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Cármen suspende afastamento de desembargador do TJ-RJ determinado pelo CNJ

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9 de novembro de 2021, 15h47

Por considerar desproporcional a pena de disponibilidade imposta pelo Conselho Nacional de Justiça ao desembargador João Batista Damasceno, a ministro do Supremo Tribunal Federal Cármen Lúcia concedeu, nesta segunda-feira (8/11), liminar para suspender o cumprimento da decisão do CNJ. Dessa maneira, Damasceno deverá ser reintegrado à corte.

Fellipe Sampaio/SCO/STF
Cármen Lúcia considerou desproporcional o afastamento do desembargador do TJ-RJ
Fellipe Sampaio/STF

O CNJ condenou o magistrado à pena de disponibilidade por "simular realização de evento" da corte e "debochar" da promotora Fernanda Abreu Ottoni do Amaral e do Ministério Público do Rio de Janeiro.

Ao STF, Damasceno argumentou que o conselho não lhe garantiu ampla defesa no procedimento. O magistrado também disse que a pena de disponibilidade é "absolutamente desproporcional ao fato, a revelar insuperável injuridicidade".

Em sua decisão, Cármen apontou que o Supremo só pode promover o controle judicial dos atos do CNJ quando houver clara violação ao devido processo legal; exorbitância das atribuições do conselho; ou antijuridicidade ou manifesta irrazoabilidade da decisão.

Para a ministra, a imposição da pena de disponibilidade foi desproporcional à conduta praticada por João Batista Damasceno. Cármen citou voto divergente da ministra Rosa Weber no CNJ, no qual opinou pela extinção do processo disciplinar. Rosa avaliou que a pena de disponibilidade era inadequada e desproporcional.

Cármen Lúcia destacou que a jurisprudência do CNJ entende que a pena de disponibilidade deve ser aplicada quando houver reiteração na prática de faltas disciplinares. Contudo, apontou a ministra, em 28 anos de magistratura, Damasceno não recebeu nenhuma sanção disciplinar.

Damasceno era juiz de primeira instância quando praticou os fatos posteriormente julgados pelo CNJ. Em maio de 2021, foi promovido a desembargador do TJ-RJ. Essa mudança de status impediu que ele fosse punido com advertência ou censura, conforme os incisos I e II e parágrafo único do artigo 42 da Lei Orgânica da Magistratura (Lei Complementar 35/1979).

De acordo com a jurisprudência do CNJ, "a sanção de disponibilidade com vencimentos é penalidade considerada grave e não pode ser aplicada de forma residual, quando impossibilitada a penalidade de advertência, censura ou remoção compulsória", ressaltou Cármen (Revisão Disciplinar 0010105- 70.2017.2.00.0000).

"Do contrário, o agente seria prejudicado, no plano disciplinar, unicamente em virtude de sua promoção, além de se ver atingido por norma restritiva a ele inaplicável à época da conduta faltosa, o que não se coaduna com o primado do devido processo legal, na dimensão do justo processo", disse Rosa Weber em seu voto no CNJ, citado por Cármen.

A ministra também entendeu que a imediata disponibilidade do desembargador, sem o trânsito em julgado do acórdão condenatório, constitui antecipação da pena imposta, em desrespeito ao artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal.

Magistratura fortalecida
O desembargador João Batista Damasceno disse à ConJur que a decisão de Cármen Lúcia fortalece a magistratura brasileira.

"Em um momento de crescente politização dos órgãos disciplinares do sistema de justiça, a decisão da ministra Cármen Lúcia representa a afirmação da independência judicial e garantias da magistratura. Do ponto de vista remuneratório ou funcional, não tive e não teria prejuízo, por ter 40 anos de serviço público, sendo 28 como magistrado, e estar no último grau da carreira. Mas juízes novos ou não tão antigos podem se sentir intimidados e sanções indevidas ou desproporcionais podem propiciar uma magistratura enfraquecida."

Damasceno é representado no caso pelos advogados Geraldo PradoLuis Gustavo Grandinetti CarvalhoJuarez TavaresGustavo Sampaio Telles FerreiraJulio Matuch de CarvalhoMurilo Matuch de CarvalhoAna Tereza BasílioVânia Siciliano Aieta e Johan Trindade.

