lei nº 10.101/2000:

§ 1º Dos instrumentos decorrentes da negociação deverão constar regras claras e objetivas quanto à fixação dos direitos substantivos da participação e das regras adjetivas, inclusive mecanismos de aferição das informações pertinentes ao cumprimento do acordado, periodicidade da distribuição, período de vigência e prazos para revisão do acordo, podendo ser considerados, entre outros, os seguintes critérios e condições:

I – índices de produtividade, qualidade ou lucratividade da empresa;

II – programas de metas, resultados e prazos, pactuados previamente.

[9] Cf. a fundamentação do voto vencedor do cons. MAURÍCIO NOGUEIRA RIGHETTI em: CARF. Acórdão nº 9202-010.171, cons.ª relª. RITA ELIZA REIS DA COSTA BACCHIERI, Redator designado Cons. MAURÍCIO NOGUEIRA RIGHETTI, sessão de 24 nov. 2021 (por maioria).

[10] Cf. nesse sentido: CARF. Acórdão nº 9202-010.257, cons.ª rel.ª MARIA HELENA COTTA CARDOZO, sessão de 14 dez. 2021 (unanimidade); CARF. Acórdão nº 9202-008.542, Cons. Rel. MÁRIO PEREIRA DE PINHO FILHO, sessão de 28 jan. 2020 (voto de qualidade); CARF. Acórdão nº 9202-007.477, cons.ª rel.ª ANA CECILIA LUSTOSA DA CRUZ, sessão de 29 jan. 2019 (unanimidade).

[11] Em apertada síntese, a Lei nº 14.020/2020 trouxe: i) a possibilidade de se adotar, de forma concomitante, múltiplos acordos, além do de natureza coletiva e de comissão paritária; ii) a desnecessidade de o sindicato integrar a comissão paritária; iii) a desconsideração apenas das parcelas que extrapolarem a periodicidade estabelecida em lei; iv) definição daquilo que considerado como sendo previamente acordado; e, v) necessidade de ser respeitada a autonomia da vontade das partes quando da fixação das regras para pagamento da PLR.

[13] Cf. nesse sentido: CARF. Acórdão nº 9202-010.171, cons.ª relª. RITA ELIZA REIS DA COSTA BACCHIERI, redator designado cons. MAURÍCIO NOGUEIRA RIGHETTI, sessão de 24 nov. 2021 (por maioria); CARF. Acórdão nº 9202-010.171, cons. rel. JOÃO VICTOR RIBEIRO ALDINUCCI, redatora designada cons.ª MARIA HELENA COTTA CARDOZO, sessão de 22 set. 2021 (por maioria).

[14] Cf. a fundamentação do voto vencedor do cons. MAURÍCIO NOGUEIRA RIGHETTI em: CARF. Acórdão nº 9202-009.910, cons. rel. JOÃO VICTOR RIBEIRO ALDINUCCI, redator designado cons. MAURÍCIO NOGUEIRA RIGHETTI, sessão de 22 set. 2021 (por maioria).

[15] CARF. Acórdão nº 2402-009.827, cons. rel. Márcio Augusto Sekeff Sallem, sessão de 10 maio 2021 (desempate pró-contribuinte, nos termos do art. 19-E da Lei nº 10.522/02). Em igual sentido: CARF. Acórdão nº 2401.009841, cons.ª rel.ª MIRIAM DENISE XAVIER, redator designado cons. MATHEUS SOARES LEITE, sessão de 02 SET. 2021 (desempate pró-contribuinte, nos termos do art. 19-E da Lei nº 10.522/02);

Autores

  • é doutora em Direito Tributário pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), com período de investigação na McGill University; pós-doutora e mestra pela UFMG; vice-presidente da 2ª Seção do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais); conselheira da 2ª Turma da CSRF (Câmara Superior de Recursos Fiscais do Carf); professora.

  • é conselheira titular da 2ª Seção do Carf, especialista em Direito Penal pela Escola Paulista da Magistratura (EPM-SP) e pós-graduada em Direito Tributário pela FGV-SP, ex-chefe da Divisão de Tributação – Disit na 8ª Região Fiscal da RFB e ex-delegada da DRJ/Campinas e da Delegacia Especial da RFB de Pessoas Físicas – Derpf na 8ª Região Fiscal da RFB.

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