Opinião

Revisão periódica da prisão preventiva

Autor

  • Galtiênio da Cruz Paulino

    é mestre pela Universidade Católica de Brasília doutorando pela Universidade do Porto pós-graduado em Direito Público pela ESMPU e em Ciências Criminais pela Uniderp orientador pedagógico da ESMPU ex-procurador da Fazenda Nacional e atualmente procurador da República e membro-auxiliar na Assessoria Criminal no STJ.

24 de abril de 2022, 11h08

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento das ADIs números 6.581 e 6.582, consignou que a falta de revisão no prazo de 90 dias da prisão preventiva não enseja na revogação automática da medida. Na ocasião, questionava-se se haveria essa consequência (revogação) em razão da redação do parágrafo único do artigo 316 do Código de Processo Penal, estabelecida pela Lei nº 13.964/2019 [1].

As prisões, em um Estado democrático de Direito, apresentam-se como o mecanismo de cerceamento máximo de direitos de uma pessoa. Além de restringir a liberdade, impossibilita, ou ao menos dificulta, o exercício de diversos outros direitos. Sob a perspectiva temporal, as prisões poderão ser temporárias, preventivas, condenatórias de cunho temporário e condenatórias de caráter perpétuo.

A prisão temporária, que possui natureza cautelar e é direcionada para o resguardo da integridade da persecução penal investigativa, possui, atualmente, como características principais, após o julgamento das ADIs nº 3.360 e 4.109 pelo Supremo Tribunal Federal, a limitação temporal (caráter temporário) e a taxatividade do rol delitivo que poderá incidir [2].

Já a prisão preventiva, também de caráter cautelar, poderá incidir nos seguintes casos: a) em decorrência da prisão em flagrante delito, quando forem insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão (prisão preventiva decorrente do flagrante delito); b) em razão do descumprimento de medidas cautelares diversas da prisão (prisão preventiva por descumprimento); c) de maneira autônoma, a pedido do Ministério Público ou da autoridade policial, também quando as medidas cautelares diversas da prisão forem insuficientes (prisão preventiva autônoma). Uma das características principais da prisão preventiva é a ausência de limitação temporal (caráter permanente), em virtude de ser direcionada para a "garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal", ao passo que deve haver "prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado". Enquanto houver risco a esses objetivos, a prisão preventiva deverá ser mantida, por esse motivo não há limitação temporal.

Já a prisão condenatória de cunho temporário é a decorrente de um processo penal transitado em julgado, momento que se inicia a execução da pena. Possui natureza temporário (caráter temporário) em virtude de, assim como acontece com a prisão temporária, possuir um prazo determinado, porém é direcionada para a recomposição da ordem jurídica violada pelo condenado.

A prisão condenatória de caráter perpétua, vedada em nosso ordenamento jurídico [3], possui o mesmo objetivo da prisão condenatória temporária, além de necessitar da ocorrência do trânsito em julgado da condenação, porém não possui prazo determinado, sendo, portanto, vitalícia (caráter vitalício) [4].

Nesse cenário, observa-se a existência de duas espécies de prisões temporárias, uma cautelar (temporária propriamente dita) e outra definitiva (condenatória temporária), cada espécie com objetivos diversos, mas com delimitação de existência pelo tempo (caráter temporário).

Por outro lado, existem duas prisões não delimitadas pelo tempo, uma de natureza cautelar (prisão preventiva) e outra de cunho definitivo (condenatória perpétua).

A prisão condenatória perpétua é de caráter vitalício, pois não possui prazo (salvo a morte do condenado), e é eterna (ou vitalícia), não podendo ser revista, em virtude de se tratar de uma medida restritiva da liberdade resultante de uma condenação definitiva (condenatória), que passou por uma prévia análise (e comprovação) dos requisitos de violação da ordem jurídica vigente.

A prisão preventiva é de caráter permanente, pois não possui delimitação temporal, porém não é eterna, visto que sua continuidade depende da manutenção das condições, especialmente as finalidades, que justificaram sua decretação. Como não se trata de uma decisão definitiva (condenatória) e sim cautelar, justifica-se sua revisão periódica, para que seja aferido se os requisitos/objetivos que justificaram a decretação ainda estão presentes. Ou seja, não pode ocorrer revogação automática da prisão, como bem decidiu o Supremo Tribunal Federal, é necessária uma decisão que justifique a revogação da prisão, consignando que os requisitos/objetivos que fundamentaram a decretação ainda estão presentes.

Uma situação jurídica constituída por uma decisão judicial, não delimitada pelo tempo, não pode ser desconstituída automaticamente, ou seja, sem uma prévia decisão que a desconstitua/altere, sob pena de se criar um grave contexto de insegurança jurídica, em razão de se violar a continuidade e a previsibilidade da norma jurídica criada pela decisão judicial.

Não se pode olvidar que a confiança dos cidadãos é respeitada quando há "confiança na base" (conhecimento e confiança na base normativa que fundamenta a situação jurídica), "justificação à confiança" (expectativa de cumprimento da base confiança), "investimento da confiança" (atuação do cidadão em conformidade com a base normativa por acredita no seu cumprimento) e a "imputação de confiança" (ocorrida a situação protegida pela norma, deverá ser respeitada e protegida), que serão violada em um contexto de revogação injustificada (sem prévia decisão) de uma situação jurídica criada por uma decisão judicial [5].


[1] Artigo 316. O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a prisão preventiva se, no correr da investigação ou do processo, verificar a falta de motivo para que ela subsista, bem como novamente decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.
Parágrafo único. Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal.

[3] Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(…)
XLVII – não haverá penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do artigo 84, XIX;
b) de caráter perpétuo;
c) de trabalhos forçados;
d) de banimento;
e) cruéis;
(…)"

[4] Deve-se diferenciar o permanente do vitalício ou eterno. Algo permanente não possui prazo, é duradouro, mas pode acabar. Já o vitalício ou eterno não possui prazo (vitalício, o prazo seria a morte), é duradouro e não acaba (salvo no caso da morte, em sendo vitalício).

[5] ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 6ª edição. São Paulo: Malheiros, 2021, p. 131 e ss.

Autores

  • é mestre pela Universidade Católica de Brasília, doutorando pela Universidade do Porto, pós-graduado em Direito Público pela ESMPU e em Ciências Criminais pela Uniderp, orientador pedagógico da ESMPU, ex-procurador da Fazenda Nacional e atualmente procurador da República e membro-auxiliar na Assessoria Criminal no STJ.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!