Ambiente Jurídico

Mudanças Climáticas e Desenvolvimento Sustentável

Autor

22 de maio de 2021, 12h01

Spacca
Como professor da disciplina transversal Justiça Socioambiental, Desenvolvimento Sustentável e Mudanças Climáticas, oferecida no programa de pós-graduação (doutorado e mestrado) da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), pude realizar, este semestre, uma série de detidas reflexões, junto com os meus estimados(as) alunos(as), em virtude das leituras, vídeos e debates realizados no âmbito da excelente e multidisciplinar turma. Pude perceber que o aquecimento global, mesmo em época de pandemia, efetivamente, acaba ganhando um papel central no contexto acadêmico dentro da temática proposta.

Este fenômeno também é traduzido em duas obras lançadas e bem aceitas mundialmente este semestre, uma de autoria de Bill Gates (que pessoalmente não vive um bom momento), How to Avoid a Climate Disaster e, outra, do incansável Cass Sunstein, Averting Catastrophe: Decision Theory for Covid-19, Climate Change, and Potential Disasters of All Kinds[1]. Logo, o enfrentamento das mudanças climáticas consagra-se como a pauta, para além do direito, que vai reger o debate privado e estatal até o ano de 2100 e eu, logicamente, que nasci em 1973, não estarei mais aqui para acompanhar o desfecho disto.

A comunidade global observa a crescente necessidade de um desenvolvimento humano (muito além do almejado por Amartya Sen)[2] sustentável e pautado por padrões éticos presentes na justiça socioambiental. As respostas utilitárias, definitivamente, não são as respostas corretas. Referida exigência encontra-se presente no Acordo de Paris, na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e na Encíclica Laudato Sì (esta observada de modo secularizado) complementada por Fratelli Tutti.

De acordo com Gates, existem dois números que a humanidade precisa ter em mente em relação as mudanças climáticas. Um é 51 bilhões e o outro  zero. Cinquenta e um bilhões são as toneladas de gases de efeito estufa que o mundo lança à atmosfera anualmente. É necessário reduzir de 51 bilhões para zero as emissões nas próximas décadas para que sejam evitadas catástrofes ambientais em virtude do aquecimento global.[3] As emissões antrópicas de gases de efeito estufa precisam cessar. O padrão comportamental da humanidade, assanhado pelo neoliberalismo, desculpem a redundância, consumista e tomador de riscos desnecessários, precisa ser alterado. Existem já respostas eficazes aos biases[4] e noises[5] que afetam negativamente os processos de tomada de decisão.

Embora as fontes de energia renovável, eólica e solar, na maior parte, possam causar um grande impacto na redução das emissões, faltam iniciativas governamentais e de grupos privados – e coordenação entre ambos – para empregá-las e ampliá-las. Existe, também, adicionando ao que não disse Gates em sua obra, a necessidade de implantação da educação ambiental nas práticas públicas e privadas. No caso brasileiro este, inclusive, é um princípio constitucional e de direito ambiental[6] bastante negligenciado. 

A produção de eletricidade, neste contexto, representa somente 27% das emissões totais de gases de efeito estufa no mundo. Ainda que se empreguem inovações tecnológicas, quase que revolucionárias, ainda será preciso cortar o restante de 73% das emissões de gases de efeito estufa. Gates refere que para se evitar um desastre climático a humanidade: a- precisa atingir um nível zero de emissões; b- deve empregar as ferramentas disponíveis, como energia solar e eólica, com maior rapidez e inteligência. 3- necessita criar e produzir tecnologias revolucionárias capazes de auxiliar no processo de descarbonização da economia.[7] Aliás, é enfático ao afirmar o que já se sabe faz tempo, o patamar de emissões zero é inegociável, pois se não for atingido as temperaturas continuarão a subir.

Referidas energias renováveis, no entanto, não são suficientes para que se alcance o objetivo de zero emissões. Ainda, que se possa incluir a energia nuclear entre estas, o que se tem hoje, ainda que se faça uma projeção em expansão, não será o suficiente para atingir as metas do Acordo de Paris até 2100. As energias eólica e solar, apenas a título de exemplo, são intermitentes e não existem baterias de baixo custo capazes de armazenar quantidades de energia para abastecer uma cidade inteira, do tamanho de minha Porto Alegre, pelo tempo necessário.  Parece, igualmente, que novas fontes de captação e sumidouros de carbono precisarão ser desenvolvidas para esta transição que não vai prescindir de alguns dos derivados do petróleo pelo menos por algum período.

Não existe dúvida que a atividade econômica desacelerou com a COVID-19, tendo como reflexo uma redução nas emissões em torno de 5% (parâmetro anual), embora se esperasse bem mais. Isto significa uma diminuição nas emissões de carbono para cerca de 48,5 bilhões de toneladas no período. Embora não seja o patamar ideal, é uma redução importante que, no mínimo, se fosse mantida para os próximos anos, já seria de grande valia. É claro, desde que mais de um milhão de pessoas não tivessem morrido e outras milhões não tivessem ficado desempregadas em todo o mundo em função da pandemia.

A COVID-19 deixa uma clara lição de que o desafio para a humanidade será muito maior para o enfrentamento do aquecimento global. Jamais serão atingidos os objetivos fixados pela COP21 apenas reduzindo o uso dos automóveis e dos aviões. As emissões não chegarão a zero com as atuais tecnologias disponíveis. Todos os meios que foram eleitos pela ciência no ano de 2015 para o corte das emissões, nos debates em Paris, se somados, são absolutamente insuficientes. O desafio é bem maior do que se esperava há seis anos, eu me lembro bem do período (2015-2016) em que estive na Columbia Law School (Sabin Center for Climate Change Law) e das expectativas de Stiglitz, Al Gore, Sachs, Oreskes,  Sunstein e de outros tantos que lá estiveram e falaram sobre o tema.

