Em busca da estabilidade

Atuação preventiva e institucionalizada foram focos na atuação do MPF

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2 de abril de 2022, 8h30

*Reportagem publicada no Anuário do Ministério Público Brasil 2022. A publicação está disponível gratuitamente na versão online e à venda na Livraria ConJur, em sua versão impressa.

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"A Procuradoria-Geral da República buscou contribuir para um ambiente nacional de estabilidade, retomada econômica e segurança digital, testando e aceitando os desafios dessa nova era, voltada às soluções tecnológicas, sem deixar de lado nossa humanidade e o compromisso com o bem-estar de todos.” Assim se manifestou o procurador-geral da República, Augusto Aras, sobre sua gestão à frente do Ministério Público Federal, na sessão de encerramento do ano judiciário, no Supremo Tribunal Federal, em dezembro de 2021.

Aras destacou que um dos focos do MPF foi estimular a gestão para o fortalecimento da atuação preventiva em âmbito extrajudicial. “A atuação preventiva não implica renúncia, fiscalização e persecução do Ministério Público, mas busca primordialmente celeridade na resolução das controvérsias e pacificação social”, pontuou. “Cada vez mais buscamos a efetividade dos institutos despenalizadores, como os acordos de não persecução penal, de não persecução cível, de leniência e colaboração premiada, com uso do sistema apenas após a tentativa de mediação extrajudicial que não logra êxito.”

Segundo dados do relatório MP Um Retrato, do CNMP, o MPF recebeu, em 2020, na área extrajudicial, 297 mil inquéritos policiais e 2,8 mil termos circunstanciados e instaurou 1,6 mil inquéritos civis, 60 mil notícias de fato e quase dois mil procedimentos de investigação criminal. Além disso, em 2021 foram firmados 7.363 acordos de não persecução penal e 210 acordos de não persecução cível, conforme dados do site MPF em Números.

Cabe destacar que o Poder Judiciário não pode obrigar o MP a oferecer o acordo de não persecução penal. No entanto, se não for caso de manifesta inadmissibilidade, o pedido de obtenção do benefício feito pela defesa e negado pela promotoria deve ser enviado para nova análise do órgão superior do MP.

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Existe um debate doutrinário e jurisprudencial no que diz respeito à natureza do ANPP e à consequente retroatividade mais benéfica. O tema ainda gera divergências nos tribunais. Em setembro de 2021, o ministro Gilmar Mendes, no HC 185.913, entendeu que é cabível o acordo em casos de processos em andamento (ainda não transitados em julgado) quando da entrada em vigência da Lei 13.964/2019, mesmo se ausente confissão do réu até aquele momento. O STF julga o HC em
maio de 2022.

O entendimento do MPF é o mesmo. “Sendo um instrumento destinado a favorecer e facilitar o decurso do processo-crime, não faz sentido aplicar o acordo de não persecução penal nas hipóteses em que a sentença já transitou em julgado, independentemente do estágio em que se encontra a execução penal”, diz parecer assinado pelo vice-PGR, Humberto Jacques. Em relação à confissão, o MPF entende que ela deve necessariamente integrar o acordo, mas que “a eventual ausência dela na fase investigatória ou processual não obsta as conversações dirigidas à formação do acordo de não persecução penal”, diz o parecer.

Outra tese defendida pelo MPF, é que a ausência presencial de testemunha da defesa que mora em outra comarca não invalida a condenação pelo Tribunal do Júri. O entendimento foi apresentado em processo que pedia a anulação da decisão do Tribunal do Júri de Santa Catarina, com o argumento de que a única testemunha ocular do acidente não pôde ser ouvida pelos jurados durante o julgamento, uma vez que mora em outro município, não abrangido pela jurisdição onde o fato foi investigado.

Em 2021, o MPF ampliou a atuação dos Gaecos, os Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado. Instalados em sete estados e com comissão provisória em mais 12, os grupos são permanentes e têm o objetivo de auxiliar os membros em grandes casos e investigações complexas. Criticada por acabar com a força-tarefa da operação “lava jato”, a PGR explicou que agora a operação foi institucionalizada, com a reorganização e a ampliação das equipes.

“O procurador natural responsável pela investigação de um grande caso de corrupção anteriormente escolhia, sem critério algum, colega de qualquer lugar do país para auxiliá-lo com designações que eram renovadas anualmente pelo procurador-geral da República. Este modelo precário e sem regras foi substituído pelos Gaecos, nos quais o procurador natural de uma investigação complexa recebe auxílio de um grupo permanente, formado a partir de critérios claros, com mandatos de dois anos e garantias para seus membros”, afirmou a PGR, em nota.

O Gabinete Integrado de Acompanhamento (Giac) continua trabalhando intensamente no enfrentamento à epidemia de covid-19. Criado no início da crise sanitária, o Giac criou uma rede de focalizadores nos estados, incluindo membros dos MPs Estaduais e gestores estaduais e municipais da saúde, para resolução negociada de problemas. “A interlocução que fizemos com todos os órgãos, as recomendações expedidas e outras medidas nos permitiram buscar soluções administrativas que muito contribuíram para evitar a judicialização”, explicou a ex-coordenadora finalística do Giac, subprocuradora-geral da República Célia Delgado.