Entenda o caso
O Conselho Municipal de Defesa da Criança e Adolescente de Itaguaí (RJ) promoveu, em agosto de 2017, evento sobre Direito da Infância e da Juventude. Fernanda Amaral, que é promotora da infância e da juventude do município, questionou os organizadores por que razão não foi convidada para participar do evento, argumentando que conhece a realidade local melhor do que os demais palestrantes, que atuavam em outras cidades.

Fernanda também questionou se a Defensoria Pública do Rio e o TJ-RJ indicaram o defensor Eduardo Newton e a juíza Cristiana Cordeiro, que atuam na área, para participar do evento. Se não fosse o caso, a promotora pediu que os organizadores apontassem o critério utilizado para o convite feito a Newton e Cristiana.

Damasceno então enviou convite a Fernanda Amaral para fazer palestra em evento do TJ-RJ sobre "as postulações formuladas por grupos identitários e autoridades locais para comporem as mesas de debates como se tivessem o direito de ser convidados". O evento foi adiado, mas acabou ocorrendo em agosto de 2017 no auditório da Corregedoria-Geral da Justiça do Rio, segundo o magistrado.

Fernanda Amaral argumentou que o convite foi feito com o latente escopo de debochar dela. O ex-procurador-geral de Justiça do Rio Marfan Martins Vieira apresentou reclamação disciplinar contra Damasceno, afirmando que ele atacou a honra da promotora e do MP-RJ.

Evento real
Em esclarecimentos prestados à Corregedoria Nacional de Justiça em 2018, João Batista Damasceno o evento não foi fictício, nem o ofício forjado. Ele disse que, como ex-presidente do Fórum Permanente de Sociologia Jurídica da Escola da Magistratura do Rio de Janeiro (Emerj) e professor de Sociologia Jurídica da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), constantemente organiza eventos. Também declarou que nunca usou instrumentos do Judiciário para fins diversos do interesse público.

Citando o princípio da legalidade ("ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei", estabelecido pelo artigo 5º, II, da Constituição), Damasceno destacou que não há norma que "imponha o dever de convite aos promotores de justiça da comarca onde se realizam os eventos, bem como que impeça que sejam convidados para palestras em comarcas distintas".

Assim, o desembargador ressaltou que pretendia promover o debate sobre as questões identitárias, de poder local e suas peculiaridades. E afirmou que não teve intenção de debochar da promotora e que comentários jocosos feitos em suas redes sociais por terceiros não podem ser creditados a ele.

Decisão do CNJ
A relatora do caso no CNJ, Ivana Farina Navarrete Pena, que é procuradora de Justiça do Ministério Público de Goiás, afirmou que Damasceno fez uso privado de documentos públicos e da estrutura de comunicação do TJ-RJ para forjar ofício, "redigido em linguagem desrespeitosa" e com o timbre da corte, para convidar Fernanda Amaral a participar de evento fictício.

Segundo a conselheira, o desembargador teve a "intenção de promover a ridicularização de membro do MP-RJ e da própria instituição ministerial em rede social", na qual fez várias postagens "em tom crítico e jocoso".

Conforme Ivana Pena, o comportamento de Damasceno foi incompatível com a dignidade, a honra e o decoro das funções dos juízes. Afinal, dos magistrados se exige "conduta irrepreensível na vida pública e particular e se impõem os deveres de zelar pela respeitabilidade entre as instituições e de cortesia para com os colegas, membros do Ministério Público, demais autoridades, advogados(as), servidores(as) e usuários(as) da Justiça", destacou a conselheira.

Ela apontou que o desembargador do TJ-RJ violou os deveres da magistratura dos artigos 1º, 15, 16, 18, 22, 37 e 39, do Código de Ética da Magistratura, além do artigo 35, VIII, da Lei Orgânica da Magistratura (Lei Complementar 35/1979).

Dessa maneira, impôs a Damasceno a pena de disponibilidade com proventos proporcionais ao tempo de serviço.

O desembargador ficará afastado do TJ-RJ. Depois de dois anos, poderá pedir reintegração à corte. O Órgão Especial então promoverá sindicância da vida pregressa e investigação social; reavaliação da capacidade física, mental e psicológica; e reavaliação da capacidade técnica e jurídica, por meio de frequência obrigatória a curso oficial ministrado pela Emerj.

Ao analisar o pedido de reintegração, o Órgão Especial também avaliará se subsistem as razões que determinaram o afastamento ou se há fatos novos. Neste caso, a corte, para rejeitar o requerimento, deverá apontar motivo plausível, de ordem ética ou profissional, diverso dos fatos que ensejaram a pena.

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AO 2.613

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