Prática trabalhista

O assédio moral laboral e o compliance trabalhista

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Aurea Maria de Carvalho

    é mestranda em Direito do Trabalho pela PUC/SP e em Direito da Sociedade da Informação pela FMU pós-graduada lato sensu em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela FMU extensão em Compliance Direito Digital e Proteção de Dados pela PUC/SP e advogada.

13 de maio de 2021, 8h30

O assédio moral sempre esteve presente nas relações de trabalho e, diante de tal realidade, é certo que a Convenção nº 155, de 1981, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Congresso Nacional em 1992 e promulgada pelo Decreto Federal nº 1.254/94, objetivou evitar que o assédio moral ocorra no espaço de trabalho, já que ele prejudica a saúde física e mental do trabalhador. Vale a ressalva de que a proteção do ambiente de trabalho encontra respaldo na tutela constitucional no rol dos direitos sociais (artigo 6º da CF/88), abrangendo também os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais (incisos XXII, XXIII e XXVIII do artigo 7º da CF/88). Dessa forma, o empregador que expuser seus funcionários a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho, cometerá assédio moral.

Tamanha é a importância do tema que o Tribunal Superior do Trabalho – TST, em parceria com o Conselho Superior da Justiça do Trabalho – CSJT, lançou a campanha “Pare e repare: por um ambiente de trabalho mais positivo”. Por meio da iniciativa do então presidente de ambos os órgãos, Ministro Brito Pereira, foram criadas cartilhas exemplificando inúmeras ofensas e agressões verbais capazes de caracterizar agressões verticais, horizontais e institucionais. Elas trazem também as causas e consequências da prática assediadora, orientando empregado e empregador sobre o que fazer quando se depararem com tais ocorrências. Assim, no dia 2 de maio de 2019, foi comemorado o primeiro Dia Nacional de Combate ao Assédio Moral.

Muito embora o tema seja recorrente, ainda não há efetivas medidas de prevenção, e as ações pleiteando indenização por danos morais oriundas de assédio moral ainda são as mais ajuizadas no país, compondo uma massa considerável no contencioso trabalhista. E isso impacta diretamente na imagem da empresa, denegrindo-a perante o mercado e a sociedade.

De acordo com informações do extinto Ministério do Trabalho e Emprego e do Tribunal Superior do Trabalho (TST), o assédio moral foi a denúncia mais feita no país nos últimos 10 anos, de modo que boa parte das empresas possui casos de assédio moral relatados.

Se formos analisar a questão em profundidade, a maioria das vítimas de assédio moral prefere não ter sua identidade revelada, enquanto a maior parte das denúncias são feitas pela internet, o que denota o temor da publicidade dos casos.

Talvez por estarem em um nível de comando, os superiores hierárquicos são apontados na maioria das denúncias como autores nos casos de assédio.

O que se vê são vários trabalhadores afastados do ambiente laborativo por problemas psicológicos decorrentes das ofensas sofridas. Aliás, neste atual momento em que muitos profissionais estão exercendo seu labor em home office, é possível notar a prática do assédio nas longas e exaustivas horas de expediente, ultrapassando — e muito — o disposto em lei. Afinal, quantos trabalhadores não estão sofrendo da síndrome de burnout?

Em sendo recorrente o número de trabalhadores afastados em decorrência do assédio moral, estudos comprovam que o assédio moral supera o crescimento de 60% nos últimos 10 anos. Para que se possa ponderar, em 2018 foram ajuizadas 56.160 novas ações alegando assédio moral, e em 2019 o TST computou um aumento absurdo para 112.022 novos pleitos, além das 4.786 ações pleiteando indenização por assédio sexual. Ou seja, quase 100% de aumento de um ano para o outro. Em 2020, talvez em decorrência do afastamento de muitos trabalhadores do local de trabalho, em razão da imposição do isolamento social pela pandemia da Covid-19, o número foi de 68.635 ações por assédio moral.1

Frise-se que os empregadores devem primar por um ambiente de trabalho sadio que promova o bem-estar do trabalhador. Obviamente, o Brasil está ainda muito distante dos países de primeiro mundo em razão da ausência de investimento na prevenção, qualificação dos empregados em cargos de gestão, e também na aplicação de medidas justas e imediatas para coibirem tais práticas assediadoras. Porém, isso não deve ser motivo para a disseminação de práticas e condutas coibidas moralmente e legalmente.

