Sem justa causa

TJ-SP absolve homem que produzia maconha em casa por ingresso ilegal de PM

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19 de abril de 2022, 14h23

Segundo precedentes dos tribunais superiores, o ingresso regular em domicílio alheio depende, para sua validade e regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão.

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ReproduçãoTJ-SP absolve homem que produzia maconha em casa por ingresso ilegal de PM

Com base nesse entendimento, a 12ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo absolveu um homem acusado por tráfico de drogas em razão do reconhecimento da nulidade das provas colhidas na fase investigatória. 

De acordo com a denúncia, a Polícia Militar viu a porta da casa do acusado entreaberta e, por suspeitar de um furto, entrou no local. Lá, foi encontrado um espaço onde eram cultivados pés de maconha. Em primeira instância, o réu foi condenado a um ano e oito meses de prisão, em regime inicial aberto.

Em juízo, o acusado afirmou que todas as drogas encontradas no local eram para consumo próprio e não eram destinadas para venda. Ele admitiu ser usuário de maconha e também disse que não autorizou a entrada dos policiais militares em sua residência.

Ao TJ-SP, a defesa sustentou a nulidade da provas, pois as buscas efetuadas na casa do réu teriam ocorrido de forma ilícita, sem observância às exigências estabelecidas pela lei. A preliminar foi acolhida pela turma julgadora, que reformou a sentença de primeiro grau e absolveu o acusado. 

"No caso em análise, verifica-se a absoluta ausência de situação de flagrância anterior ao ingresso no domicílio, apta a permitir o ingresso desautorizado de policiais, por estar amparada unicamente na mera suspeita de que pudesse estar ocorrendo a prática de um furto no local, pois o portão da residência estava entreaberto", disse o relator, desembargador Paulo Rossi.

Para o magistrado, os próprios policiais apresentaram versões contraditórias ao tentar justificar o ingresso na casa: "O ingresso policial forçado em domicílio, importando a apreensão de material apto a configurar o crime de tráfico de drogas, deve estar amparado na voluntariedade do acusado ao autorizar o ingresso em sua residência; em investigações prévias; ou em mandado judicial".

Rossi afirmou que a justa causa para o ingresso forçado em domicílio se dá a partir da análise objetiva e satisfatória do contexto fático anterior à invasão, considerando a existência ou não de indícios mínimos de situação de flagrante no interior da residência, "o que nem de longe se vislumbrou na espécie".

"O Supremo Tribunal Federal definiu que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo, a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno, quando amparado em fundadas razões na dicção do artigo 240, § 1º, do CPP , devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito", completou.

No caso dos autos, o desembargador considerou que os policiais entraram no imóvel sem a presença de elementos plausíveis indicativos da ocorrência de crime, não constituindo, portanto, justa causa para o ingresso forçado. Ele também ressaltou que o próprio réu negou, inúmeras vezes, ter autorizado a entrada da PM.

"A descoberta a posteriori de uma situação de flagrante não passou de mero acaso, de maneira que a entrada no domicílio do recorrente desbordou do que se teria como uma situação justificadora do ingresso policial na casa, razão pela qual não tem eficácia probatória a prova obtida ilicitamente, por meio de violação de norma constitucional", explicou o magistrado.

Conforme Rossi, tal entendimento não se traduz em transformar o domicílio em salvaguarda de criminosos, tampouco um espaço de criminalidade. Todavia, prosseguiu, o ingresso no domicílio só se justifica em caso de situação fática emergencial de flagrante delito, "incompatível com o aguardo do momento adequado para, mediante mandado judicial, legitimar o ingresso na residência".

"Pese eventual boa-fé dos policiais, não havia elementos objetivos, seguros e racionais que justificassem a invasão de domicílio", disse o relator, destacando que as justificativas apresentadas pelos policiais, além de contraditórias, não são suficientes para autorizar a entrada forçada no imóvel, gerando a nulidade da diligência.

Dessa forma, segundo o magistrado, é nula a prova colhida na casa do réu e também a prova derivada, por ser evidente o nexo causal entre as condutas, isto é, entre a invasão indevida do domicílio e a apreensão das drogas, impondo-se a absolvição do acusado por ausência de prova da materialidade do crime a ele imputado.

"Ainda que assim não fosse, as provas produzidas não são suficientes a amparar a conclusão que as plantas de cannabis apreendidas se destinavam à prática da mercancia ilícita", finalizou o relator. A decisão se deu por unanimidade. 

1519440-05.2020.8.26.0228

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