Opinião

O curto-circuito fechado: a lei mineira 'barra Buser' é inconstitucional

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27 de novembro de 2021, 7h13

Neste mês, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais rejeitou vetos do governador Romeu Zema para fazer valer, sem alterações, a integralidade do disposto na Lei 23.914/2021, que "estabelece normas para a prestação de serviço de fretamento de veículo de transporte coletivo para viagem intermunicipal e metropolitana".

Basicamente, a lei em referência prescreve que todo serviço de fretamento coletivo de passageiros que não se sujeite à burocracia dos terminais rodoviários deve funcionar a partir da lógica do "circuito fechado" (artigo 3º). Isso significa que o transporte contratado necessariamente deve compreender ida e volta para todos os passageiros. Todos os que foram, portanto, devem retornar em conjunto, sob a mesma contratação.

A presente opinião tem como base o texto aprovado pela Assembleia e busca demonstrar que a lei em referência é inconstitucional. Na prática, as disposições legislativas provocam um curto-circuito — uma tensão danosa e irremediável ao ordenamento jurídico, especialmente à Constituição Federal, que precisa de correção urgente para, ao fim do dia, não prejudicar a vida das pessoas.

O raciocínio de inconstitucionalidade encontra os seguintes fundamentos:

1) A lei impede o livre desenvolvimento da atividade econômica de maneira injustificada. Conforme definido pelo Supremo Tribunal Federal em relação ao transporte individual de passageiros, proibições ou restrições dessa espécie de contratação são inconstitucionais por violação aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência. É o que se tem no item 1 do Tema de Repercussão Geral 967: 

"A proibição ou restrição da atividade de transporte privado individual por motorista cadastrado em aplicativo é inconstitucional, por violação aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência".

A lei estadual de Minas Gerais pratica exatamente a mesma infração, só que em relação ao transporte coletivo, em especial porque não há justificativa para proibir a celebração de contratos de transporte de um grupo de pessoas do ponto A ao ponto B sem estipulação de retorno. Ao contrário, a previsão legal é inconstitucional e até mesmo ilógica, porque é justamente a liberdade de escolha — inclusive aquela de retornar ao local de origem ou não — que deve prevalecer.

O estado de Minas Gerais parece tentar estabelecer uma perspectiva de "grande irmão", vinculada ao controle — inclusive de deslocamento — de pessoas, impondo um prejuízo injustificável ao direito de liberdade. Isso, como se vê, não pode ser admitido a partir de uma leitura constitucional do ordenamento jurídico.

2) A lei é carregada de pessoalidade. Um dos princípios basilares que sustentam a operação e, especialmente, a intervenção do poder público em contratos privados é a impessoalidade. Uma lei não pode simplesmente barrar determinada atividade com o intuito de prejudicar uma pessoa — natural ou jurídica — e beneficiar outras.

Não se sabe, ao menos de maneira definitiva, se a legislação de Minas Gerais foi criada com o único intuito de prejudicar a Buser e empresas semelhantes — mas é certo que esse é, basicamente, o resultado alcançado. Não há ganhos concretos para a vida das pessoas, mas há um claro prejuízo à operação das empresas, que fica evidenciado a partir de manchetes como "Assembleia de MG proíbe a operação da Buser" e "Deputados derrubam veto de Zema e PL que inviabiliza Buser em Minas deve virar lei".

Como se percebe, identificar "para que serve" determinada regulamentação nem sempre é uma atividade simples. Descobrir "a quem" ela serve, por outro lado, é uma tarefa que usualmente consome poucos instantes de pesquisa. É difícil entender qual a razão de regulamentar o transporte coletivo de passageiros, mas é muito fácil perceber quem são os beneficiados e os prejudicados pela regulamentação e pelo ambiente de reserva de mercado.

3) O excesso de burocracia gera reserva de mercado e prejudica a vida das pessoas. Quando se diz que personagens políticos devem conhecer "o preço do leite" e de outros itens básicos, usualmente o objetivo é demonstrar que essas pessoas devem estar conectadas com a realidade do cidadão comum. E mais, que as políticas públicas devem justamente buscar melhorias para a qualidade de vida dessas pessoas.

Se essa é uma discussão com contornos políticos bem delineados, isso também acontece quando o enfoque é jurídico: basta lembrar a doutrina da análise consequencialista das decisões judiciais, especialmente em processos vinculados a políticas públicas. No caso específico da lei de Minas Gerais, em que não há justificativa plausível para invadir a esfera privada de contratações e obrigar que pessoas adquiram transporte de ida e volta para o local de origem, analisar as consequências da legislação restritiva é uma tarefa absolutamente pertinente.

Embora essa não represente uma relação de causa e efeito necessária, a história demonstra que a imposição de procedimentos mais complexos para empreender em setores de interesse público gera, ao menos no Brasil, patologias como a reserva de mercado e a má qualidade de serviços. Realisticamente, quem deseja viver em um mundo pré-Uber, 99 e Cabify, arcando com os custos de consumir um serviço ruim que só se mantinha por excesso de regulação danosa?

Se pensarmos, por exemplo, na experiência dos consumidores ao utilizar uma rodoviária, invariavelmente chegaremos à conclusão de que o serviço é ruim. E o que normalmente está por trás de um serviço ruim? O excesso de regulamentação e a dificuldade de obtenção de concessão para empreender no setor. Isso gera uma sensação de segurança, de manutenção de status daqueles que prestam o serviço, o que ocasiona, na realidade brasileira, uma perda geral de qualidade.

Por essas razões especialmente resumidas para publicação desta opinião é que se defende que a Lei Estadual 23.914/2021 viola a Constituição Federal.

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