O dano ambiental como causa de extinção do contrato agrário
29 de outubro de 2021, 8h00
A respeito da proteção ambiental, o Estatuto da Terra (ET) dispõe que a propriedade só desempenha sua função social quando é produtiva e assegura a conservação dos recursos naturais [1]. Nesse sentido, o artigo 13, II, do Decreto 59.566/66 [2] disciplina que os contratos agrários deverão obrigatoriamente conter cláusulas que assegurem a conservação desses recursos.
Para responder essa questão, é preciso promover uma leitura sistemática dos incisos do artigo 26 [4], do Decreto 59.566/66, que dispõe sobre as causas de extinção dos contratos agrários. Dessa forma, os incisos IV e X [5] desse artigo devem ser complementados, não só com as hipóteses de despejo prescritas pelo artigo 32 do Decreto 59.566/66, mas também com as normas ambientais previstas pelo Código Florestal, em razão da remissão da alínea "b", do artigo 13 do Decreto 59.566/66.
Complementarmente, entre as hipóteses de despejo que se relacionam à existência de dano ambiental, tem-se o inciso IV do artigo 32 do Decreto 59.566/66 [6]. Essa hipótese, que se associa ao disposto no artigo 41, II [7], e 42 [8], do mesmo diploma legal, estabelece o dever do possuidor direto em observar as orientações ambientais do proprietário quanto à exploração do imóvel rural.
Além do mais, a hipótese de despejo elencada no inciso VII do artigo 32 do Decreto 59.566/66 [9] também se relaciona à existência de dano ambiental. Isso porque se refere diretamente ao elemento ecológico da conservação dos recursos naturais, disciplinado pelo artigo 13 do mesmo diploma legal.
Por fim, a hipótese de despejo do inciso IX do artigo 32 do Decreto 59.566/66 [10] também pode se relacionar a existência de dano ambiental. Esse fundamento aproxima-se do anterior, no entanto, demonstra-se de maneira mais ampla, alcançando as cláusulas ambientais ajustadas pelas próprias partes em contrato e infrações legais ambientais para além do Código Florestal.
No mais, não bastasse as causas de extinção do artigo 26, o artigo 27 do Decreto 59.566/66 [11] estabelece de forma inquestionável que a inobservância das cláusulas ambientais enseja à resolução contratual. Nesse caso, anota-se especificamente a inobservância da alínea "c" do inciso II do artigo 13 do Decreto 59.566/66[12].
Para analisar como os tribunais têm analisado essa questão, foi realizada pesquisa jurisprudencial no Tribunal de Justiça de São Paulo [13] e no Superior Tribunal de Justiça [14]. No TJ-SP, dos três acórdãos tratados, todos são favoráveis à resolução do contrato de arrendamento por dano ambiental devidamente comprovado: Apelação nº 0000313-70.2009.8.26.0575 de 2011, relator desembargador Clóvis Castelo; Apelação nº 9000002-19.2004.8.26.0439 de 2015, relator desembargadora Sílvia Rocha; Apelação nº 1000550-45.2013.8.26.0673 de 2017, relator desembargador Andrade Castelo.
No STJ, por seu turno, das três decisões monocráticas tratadas, duas demonstraram que o tribunal ad quo foi favorável à hipótese de resolução do contrato de arrendamento tendo em vista o dano ambiental devidamente comprovado: Agravo em REsp nº 639.720-SP de 2016, relator ministro Paulo de Tarso Sanseverino; REsp nº 1645911-MG de 2021, relator ministro Marco Buzzi. Na outra, o tribunal de origem decidiu pela ausência de inadimplemento face ao baixo impacto ambiental do caso: Agravo em REsp nº 1.110.442-SP de 2017, relator ministro Paulo de Tarso Sanseverino.
Portanto, conforme análise teórico-normativa e jurisprudencial, feita no TJ-SP e no STJ, conclui-se que o entendimento majoritário é de que o dano ambiental é uma hipótese de extinção do contrato de arrendamento rural.
Por essa razão, é importante que as partes contratantes tenham o cuidado de elaborar laudos de vistoria no imóvel rural antes do início do contrato, bem como se cerquem das melhores práticas, a fim de evitar uma instabilidade na condução da atividade rural.
[1] "Artigo 2°, §1° – A propriedade da terra desempenha integralmente a sua função social quando, simultaneamente: c) assegura a conservação dos recursos naturais".
