Benefícios de ICMS a indústrias da Zona Franca dispensam autorização do Confaz
12 de maio de 2021, 8h02
O acórdão não tratou, contudo, do artigo 15 do diploma, segundo o qual "o disposto nesta Lei não se aplica às indústrias instaladas ou que vierem a instalar-se na Zona Franca de Manaus, sendo vedado às demais Unidades da Federação determinar a exclusão de incentivo fiscal, prêmio ou estímulo concedido pelo Estado do Amazonas". Ou seja: a teor desse dispositivo, a concessão de incentivos de ICMS às indústrias situadas na ZFM independe de convênio autorizativo, podendo dar-se de forma unilateral pelo Estado do Amazonas, vedado às demais unidades federadas determinar o estorno dos créditos correspondentes.
Como é óbvio, a convalidação de um artigo de lei não acarreta a nulidade de outro artigo do mesmo diploma. A presunção, antes, milita em favor da constitucionalidade de todos. Cientes disso, mas tentando obviar a aplicação do artigo 15, alguns estados têm predicado a sua não recepção pela Constituição de 1988, aduzindo que esta (i) condiciona o creditamento de ICMS à respectiva incidência na etapa anterior (artigo 155, parágrafo 2º, inciso I) e (ii) exige prévio convênio para a concessão de qualquer benefício quanto ao imposto (artigo 155, parágrafo 2º, inciso XII, alínea “g”).
Como se sabe, o juízo de não recepção pressupõe diferença substancial entre os dispositivos da antiga e da nova Constituição aplicáveis à matéria. E a verdade é que os comandos relevantes da Emenda Constitucional 1/69 (em vigor quando da edição da Lei Complementar 24/75) eram virtualmente idênticos aos atuais: não cumulatividade, permitindo a dedução do imposto cobrado nas operações anteriores (artigo 23, inciso II), e exigência de convênio para benefícios de ICM (artigo 23, parágrafo 2º). Onde a diferença que justificaria a não recepção?
Muito pelo contrário, a Constituição de 1988 confere à ZFM um status especial no que toca à não cumulatividade. Como anotou a Ministra Rosa Weber no voto condutor do RE-RG 592.891/SP (Pleno, DJe 19.09.2019) – que garantiu créditos de IPI ao adquirente de insumos oriundos daquela área, mesmo sendo estes isentos – “subordinar o regime especial de isenção instituído pela norma de estatura constitucional preservadora da Zona Franca de Manaus à regra de creditamento do art. 153, § 3º, II, da CF, que, de fato, pressupõe cobrança anterior, vai, na minha compreensão, contra o sentido expresso da Constituição, e esta é que há de ser reverenciada, nos seus arts. arts. 3º, III, e 43, § 2º, III, e, no art. 40, caput, do ADCT”.
Ou seja: embora não haja IPI nas vendas oriundas da ZFM, a Constituição garante ao adquirente o direito aos créditos respectivos. Isso reforça a conclusão de que regra legal expressa em relação ao ICMS (o artigo 15 da Lei Complementar 24/75) foi por ela recepcionada, e não revogada.
Nem se invoque o artigo 155, parágrafo 2º, inciso II, alínea “a”, da Constituição de 1988, segundo o qual “a isenção ou não incidência, salvo determinação em contrário da legislação, não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes”. A restrição – inexistente na redação primitiva da EC 1/69, a qual admitia o creditamento integral mesmo em face de isenção, e que foi nela inserida pela EC 23/83[1] – tampouco interfere com a validade do art. 15 da lei complementar. Com efeito, este constitui exatamente a “determinação em contrário da legislação” autorizada no inciso II (seja da CF/88, seja da EC nº 1/69, na redação da EC nº 23/83), justificando a manutenção dos créditos na hipótese que disciplina (produtos industrializados oriundos da ZFM).
A demonstração acima é mesmo despicienda face ao artigo 34, parágrafo 8º, do ADCT, que afirma expressamente a recepção da Lei Complementar 24/75, fulminando de modo incontrastável a tese fazendária: “se, no prazo de sessenta dias contados da promulgação da Constituição, não for editada a lei complementar necessária à instituição do imposto de que trata o art. 155, I, ‘b’, os Estados e o Distrito Federal, mediante convênio celebrado nos termos da Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975, fixarão normas para regular provisoriamente a matéria”. Tal recepção é reiteradamente atestada pelo STF, como se vê dos julgados a seguir (nenhum deles relativo a leis amazonenses, note-se):
"(…) O pacto federativo reclama, para a preservação do equilíbrio horizontal na tributação, a prévia deliberação dos Estados-membros para a concessão de benefícios fiscais relativamente ao ICMS, na forma prevista no artigo 155, § 2º, XII, g, da Constituição e como disciplinado pela Lei Complementar 24/75, recepcionada pela atual ordem constitucional. (…)" (Pleno, ADI 5.467/MA, relator ministro Luiz Fux, DJe 16.09.2019)
"(…) Concessão de benefícios fiscais relativamente ao ICMS, por Estado-membro ao arrepio da norma inscrita no art. 155, § 2º, inciso XII, alínea g, porque não observada a Lei Complementar 24/75, recebida pela CF/88, e sem a celebração de convênio: inconstitucionalidade." (Pleno, ADI 1.179/SP, relator ministro Carlos Velloso, DJ 12.12.2002)
"(…) O interesse dos Estados mostrou-se conducente à reserva a lei complementar da disciplina da matéria, e esta cogita da necessidade de convenio – Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975, recepcionada pela Carta de 1988 – artigo 34, § 8º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. (…)" (Pleno, ADI 902-MC/SP, relator ministro Marco Aurélio, DJ 22.04.94)
Em conclusão, a tese firmada no Tema 490 da repercussão geral não se aplica aos benefícios unilateralmente concedidos pelo Estado do Amazonas às indústrias situadas na ZFM, cujos clientes continuam a gozar de créditos equivalentes ao ICMS que teria incidido, não fosse a isenção.
[1] Que deu a seguinte redação ao inciso II do artigo 23 da EC 1/69:
“Art. 23, II – operações relativas à circulação de mercadorias realizadas por produtores, industriais e comerciantes, imposto que não será cumulativo e do qual se abaterá, nos termos do disposto em lei complementar, o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado. A isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação, não implicará crédito de imposto para abatimento daquele incidente nas operações seguintes.”
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