Novo normal

"Quem se adaptou está bem", diz presidente do Cesa sobre a pandemia

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29 de junho de 2021, 10h00

O avanço da Covid-19 no país teve efeitos variados nos escritórios de advocacia. A crise econômica ressalta a máxima darwiniana de que "não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças". Para os adaptáveis tudo está e ficará bem.

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É o diagnóstico do advogado Gustavo Brigagão. Ele assumiu em março deste ano a presidência do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa). O novo mandatário, sócio do Brigagão, Duque Estrada Advogados irá gerir a entidade no triênio 2021-2024.

Brigagão faz questão de ressaltar as gestões anteriores e afirma que o primeiro desafio de sua gestão será garantir o bom papel que a entidade vem desempenhando desde sua fundação.

"Três das principais metas que temos são as de manter o progressivo alargamento e abrangência da atuação do Cesa nos debates institucionais relativos às questões jurídicas mais relevantes do país e, sempre de forma apolítica, adotar medidas que incentivem e garantam maior diversidade e inclusão nos escritórios de advocacia e buscar tornar a instituição mais atrativa para os jovens advogados", explica em entrevista, por e-mail, à ConJur.

Outro aspecto destacado por Brigagão como um dos reflexos do "novo normal" é a necessidade dos escritórios em avaliar a necessidade da manutenção de estruturas físicas muitas vezes caras e cuja importância foi relativizada com a adoção em larga escala do home office. Mas, nem tudo é adaptável ou pode ser flexibilizado para o novo mandatário do Cesa. Ele é crítico ao Plenário Virtual adotado pelo Supremo Tribunal Federal e defende que o "olho no olho" é fundamental para que a ampla defesa seja assegurada.

"Isso obviamente não ocorre no mero envio de uma gravação da sustentação ao tribunal, em um julgamento que se dá por meio de meras postagens virtuais dos votos proferidos por cada julgador, sem que haja, repito, qualquer debate entre eles nem a presença dos advogados das partes", aponta.

Brigagão também não poupa críticas a decisões como a que determinaram o bloqueio de contas e bens de escritórios de advocacia ou determinam mandados de busca e apreensão. "Um escritório de advocacia é depositário de informações das mais diversas naturezas e relativas aos mais variados clientes, todas protegidas por absoluto sigilo profissional.  Essas informações encontram-se, em regra, armazenadas em servidores, que são justamente os que mais são objeto dessas buscas e apreensões de que estamos falando", afirma.

Leia abaixo a entrevista:

ConJur — Quais são os principais desafios de sua gestão a frente do Cesa?
Gustavo Brigagão — Como primeiro não paulistano eleito presidente do Cesa (sou do Rio de Janeiro) e sucessor do nosso querido Carlos José Santos da Silva [Cajé] — que, juntamente com a Moira Huggard-Caine, conduziu a instituição por seis anos, com a mais absoluta excelência —, o meu principal desafio será o de manter, ao lado da vice-presidente Cristiane Romano, a proficiência e incansável atuação em prol das sociedades. É o que o Cesa vem fazendo durante todas essas décadas e assim será na nossa gestão. Três das principais metas que temos são as de manter o progressivo alargamento e abrangência da atuação do Cesa nos debates institucionais relativos às questões jurídicas mais relevantes do país e, sempre de forma apolítica, adotar medidas que incentivem e garantam maior diversidade e inclusão nos escritórios de advocacia e buscar tornar a instituição mais atrativa para os jovens advogados, de forma a garantir que os quadros sejam sucessivamente renovados.

 ConJur — A regulamentação para a publicidade e propaganda de escritórios para internet deveria ser mais clara?
Brigagão — Essa é uma questão que, entre outras relacionadas ao tema, está sendo examinada no âmbito da OAB Nacional.  Há um projeto sendo examinado por ela cujo objetivo é o de fazer algumas alterações nas regras em vigor, previstas no Provimento 94/2000. Quanto ao uso da internet por advogados ou sociedades de advogados para fazer publicidade das suas áreas de atuação, ele é inevitável, mas deve ser regido pelo mesmíssimo princípio que rege essa publicidade por qualquer outro meio.  Por esse princípio, o advogado e as sociedades de advogados devem sempre agir com sobriedade, moderação e discrição, em estrita observância às normas do Código de Ética e Disciplina e do provimento a que me referi há pouco.

Não se pode tratar a oferta de serviços jurídicos como se fosse comercialização de mercadorias em uma liquidação de final de ano. A advocacia é constitucionalmente considerada indispensável à administração da Justiça e, como tal, deve obedecer a uma liturgia que preserve os valores a que me referi acima. É o que determina o Estatuto da profissão o seu Código de Ética e o Provimento 94/2000.