Tecnicamente, o assédio moral é, inclusive, classificado em (i) vertical descendente (do superior hierárquico ao inferior); (ii) vertical ascendente (de um, ou mais, inferior hierárquico ao superior); e (iii) o horizontal (entre trabalhadores de um mesmo patamar hierárquico).

Cabe o apontamento de que, para que haja a configuração do assédio moral, é necessária conduta reiterada, jamais um fato isolado. Há uma sistemática repetitiva, com direcionalidade a uma pessoa ou a um grupo de pessoas e com uma intenção de desmoralizar, desestabilizar ou mesmo levar a um pedido de demissão ou ainda causar uma demissão por justa causa.

No tocante ao assédio decorrente da cobrança de metas, é necessário o entendimento de que empresas podem e devem cobrar tais metas de seus colaboradores, mas desde que o façam de forma respeitosa, observando a dignidade do trabalhador, pois, do contrário, exsurge o assédio.

A meta é exercício do poder diretivo do empregador visando a geração de lucro. Contudo, é imprescindível que ela não imponha sofrimento ou maus tratos ao trabalhador, como ocorre com as metas inatingíveis, sob pena de serem consideradas ilegais.

Ainda que em pequena proporção, há empresas adotando a técnica de compliance, buscando transparência na relação com seus empregados, tornando ainda mais positivos os ambientes de trabalho. Nota-se o desenvolvimento de sistemas internos de controle de seus dirigentes e funcionários com o intuito de evitar a exposição negativa da empresa.

E isso é possível através de uma auditoria interna permanente para prevenir e apurar violações de direitos trabalhistas na empresa. Consequentemente, as atitudes passíveis de reprimenda praticadas de forma reiterada pelos assediadores tendem a se extinguir.

É importante que as empresas tenham um departamento independente de compliance, com estrutura responsável pela elaboração de um código de conduta, fiscalização de seu cumprimento e apuração, com consequente aplicação de sanção aos responsáveis.

A partir daí, torna-se viável a criação de canais seguros para que os empregados possam denunciar aquelas condutas tidas por ilegais e/ou contrárias ao regramento da empresa, seja de seus superiores hierárquicos, seja de seus pares, visando coibir assédios de todas as naturezas na relação de trabalho.

A empresa é a “segunda casa” do trabalhador, porque é justamente na empresa que ele passa a maior parte de seu dia, muitas vezes convivendo mais com seus colegas de trabalho que com seus próprios familiares. Não se trata de técnica impossível e onerosa, tampouco distante de ser aplicada no ambiente de trabalho.

Inobstante as questões financeiras atinentes ao tema, é de suma importância que não apenas os trabalhadores sejam submetidos a treinamentos constantes, mas, também, que o empregador se sujeite a eles, visando sempre o aperfeiçoamento da relação empregatícia ao bom convívio e a um meio ambiente de trabalho sadio. Afinal, os regramentos de conduta devem atingir a todos, desde o mais alto nível hierárquico, até os profissionais terceirizados.


1 http://www.tst.jus.br/web/estatistica/jt/assuntos-mais-recorrentes Acesso em 12/05/2021

Autores

  • é mestre em Direito pela PUC/SP, professor de Direito do Trabalho da Pós-Graduação da FMU, coordenador editorial trabalhista da Editora Mizuno, membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária e palestrante e instrutor de eventos corporativos pela empresa Ricardo Calcini. É especializado na área jurídica trabalhista com foco nas empresas, escritórios de advocacia e entidades de classe e membro do IBDSCJ, do Ceapro, da ABDPro, da Cielo e do Getrab/USP.

  • é mestranda em Direito do Trabalho pela PUC/SP; mestranda em Direito da Sociedade da Informação pela FMU; pós-graduada Lato Sensu em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela FMU; extensão em Compliance, Direito Digital e Proteção de Dados pela PUC/SP; advogada.

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