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ViaQuatro deve indenizar por implantar sistema de detecção facial nas estações

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10 de maio de 2021, 19h09

Por entender que a conduta da ré violou os direitos básicos dos consumidores e as regras de proteção dos dados pessoais sensíveis, a 37ª Vara Cível de São Paulo condenou a empresa ViaQuatro, concessionária da Linha 4 (Amarela) do metrô da capital paulista, a pagar R$ 100 mil por captar imagens de passageiros sem consentimento.

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Plataforma da estação República, um dos locais onde o sistema havia sido implantado
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O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) moveu a ação civil pública contra a empresa, alegando que nas estações da linha amarela haveria uso não consentido de reconhecimento facial dos usuários. A ViaQuatro teria implantado um sistema de câmeras que reconhecia a presença humana e identificava emoção, gênero e faixa etária das pessoas posicionadas em frente a anúncios publicitários. Segundo a organização autora, o mecanismo não teria finalidade de melhoria do serviço de transporte público.

Em 2018, época de implementação da iniciativa, foi concedida liminar que determinou o desligamento das câmeras e proibiu a empresa de captar imagens e sons dos passageiros. A ré argumentou que não haveria coleta ou armazenamento de dados pessoais no sistema, mas apenas detecção facial para fins estatísticos.

A juíza Patrícia Martins Conceição, porém, observou que os autos não demonstravam tal limitação do sistema. Ela apontou que a iniciativa teria o intuito de beneficiar a ré e suas contratadas: "É evidente que a captação da imagem ora discutida é utilizada para fins publicitários e consequente cunho comercial, já que, em linhas gerais, se busca detectar as principais características dos indivíduos que circulam em determinados locais e horários, bem como emoções e reações apresentadas à publicidade veiculada no equipamento".

Segundo a magistrada, o reconhecimento facial, mesmo que sem a identificação concreta do indivíduo, já esbarraria no conceito de dado biométrico, considerado como dado pessoal sensível e regulado pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais.

"Os usuários não foram advertidos ou comunicados prévia ou posteriormente acerca da utilização ou captação de sua imagem pelos totens instalado nas plataformas, ou seja, os usuários nem mesmo têm conhecimento da prática realizada pela requerida, o que viola patentemente o seu direito à informação clara e adequada sobre os produtos e serviços, bem como à proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais", destacou a juíza.

Para ela, a conduta seria bastante reprovável e atingiria a moral e os valores coletivos, devido ao número incalculável de cidadãos que transitam pelas estações, dentre os quais menores de idade protegidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

O Idec pedia a indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 100 milhões. A magistrada considerou que o montante seria extremamente excessivo, "principalmente porque não há nos autos demonstração de que as imagens tenham sido compartilhadas e armazenadas de forma permanente ou publicadas em meio de comunicação de fácil e ampla propagação". Assim, fixou o pagamento de R$ 100 mil.

"Essa é uma decisão inédita do país, que mostra como precisamos avançar em nossa cultura de coleta de dados. Não é admissível que uma empresa que atenda milhares de pessoas por dia coloque em prática um sistema como esse sem informação adequada, sem transparência e ainda sem pedir consentimento. É uma clara prática abusiva, já que o transporte público se trata de um serviço essencial, e as pessoas não tinham qualquer informação de que aquela coleta de dados estava ocorrendo", afirma o advogado Michel Roberto de Souza, do programa de direitos digitais do Idec.

Em nota, a ViaQuatro diz que não foi intimada da decisão. Leia a íntegra:

"A ViaQuatro, concessionária responsável pela operação e manutenção da Linha 4- Amarela de metrô de São Paulo, informa que não foi intimada sobre a possível decisão. A Concessionária aproveita o ensejo para reafirmar que o sistema que é objeto da ação não ostentava propriedades que permitissem o reconhecimento facial de seus usuários, e, nesta oportunidade, reforça seus princípios de transparência e conformidade com respeito a todos seus passageiros, além do pleno atendimento à legislação vigente, inclusive ao que concerne à legislação superveniente específica relativa à proteção de dados, a LGPD".

Clique aqui para ler a decisão
1090663-42.2018.8.26.0100

Texto alterado às 21h45 de 10/5, para acréscimo da nota da ViaQuatro.

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