ConJur — Quais mercados parecem mais promissores para advocacia?
Brigagão — Os relacionados às novas tecnologias. De um modo ou de outro, vários ramos do Direito Civil, Comercial, Tributário, Penal, Autoral, Processual, entre outros, passaram a lidar com questões relacionadas a essas atividades. Novos regramentos estão, inclusive, sendo criados para tratar de questões para as quais não se dava tanta relevância no passado recente, como é o caso da utilização e tratamento de dados de terceiros regulado recentemente pela Lei Geral de Proteção de Dados, a LGPD.  Esses dados são obtidos, na maioria das vezes, por intermédio dessas novas tecnologias.  Esse é o tema do presente e do futuro, já que a sua expansão e desenvolvimento são inimaginavelmente ilimitados. Há outras áreas que também vêm crescendo nos escritórios: agronegócio, compliance, wealth management, ambiental e registros de medicamentos são algumas delas.

ConJur — O ensino jurídico do país tem acompanhado as tendências e demandas do mercado?
Brigagão — As faculdades de Direito têm se esforçado para que esse acompanhamento ocorra, mas ainda há muito a ser feito. Por iniciativa de um dos nossos diretores, o Luiz Novaes, o Cesa está patrocinando institucionalmente um projeto da FGV que tem por objeto a pesquisa, no âmbito dos escritórios de advocacia, sobre as novas competências necessárias ao exercício da profissão.

O objetivo é identificar que habilidades são atualmente requeridas dos profissionais que integram os escritórios, não só juridicamente, mas na prática também. Voltando ao tema "novas tecnologias", são incontáveis as situações em que esses profissionais têm que lidar com programas das mais diversas naturezas para a simples protocolização de uma petição. De posse dessas informações, as faculdades poderão buscar adequar os seus programas de forma a preparar os alunos para a realidade que encontrarão na vida profissional, quando se formarem.

ConJur — O que mais que tem incomodado a advocacia no Judiciário?
Brigagão —  Eu diria que um dos maiores incômodos que a advocacia encontra atualmente no Judiciário é a dificuldade que os advogados vêm enfrentado, de forma agravada neste período pandêmico, para fazer meros despachos com magistrados sobre os casos que patrocinam.  Essa dificuldade  — aliás, vedada pela legislação de regência — impede que a advocacia seja exercida em sua plenitude. Outro aspecto que preocupa a advocacia (e aqui vai uma opinião pessoal, e não institucional) é a forma como jurisprudências consolidadas há anos vêm sendo, com tanta frequência e facilidade, superadas pelos tribunais superiores.  E isso ocorre, muitas vezes, na sistemática de plenário virtual (no STF, por exemplo), em que as questões não são sequer debatidas pelos magistrados e as sustentações orais são feitas pelos advogados das causas de forma absolutamente precária por meio do envio de gravações ao tribunal cuja garantia de que serão ouvidas é absolutamente inexistente.

Me refiro ao Plenário Virtual e não aos julgamentos por videoconferência, em que tudo se dá da mesma forma que se daria caso o julgamento fosse presencial. Quanto a esses, apesar de não serem presenciais, não tenho qualquer objeção mais acentuada. Mas, voltando ao Plenário Virtual, ele não poderia nem deveria ser utilizado em julgamentos de que pudesse resultar superação de precedentes (overrulings), como ocorreu em diversos casos recentemente julgados pela Suprema Corte. Pelo princípio da oralidade, não há como conceber-se uma sistemática de julgamento que não garanta ao advogado demonstrar a sua linha argumentativa no momento em que o julgamento se realiza.  É o "olho no olho" indispensável para que a ampla defesa seja assegurada, o que, obviamente, não ocorre no mero envio de uma gravação da sustentação ao tribunal, em um julgamento que se dá por meio de meras postagens virtuais dos votos proferidos por cada julgador, sem que haja, repito, qualquer debate entre eles nem a presença dos advogados das partes. O Plenário Virtual deve ser utilizado somente para julgamento de questões de menor relevância, como a atribuição de repercussão geral a determinadas demandas, mas nunca de questões inéditas ou de cuja votação possa decorrer uma reviravolta jurisprudencial.

ConJur — Como o senhor enxerga decisões como a que determinaram o bloqueio de contas e bens de escritórios de advocacia?
Brigagão — Essas iniciativas configuram inaceitável tentativa de restringir ou, até mesmo, coibir o exercício da advocacia. Exceto nas hipóteses em que os escritórios tenham, eles próprios, agido proativamente no auxílio ou na própria prática de ilícitos, essas práticas devem ser repudiadas com a mais absoluta veemência.  Como disse há pouco, a advocacia é indispensável à Justiça.  Aliás, não sou eu quem diz isso, é a própria Constituição Federal. Um escritório de advocacia é depositário de informações das mais diversas naturezas e relativas aos mais variados clientes, todas protegidas por absoluto sigilo profissional.  Essas informações encontram-se, em regra, armazenadas em servidores, que são justamente os que mais são objeto dessas buscas e apreensões de que estamos falando.  Quanto ao bloqueio de contas e bens de propriedade de escritórios, exceto, repito, se baseado na inequívoca prova de que os escritórios estão, eles próprios, envolvidos na prática de ilícitos, não há como permiti-lo. Disso decorreria aceitar que os advogados são solidariamente responsáveis pelos ilícitos cometidos por seus clientes.