[2] "Artigo 13 – Nos contratos agrários, qualquer que seja a sua forma, contarão obrigatoriamente, cláusulas que assegurem a conservação dos recursos naturais e a proteção social e econômica dos arrendatários e dos parceiros-outorgados a saber: II – Observância das seguintes normas, visando a conservação dos recursos naturais"
[3] "O dano ambiental é a lesão aos recursos ambientais com consequente degradação- alteração adversa ou in pejus do equilíbrio ecológico". MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 2ª Ed. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2001. p. 116.
[4] "Artigo 26 – O arrendamento se extingue: I – Pelo término do prazo do contrato e do de sua renovação; II – Pela retomada; III – Pela aquisição da gleba arrendada, pelo arrendatário; IV – Pelo distrato ou rescisão do contrato; V – Pela resolução ou extinção do direito do arrendador; VI – Por motivo de força maior, que impossibilite a execução do contrato; VII – Por sentença judicial irrecorrível; VIII – Pela perda do imóvel rural; IX – Pela desapropriação, parcial ou total, do imóvel rural; X – por qualquer outra causa prevista em lei".
[5] "Artigo 26 – O arrendamento se extingue: IV – Pelo distrato ou rescisão do contrato; X – por qualquer outra causa prevista em lei".
[6] "Artigo 32 – Só será concedido o despejo nos seguintes casos: IV – Dano causado à gleba arrendada ou às colheitas, provado o dolo ou culpa do arrendatário".
[7] "Artigo 41 – O arrendatário é obrigado: II – a usar o imóvel rural, conforme o convencionado, ou presumido, e a tratá-lo com o mesmo cuidado como se fôsse seu, não podendo mudar sua destinação contratual".
[8] "Artigo 42 – O arrendador poderá se opor a cortes ou podas, se danosos aos fins florestais ou agrícolas a que se destina a gleba objeto do contrato".
[9] "Artigo 32 – Só será concedido o despejo nos seguintes casos: VII – Inobservância das normas obrigatórias fixadas no artigo 13 dêste Regulamento".
[10] "Artigo 32 – Só será concedido o despejo nos seguintes casos: IX – se o arrendatário infringir obrigado legal, ou cometer infração grave de obrigação contratual".
[11] "Artigo 27 – O inadimplemento das obrigações assumidas por qualquer das partes, e a inobservância de cláusula asseguradora dos recursos naturais, prevista no artigo 13, inciso II, letra "c", dêste Regulamento, dará lugar facultativamente à rescisão do contrato, ficando a parte inadimplente obrigada a ressarcir a outra das perdas e danos causados (artigo 92, § 6º do Estatuto da Terra)".
[12] "Artigo 13, II – c) observância de práticas agrícolas admitidas para os vários tipos de exportação intensiva e extensiva para as diversas zonas típicas do país, fixados nos Decretos número 55.891, de 31 de março de 1965 e 56.792 de 26 de agôsto de 1965".
[13] No site do TJ-SP, para fins da pesquisa, optou-se pelo recorte temporal de 14 de novembro de 1966, data de publicação do Decreto Regulador 59.566/66, até 1º de julho de 2021. Ademais, as palavras chaves ("parceria" e "ambiental"; "arrendamento" e "ambiental") foram dispostas no campo "ementa". A pesquisa ficou limitada aos acórdãos da 25ª Câmara de Direito Privado até a 36ª Câmara de Direito Privado do TJSP, tendo em vista a competência material para julgamento de "ações de arrendamento rural e de parceria agrícola", conforme a organização interna do TJSP. Na primeira busca, obtiveram-se 07 acórdãos, mas foram descartados por não guardarem pertinência com o assunto estudado. Na segunda, obtiveram-se 28 resultados, dos quais, com a leitura das ementas, 15 foram selecionados para compor o repertório jurisprudencial, mas após a leitura do inteiro teor, 12 foram descartados por ausência de relevância com o assunto estudado.
[14] No site do STJ, optou-se pelo mesmo recorte temporal e os termos de busca: "parceria" e "ambiental"; "arrendamento rural" e "ambiental". Na primeira busca, obtiveram-se 03 acórdãos, nenhum demonstrou relação com o tema. Na segunda, obtiveram-se 01 acórdão e 35 decisões monocráticas, após leitura no inteiro teor, apenas 03 decisões monocráticas foram selecionadas por serem pertinentes ao assunto tratado.
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