Assim como na atual ação emergencial e de mobilização econômica, social e científica para o combate à COVID-19, será necessário ampliar os esforços para o combate ao aquecimento global com incentivo à pesquisa. É preciso produzir eletricidade com zero emissões de carbono, fabricar produtos, cultivar alimentos, refrigerar e aquecer prédios e transportar as pessoas de maneira sustentável. As sementes precisam ser resistentes as variações climáticas para a produção de alimentos, inclusive para agricultura de subsistência e comunitária, para oferecer menores riscos à saúde humana e, ao mesmo tempo, combater à fome global.  

E, de fato, relevante é tornar as energias renováveis mais baratas e confiáveis para que possam suplantar, não apenas no aspecto político, a indústria dos combustíveis fósseis que subsiste em um cenário econômico artificial em virtude da não precificação do carbono em escala global. As externalidades negativas geradas pelas emissões precisam ser consideradas. A tributação sobre o carbono e um sólido mercado de cap-and-trade, instrumentos essenciais para o combate ao aquecimento global, ainda engatinham se analisada a economia mundial.

A cidadania pode também fazer a sua parte ao optar por carros elétricos (ainda muito caros) ou comer menos carne. As pessoas podem dar estas sinalizações ao mercado. Ou seja, ao mostrar interesse ou desinteresse, estimulam ou desestimulam a produção e o comércio.  É natural que recursos que antes eram alocados para produtos derivados de fontes emissoras, desloquem-se para a produção e o comércio sustentáveis. Este movimento do mercado, estimulado por nudges[8], certamente pode gerar produção em larga escala e diminuir os preços dos produtos descarbonizados.

Este recado também precisa ser passado aos investidores para financiar empresas verdes e inovações que serão necessárias para que possamos chegar as emissões negativas. Quando estou fazendo referência aos investidores, incluo entre estes o Estado que tem um papel central para o estímulo das pesquisas nas quais a iniciativa privada não tem interesse inicial.

Os cidadãos, nas suas residências, os entes, privados e estatais, nos seus estabelecimentos, precisam trocar suas lâmpadas incandescentes por outras de led, instalar termostatos inteligentes, melhorar o isolamento térmico das janelas, adquirir eletrodomésticos eficientes ou trocar, nos casos em que possível, os sistemas de aquecimento e de resfriamento por bombas de calor. As construções públicas e privadas podem usar aço reciclado e utilizar material de construção com desempenho superior em isolamento térmico.

A cidadania precisa envolver-se na criação de políticas públicas sustentáveis. Deve existir um incremento, igualmente, nas parcerias publico-privadas para que estejam comprometidas com a descarbonização gradual da economia. As grandes companhias devem ter como meta as emissões negativas e apoiar o financiamento para a ciência básica e para os programas de desenvolvimento e de pesquisa aplicada. Uma visão utilitária derrubou as pesquisas e o desenvolvimento corporativo solidário nos últimos anos. Os programas de pesquisa governamentais devem se aproximar do empresariado para que a pesquisa se concentre nas ideias com maior chance de transformarem-se em produtos sustentáveis. Embora nem sempre a pesquisa governamental gere ganhos sociais iniciais, ela deve ser incentivada e apoiada pelo setor privado para que se ampliem as chances de inovações verdes.

Somadas a estas medidas, deve o Estado adotar, levando em consideração o pior dos cenários possíveis[9] e os valores atinentes à dignidade da pessoa humana que não podem ser precificados[10] em uma análise de risco, medidas de precaução e de prevenção, que são de custo baixo, se comparadas aos riscos de catástrofes (incluindo a irreversibilidade destas) causadas pelas emissões antrópicas de gases de efeito estufa. 


[1] SUNSTEIN, Cass. Averting Catastrophe: Decision Theory for COVID-19, Climate Change, and Potential Disasters of All Kinds. New York: NYU Press, 2021.

[2] SEN, Amartya. Development as Freedom. New York: Random House, 1999.

[3] GATTES, Bill. How to Avoid a Climate Disaster: The Solutions We Have and the Breakthroughs We Need. New York: Knopf, 2021.  p. 43.

[4] KAHNEMAN, Daniel. Thinking, Fast and Slow. New York: Farrar, Straus and Giroux, 2011; SUNSTEIN, Cass; HASTIE, Reid. Wiser: Getting Beyound Groupthink to Make Groups Smarter. Cambridge: Harvard Business Review Press, 2015.

[5] KAHNEMAN, Daniel; SUNSTEIN, Cass; SIBONY, Olivier. Noise: A Flaw in Human Judgment. New York: Little, Brown Spark, 2021.

[6] Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público:

VI – promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente.

[7] GATTES, Bill. How to Avoid a Climate Disaster: The Solutions We Have and the Breakthroughs We Need. New York: Knopf, 2021.  p. 44.

[8] SUNSTEIN, Cass; THALER, Richard. Nudge: Improving Decisions About Health, Wealth and Happiness. New Haven: Yale University Press, 2008.

[9] SUNSTEIN, Cass. Worst-Case Scenarios. Cambridge: Harvard University Press, 2007.

[10] SUNSTEIN, Cass. Valuing Life: Humanizing the Regulatory State. Chicago: The Chicago Universtity Press, 2014.

Autores

  • é juiz federal, professor no programa de pós-graduação e na Escola de Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), professor coordenador de Direito Ambiental na Escola Superior da Magistratura Federal (Esmafe), pós-doutor em Direito, visiting scholar na Columbia Law School (Sabin Center for Climate Change Law) e na Universität Heidelberg — Instituts für deutsches und europäisches Verwaltungsrecht e diretor de Assuntos Internacionais do Instituto O Direito Por um Planeta Verde.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!