Presunção de inocência

Mente do jurado pode funcionar em linhas tortuosas, diz McElhaney

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1 de maio de 2021, 9h23

Ainda na faculdade, o estudante de Direito não pode esperar o dia em que, finalmente, irá encarar um júri popular. Nesse dia, irá fazer valer alguns direitos do réu, com os quais ficou encantado nas últimas aulas. Seu cliente será defendido com todas essas e outras armas do arsenal da defesa. São direitos — ou princípios — que não serão apenas falados. Serão anunciados nas alegações finais, para que os jurados não os deixem passar despercebidos.

ABA Journal
Professor e escritor Jim McElhaney
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Pode ser uma tentação anunciar, com alguma eloquência, que todo réu é inocente até que se prove o contrário, que o ônus da prova cabe à acusação, que in dubio pro reo, que o réu não precisa testemunhar porque tem garantia da lei contra autoincriminação, que a acusação deve oferecer prova além da dúvida razoável — esse, um favorito americano.

Mas, em vez de se empolgar, o advogado de defesa deve pensar bem, quem sabe duas ou três vezes, antes de anunciá-los aos jurados, mesmo sabendo que seria bom esclarecer esse grupo de leigos sobre os direitos do réu.

Armas, mesmo que eficazes e aparentemente atraentes, têm seus problemas. Podem ter dois gumes. Podem fazer o tiro sair pela culatra. Às vezes, falham. Às vezes, vêm com defeito de fabricação.

O advogado, escritor e acadêmico da Faculdade de Direito da Universidade de Cleveland, Jim McElhaney, apaixonado pelo tribunal do júri, acredita que o anúncio aos jurados de que a acusação deve oferecer prova além da dúvida razoável (proof beyond a reasonable doubt) contém uma armadilha embutida.

Ele escreveu um artigo sobre isso, publicado pelo Jornal da ABA (American Bar Association), no qual afirma que, mesmo que a intenção do advogado seja apenas a de esclarecer os jurados, essa não é uma comunicação que funciona em linha reta.

A mente do jurado pode funcionar em linhas tortuosas.  E ele pode perceber essa declaração como uma admissão de culpa: "Ah, então ele acredita que o réu é culpado". Para McElhaney, "é um erro terrível sinalizar aos jurados que, na verdade, você acredita — ou desconfia — que seu cliente é culpado".

Para ilustrar seu ponto de vista, ele pede a seu leitor para imaginar um jurado assistindo a um treino de beisebol na faculdade e presenciando uma discussão, em dois cenários, entre dois estudantes.

Cenário 1:
"Essa luva aí é minha".
"Não, não é. Sua luva tem um cordão quebrado"

Cenário 2:
"Essa luva aí é minha"
"Você não pode provar"

Se o personagem-jurado for imparcial, ele precisará de mais provas para chegar a uma conclusão, acima de uma dúvida razoável, sobre a culpa ou não de quem está sendo acusado. Se não for ilustrado nessa área, irá fazer um julgamento com base em sua percepção — ou impressão.

O jurado não é ilustrado em lides jurídicas. "Você não pode provar" não é exatamente uma admissão de culpa. Mas, não cheira bem. Ou, onde há fumaça, há fogo (mesmo que não haja).

Semente da dúvida
Em outras palavras, o advogado planta, ele mesmo, a semente da dúvida, quando pede ao júri para presumir a inocência do réu, a não ser que a acusação prove a culpa dele além de uma dúvida razoável, diz McElhaney. O jurado pode, também, interpretar suas palavras como uma concessão de que o réu é realmente culpado, embora a acusação não tenha apresentado provas suficientes.

A menção à prova além da dúvida razoável presume três conclusões diferentes pelo jurado, diz McElhaney: 1) O réu é culpado; 2) O réu é inocente; 3) Não sei se o réu é culpado ou inocente. A última cria o benefício da dúvida. Mas, dizer isso ao jurado realmente cria a impressão de que o réu é culpado, que seu advogado sabe disso, mas quer esconder seu sentimento secreto atrás de uma filigrana técnica.

Esqueça esses direitos, então?

Não, de maneira alguma. Embora seja melhor apresentar contraprovas, refutar testemunhos ou minar a credibilidade de testemunhas, convencer os jurados de que o réu é inocente, há casos em que não é possível tapar o sol com a peneira. Então, todo advogado sabe, é preciso recorrer a tecnicalidades.

Mas, há casos em que, embora a culpa do réu não seja tão óbvia, há dúvidas — ou provas circunstanciais que sugerem que a balança pesa contra o réu. Nesses casos, tais direitos do réu podem ser um recurso apropriado, desde que "consumido com moderação" — e talvez com uma dose de imaginação.

O gato e o rato
Jim McElhaney cita, em seu artigo, um exemplo, baseado na eterna disputa entre o gato e o rato. Essa estratégia foi bem usada pelo advogado Peter de Manio, de Sarasota, Flórida, e depois apresentado em uma demonstração no National Institute for Trial Advocacy. Para um advogado de defesa, a introdução foi surpreendente. Ele disse aos jurados:

"É possível para a Promotoria provar a culpa além da dúvida razoável, baseando-se apenas em prova circunstancial, sem qualquer testemunha ocular?"

"Claro que é. Vou dar um exemplo simples. Suponha que você pegue um rato e o coloca em uma caixa. Então, pegue um gato e o coloque na mesma caixa com rato. Tampe e amarre a caixa com um cordão forte, para ela não se abrir."

"Saia da sala por meia hora. Ao retornar, desamarre o cordão, abre a caixa e olhe lá dentro. Não há mais um rato lá. Mas há um gato feliz."

"Sabe o que aconteceu? Você não estava lá, não havia testemunha, tudo que você tem é essa prova circunstancial. Mas você sabe, além de qualquer dúvida razoável, o que aconteceu com o rato."

"Mas, vamos repetir a cena. Coloque o rato na caixa, coloque o gato, coloque a tampa, amarre a caixa com um cordão forte para ela não se abrir, saia da sala por meia hora, abra a caixa e olhe dentro dela”. “Lá está o gato. E nenhum rato."

"Mas, olhe bem. Lá no fundo da caixa. Tem um buraco. E ele é grande o suficiente para caber um rato."

"O buraco é a dúvida razoável. Agora, vamos ver os buracos no caso da acusação."

Outro ponto alto dessa fábula criada por Peter de Manio, segundo McElhaney, foi o de que o advogado jogou bem com os valores subliminais dos jurados. Em todos os desenhos animados sobre a eterna briga de gato e rato, a audiência — pelo menos em maioria — torce para o rato.

Os jurados certamente sentiram um alívio ao saber que o rato escapou pelo buraco. E o advogado colocou dúvidas em suas mentes sobre a prova circunstancial da acusação, sem criar suspeições de que admitia a culpa de seu cliente.

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