ConJur — Recentemente vimos casos de violações sérias como o caso de escritórios terem sido grampeados clandestinamente no curso de investigações criminais. Como o Cesa na sua gestão pretende se posicionar em relação a proteção das prerrogativas da advocacia
Brigagão — Essa pergunta está muito relacionada com a resposta que dei acima, no que concerne à inviolabilidade dos escritórios e à garantia do sigilo profissional.  Só que, aqui, há o agravante de que a violação é de grau ainda maior, já que tem por objeto conversas entre o profissional e os seus clientes, que normalmente são marcadas por momentos íntimos do contato entre ambos.  O Cesa age de forma muito alinhada com a OAB, tanto a nacional quanto as suas seccionais. Nessas situações, das quais se excetuam aquelas em que a prática do ilícito é imputada ao próprio escritório, e não ao seu cliente, o Cesa busca manifestar-se com veemência de forma contrária ao abuso, bem como apoiar e auxiliar a OAB no que for necessário a que seja dirimida a violação aos direitos do escritório vítima do excesso.

ConJur — Nos últimos anos, por conta de ações midiáticas como as da "lava jato", se cristalizou em parte da opinião pública um entendimento que confunde a figura do advogado com a do acusado. Como resguardar a imagem da advocacia em um ambiente tão polarizado?
Brigagão — A política e a Justiça não devem se misturar. A Justiça deve se ater a aplicar o Direito na forma como determinado pelas leis e pela jurisprudência, sem levar em consideração nem aspectos políticos nem a opinião pública para um lado ou outro. Quando isso não ocorre, há imediata reação daqueles que estão no polo oposto dos beneficiados pelas decisões proferidas. E isso se agrava em um ambiente polarizado, como esse a que você corretamente se refere. Nesse cenário, os advogados acabam por sofrer as consequências, já que representam aqueles que estão sendo protegidos pelas tais decisões. Nessas circunstâncias, o Cesa se mantém atento para ver se, em decorrência desse comportamento, resta configurada alguma violação às prerrogativas da advocacia.  Se houver, o Cesa reage da mesma forma a que me referi nas respostas anteriores.

ConJur — Como o senhor enxerga a problemática em torno de escritórios de advocacia estrangeiros que prestam consultoria no país? É alinhado ao posicionamento da OAB?
Brigagão — Sou presidente da comissão especialmente criada pelo Conselho Federal da OAB para avaliar essa questão, em face do possível ingresso do Brasil na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Nessa condição, elaboramos parecer em que demonstramos que as próprias regras daquele organismo internacional admitem a instituição de reservas que viabilizem o estabelecimento de restrições à atuação de escritórios estrangeiros no país.  É o que ocorre, aliás, em 19 dos 36 países que compõem a OCDE. Essa questão foi posta em votação, em sessão plenária do Conselho Federal, e, por unanimidade, consolidou-se a posição de que o estabelecimento de restrições não inviabiliza o ingresso do país naquele órgão.  A posição do Cesa é a mesma, no sentido de que as regras em vigor são adequadas e devem prevalecer.  Por elas, a atuação dos escritórios estrangeiros em território nacional está restrita à prestação de serviços jurídicos que tenham por objeto consultas relativas a matérias referentes ao ordenamento jurídico do país de origem. Não, as relativas ao direito nacional, nem em consultoria nem no contencioso.

ConJur — Como a crise econômica imposta pelo avanço da Covid-19 tem afetado os escritórios?
Brigagão —  Essa pandemia foi algo impensável.  Ela modificou as nossas vidas de uma forma radical, e algumas dessas mudanças vieram para ficar. Umas trouxeram melhorias, outras problemas. Um dos aspectos que nos foram favoráveis foi a melhor utilização das tecnologias, sobre as quais tanto falamos nesta conversa. Muitas dessas tecnologias já estavam ao nosso dispor, mas nós não as utilizávamos, porque a nossa vida tinha outro ritmo e estava sujeita a outros tipos de demandas. Várias viagens desnecessárias, para representar clientes em outros estados ou no exterior eram realizadas, e agora deixaram de sê-lo porque tudo poderá ser feito à distância.  Isso, para quem não saía do avião, representou inegável melhoria de qualidade de vida.

Um aspecto que gerou desconforto para os escritórios foi o desencontro das regras relativas a prazos. Elas foram, por vezes, criadas de forma desencontrada e não uniforme. A saúde mental dos integrantes dos escritórios foi outro ponto que exigiu atenção. O nível de ansiedade diante de tantas modificações e incertezas aumentou muito.

Em decorrência dessas mudanças, muitos escritórios passaram a questionar a necessidade de espaço físico nos moldes que existiam no período pré-pandêmico. Com o home office, essa necessidade ganhou novas dimensões, bem mais brandas, e alguns escritórios passaram a reavaliar o tamanho físico das suas estruturas.

Enfim, muitas foram as mudanças e, de uma forma geral, alguns escritórios se adaptaram a elas e outros, não. Alguns enxergaram oportunidades nos novos cenários que se formaram, outros não. Respondendo a sua pergunta, os efeitos econômicos da crise têm variado conforme a capacidade de adaptação dos escritórios e de recorrer à criatividade para lidar com todas essas novidades.  Como disse Charles Darwin, "não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças". Para os adaptáveis, está tudo muito bem.

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