Até setembro de 2021, segundo o MPF, foram instauradas duas mil medidas extrajudiciais e ajuizadas mais de 11 mil ações. O MP destinou para ações de saúde 4,7 bilhões de verbas resultantes de acordos e ações judiciais. O Giac articulou para solucionar a crise de oxigênio no Amazonas; atuou para garantir que os recursos do auxílio emergencial chegassem até os beneficiários do programa e para evitar fraudes; e acompanhou a elaboração do Plano de Operacionalização da Vacinação de Covid-19, discutindo diretrizes e prioridades.

Em outubro de 2021, o MPF recebeu o relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19, para que sejam adotadas as providências cabíveis. “Esta CPI já produziu resultados. Temos denúncias, ações penais e civis em curso, autoridades afastadas.E a chegada desse material que envolve pessoas com prerrogativa de foro por função vai contribuir para que possamos dar a agilidade necessária à apreciação dos fatos que possam ser puníveis seja civil, penal ou administrativamente”, afirmou o PGR.

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Maior ramo do Ministério Público da União, o MPF consumiu 61% do orçamento do MPU em 2021 e emprega 48% dos membros e 63% dos servidores. Em janeiro de 2022, sua estrutura ficou ainda maior, com a criação da Procuradoria Regional da República da 6ª Região, em Minas Gerais. A criação da nova procuradoria ocorre na esteira da criação do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6), em outubro de 2021, com sede em Belo Horizonte e jurisdição sobre Minas Gerais.

Corregedoria-Geral
Célia Regina Delgado assumiu a Corregedoria-Geral em um momento particularmente delicado: em outubro de 2021, estava em discussão na Câmara dos Deputados uma proposta de emenda constitucional que foi

Secom/PGR

vista pela classe como uma tentativa de interferência externa no MP. De acordo com a PEC, o Congresso poderia indicar o dobro dos seus atuais representantes para o órgão que fiscaliza os procuradores, o Conselho Nacional do Ministério Público, ao qual, funcionalmente, a Corregedoria do MPF está subordinada. A proposta foi rejeitada pelo Congresso, mas pode voltar à pauta em 2022. O movimento é visto como uma reação à falta de autocontrole da corporação.

“Farei uma Corregedoria de união e não de punição”, disse ao assumir. Em entrevista a este Anuário, Célia Delgado explicou que sua frase não significa fortalecer o corporativismo. “Vamos precisar ter processo punitivo. Gostaria muito que não, mas se precisar haver, vou agir com o rigor e a justiça necessários.”

Segundo ela, a Corregedoria do MPF vai agir oportunamente para evitar manifestações da Corregedoria Nacional do CNMP. A subprocuradora considera “muito difícil” a atuação dos procuradores, uma vez que “está sempre contrariando alguém”. Ela defende firmemente a independência funcional de seus pares. Se não houver independência, acredita, “você não exerce a sua função” e “o prejuízo para a sociedade é muito grave”.

A nova corregedora do MPF concorda que a visão crítica em relação à atuação do MP decorre em grande parte da atuação da autodenominada operação “lava jato”, cujos métodos, depois de conhecidos, foram considerados fora dos padrões normais de atuação da instituição. “Houve uma distorção”, afirma, afastando críticas de que o PGR Augusto Aras pretendia acabar com o combate à corrupção ao praticamente encerrar os trabalhos da força-tarefa da “lava jato”. “Esse nunca foi o objetivo, ao contrário”, afirma. Para ela, em vez de agir com um grupo destinado a um trabalho temporário, a “lava jato” acabou se tornando permanente, sem controle institucional.

O próprio PGR Augusto Aras entende que a questão do controle interno do MP é sensível. “Sabemos que é preciso não somente que o sistema de freios e contrapesos funcione externamente, entre poderes e órgãos autônomos, mas também no plano interno”, afirmou, em um balanço apresentado por ocasião dos seus dois primeiros anos de gestão.

Com a chamada Lei Anticrime (Lei 13.964/2019), o Ministério Público passou a ter um protagonismo especial por meio de institutos que evitam a judicialização, como os acordos de não persecução penal, de não persecução cível, de leniência e de colaboração premiada. Para Aras, isso tudo vai impor ao MP brasileiro como um todo o fortalecimento urgente de suas corregedorias, porque o MP assume uma parte significativa das funções do Poder Judiciário para solução de conflitos de forma preventiva e extraprocessual.

Anuário do Ministério Público Brasil 2022
ISSN: 2675-7346
Edição: 2021 | 2022
Número de páginas: 204
Editora ConJur
Versão impressa: R$ 40, exclusivamente na Livraria ConJur (clique aqui)
Versão digital: acesse gratuitamente pelo site http://anuario.conjur.com.br e pelo app Anuário da Justiça

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