desarmonia jurisprudencial

Divergência no STJ sobre natureza de previdência privada aberta afeta proteção

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5 de abril de 2022, 18h45

Há na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça uma diferenciação na maneira como são classificadas as verbas aportadas em planos de previdência privada aberta, como PGBL e VGBL. Elas podem ter natureza de investimento ou de seguro de vida/previdenciária, a depender do viés em que é feita essa análise.

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PGBL e VGBL são modalidades de planos de previdência privada aberta
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A diferença tem impacto sobre a proteção que é dada aos valores contra determinadas medidas judiciais.

PGBL e VGBL são modalidades de planos de previdência privada, usadas para complementar a previdência paga pelo INSS. Neles, o titular passa por uma fase de acumulação da verba, com depósitos que, mais tarde, serão convertidos em pensão ou parcelas.

Esse tipo de previdência privada é chamada de "aberta" porque não existe vinculação com a figura do empregador. Eles podem ser ofertados a qualquer pessoa. São mantidos por seguradoras e oferecidos por bancos e corretoras, com fins lucrativos.

Assim, o investidor tem ampla liberdade para escolher contribuição, depósitos e parcelas recebidas até o fim da vida. Se quiser, pode inclusive resgatar o montante investido a qualquer momento.

O enquadramento dos valores aportados em PGBL e VGBL tem sido alvo de amplos debates na doutrina, nas instâncias ordinárias e, mais recentemente, no Superior Tribunal de Justiça.

Para os colegiados que julgam temas de Direito Privado, os valores aportados em planos de previdência privada aberta devem ser considerados investimento, ao menos até que sejam convertidos em pensão. Com isso, devem ser partilhados no divórcio ou em virtude da morte do titular.

Gustavo Lima/STJ
Ministra Nancy Andrighi defende que, antes de virar pensão, valores aplicados em PGBL ou VGBL têm natureza de investimento

Essa é a posição da 3ª Turma, para quem valores de PGBL e VGBL só deixam de integrar a partilha no momento em que viram pensão. É quando assumem natureza previdenciária, excluídos da comunhão de bens de acordo com o artigo 1.659, inciso VII do Código Civil.

A 4ª Turma segue a mesma linha. Recentemente, o voto vencedor da ministra Isabel Gallotti indicou que o colegiado pode divergir da 3ª Turma em um ponto: por entender que, mesmo depois de transformados em pensão, tais valores ainda assim devem ser incluídos na partilha de bens decorrente de divórcio ou morte.

A 2ª Seção — que une as duas turmas de Direito Privado — já se posicionou no sentido de o saldo existente em previdência privada aberta ter natureza alimentar.

Esse entendimento afastou que valores investidos em PGBL e VGBL por um ex-diretor do Banco Santos fossem penhorados para cobrir eventual responsabilidade do mesmo pela falência da instituição financeira, medida permitida pela Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.024/1974)

No âmbito do Direito Público, a posição é diferente. Recentemente, a 2ª Turma entendeu que a natureza de valores aportados em PGBL e VGBL é sempre securitária, o que faz com que eles não sejam considerados herança. Logo, não integram a base de cálculo do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD).

O imposto tem previsão constitucional e incide na transmissão de bens e direitos em decorrência do falecimento do titular ou de doação. Foi a primeira vez que o STJ analisou a natureza do PGBL ou VGBL sob o viés do Direito Tributário.

Isso porque muitos estados brasileiros editaram leis prevendo a tributação de ITCMD sobre valores aportados em VGBL. E nesses casos não cabe ao STJ verificar a compatibilidade da lei local com a lei federal. Aplica-se, por analogia, a Súmula 280 do Supremo Tribunal Federal. Assim, a corte teve poucas oportunidades de analisar o tema.

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Para ministro Cueva, afastamento da natureza securitária do PGBL e VGBL não pode ser feito de maneira automática
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Harmonização desnecessária
Em julgamento (REsp 1.695.687) na 3ª Turma na tarde desta terça-feira (5/4), o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva propôs ao colegiado a harmonização de entendimento quanto à natureza jurídica dos planos de previdência privada aberta. Para ele, ela é sempre previdenciária.

A ideia é de não reputar como simples investimento todo e qualquer aporte feito em PGBL ou VGBL, inclusive antes de os mesmos serem convertidos em pensão.

A alteração dessa natureza dependeria da comprovação de que o uso desses contratos foi desvirtuado. Seria o caso, por exemplo, de alguém que aplica altos valores de uma só vez em PGBL ou VGBL com intuito de blindar o próprio patrimônio ou, simplesmente, de obter rendimento financeiro satisfatório.

Essa posição foi acompanhada pelo ministro Moura Ribeiro. Abriu a divergência a ministra Nancy Andrighi, para quem não há dispersão jurisprudencial sobre o tema, nem desarmonia de entendimentos.

Ela defendeu ser perfeitamente possível que valores aportados em PGBL e VGBL tenham natureza preponderante de investimento financeiro na perspectiva da entidade familiar. Pois para um dos cônjuges ter na previdência privada aberta tais valores, o resto da família passou por uma diminuição do patrimônio comum.

Ao mesmo tempo, disse que não há incoerência que esses mesmos valores tenham natureza securitária afim de afastar a incidência de determinado tributo — no caso, o ITCMD.

"Seja porque, na relação jurídica dos cônjuges perante o Fisco, sobressai a natureza securitária e mais protetiva da entidade familiar; seja porque não estão presentes todos os requisitos para a incidência do fato gerador do tributo", pontuou.

Luiz Antonio
Na 2ª Turma, precedente da ministra Assusete Magalhães conferiu natureza securitária, para fins tributários ao PGBL
Luiz Antonio

Consequências
O voto da ministra Nancy Andrighi buscou reafirmar pela segunda vez a posição da 3ª Turma sobre o tema. Ela foi acompanhada pela maioria formada pelos ministros Marco Aurélio Bellizze e Paulo de Tarso Sanseverino.

Segundo ela, entender que a natureza previdenciária dos valores aportados em PGBL e VGBL só poderia ser afastada quando comprovada a má-fé ou desvirtuamento do contrato causaria como consequência a dificuldade de produção da prova.

Se a boa-fé se presume e a má-fé se comprova, caberia ao cônjuge que não é titular do PGBL ou VGBL comprovar a intenção do(a) ex-parceiro(a) de frustrar a partilha daqueles valores e a má-fé no investimento feito.

Relator, o ministro Bellizze ressaltou outra consequência: a hipótese de a posição da 3ª Turma causar insegurança jurídica quanto ao tratamento tributário dado aos valores investidos em PGBL ou VGBL.

"Se definirmos que [esse montante aplicado] é investimento, é possível que o tratamento tributário dado seja alterado no futuro. Obviamente, isso tem que ser bem ponderado", disse.

Por conta desse descompasso, o ministro Marco Aurélio Bellizze chegou a propor a afetação do caso para julgamento pela 2ª Seção.

REsp 1.695.687
EREsp 1.121.719
REsp 1.961.488
REsp 1.593.026
REsp 1.726.577

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