Opinião

Incentivos fiscais, calculabilidade e boa-fé do contribuinte: o caso da "Lei do Bem"

Autor

  • André Elali

    é professor associado de Direito Tributário da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) visiting scholar na Queen Mary University of London e no Max-Planck-Institüt für Steuerrecht.

27 de abril de 2022, 17h05

O tema dos incentivos fiscais desperta uma discussão interdisciplinar e envolve multifacetados métodos de abordagem e de análise. Uma coisa, entretanto, parece ser evidente: trata-se de mecanismos de regulação econômica por meio da tributação. É uma intersecção entre a tributação e a correção de falhas de mercado, através do que se denominou, por obra do professor Luís Eduardo Schoueri, das "normas tributárias indutoras" [1]. O comportamento que o Estado entende como desejável para o agente econômico é uma opção atribuída a este.

Logo, uma vez adotando tal comportamento, o agente recebe um benefício que vai impactar na sua atividade econômica dentro do mercado em que ele atua. Comente-se, ainda, que há décadas que se entende que o rótulo dos incentivos fiscais é tema secundário, priorizando-se a sua substância. Logo, o veículo em si é menos importante do que a política de intervenção.

Em recentes julgamentos, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça vem controlando um abuso cometido pelo legislador federal. A Lei Federal nº 11.196/05, prorrogada pela Lei nº 13.097/2015, estabeleceu alíquota zero das contribuições ao PIS e da Cofins à inovação tecnológica, para empresas do varejo que sejam integrantes do chamado PID — Programa de Inclusão Digital. A alíquota zero deveria ser mantida até dezembro de 2018, mas foi revogada pela Lei Federal nº 13.241/15.

Mais recentemente, o Superior Tribunal de Justiça julgou o Recurso Especial nº 1.988.364/RN, que trata do mesmo tema — a ilegalidade da revogação de benefício fiscal criado pela "Lei do Bem". O tribunal, através da relatoria da ministra Regina Helena Costa, decidiu, por unanimidade, que a revogação do estímulo fiscal foi "açodada", violando "a proteção da confiança do contribuinte". O tribunal ponderou, ainda, que a revogação é incompatível com o Código Tributário Nacional (artigo 178) [2]. Dessa forma, por se tratar de incentivo condicionado e por prazo determinado, a alíquota zero se assemelha à isenção tributária, na medida em que essa distinção é uma questão política. Assim, as empresas que atendam às exigências da lei devem ter respeitado o direito de utilização do regime que implementou uma política fiscal que visava à inclusão digital e à inovação. O tema envolve, ainda, a Súmula 544 do STF, que estabelece: "Isenções tributárias concedidas, sob condição onerosa, não podem ser livremente suprimidas", em consonância com a jurisprudência no mesmo sentido [3].

É evidente que a prática legislativa de revogar algo antes definido por prazo determinado se revela abusiva. É o que Klaus Tipke chama de "Falta de Moral do Legislador Tributário" [4], coincidindo com a ponderação sempre pertinente do professor Humberto Ávila de que "O cidadão não sabe se a regra, que era e é válida, ainda continuará válida. E, quando ele sabe disso, não está seguro se essa regra, embora válida será efetivamente aplicada ao seu caso. Regras e decisões são, pois, inconstantes. O Direito não é sério — e também deixa de ser levado a sério" [5].

O tema enfrentado pelo STJ revela a falta de coerência das políticas fiscais que pretendem regular o mercado e melhorar o ambiente econômico, além de visivelmente demonstrar que o Estado Fiscal não respeita as suas próprias regras. O Poder Judiciário tem sido responsável por esse controle adequado dos abusos do poder do Estado e evita, com isso, a quebra da racionalidade do mercado e da eficiência dos mecanismos fiscais regulatórios.


[1] Luís Eduardo Schoueri. Normas Tributárias Indutoras e Intervenção Econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

[2] Artigo 178 – A isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo, observado o disposto no inciso III do art. 104

[3] Agravo Regimental em Recurso Extraordinário. Constitucional. Tributário. Isenção concedida e deferida a prazo certo. Livre supressão. Impossibilidade. Súmula 544 do STF. Alegada ofensa ao artigo 97 da CF. Inexistência. Agravo improvido. I – O acórdão recorrido encontra-se em consonância com a jurisprudência desta Corte, no sentido de que a isenção tributária, quando concedida por prazo certo e mediante o atendimento de determinadas condições, gera direito adquirido ao contribuinte beneficiado. Incidência da Súmula 544 do STF. (…).
[
RE 582.926 AgR, rel. min. Ricardo Lewandowski, 1ª T, j. 10/5/2011, DJE 100 de 27/5/2011.]

[4] Klaus Tipke. Moral Tributária do Estado e dos Contribuintes. Tradução: Luiz Dória Furquim. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2012, p. 72

[5] Humberto Ávila. Segurança Jurídica. Entre permanência, mudança e realização no Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 682.

Autores

  • é professor associado de Direito Tributário da UFRN, visiting scholar do Max-Planck-Institüt für Steuerrecht e da Queen Mary University of London e advogado.

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