Reflexões Trabalhistas

Atividades de risco e responsabilidade objetiva nos acidentes de trabalho

Autor

  • Raimundo Simão de Melo

    é doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP professor titular do Centro Universitário do Distrito Federal-UDF/mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho consultor jurídico advogado procurador regional do Trabalho aposentado e autor de livros jurídicos entre eles Direito Ambiental do Trabalho e a Saúde do Trabalhador.

30 de julho de 2021, 8h00

Estabelece o parágrafo único do artigo 927 do novo Código Civil que "haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem".

Trata-se de importante novidade no ordenamento jurídico brasileiro, adotando expressamente a teoria do risco como fundamento da responsabilidade objetiva, paralelamente à teoria subjetivista da culpa.

Em relação aos acidentes de trabalho nas atividades de risco, temos duas importantes questões a enfrentar: 1) se tal preceito civil tem aplicação nas ações acidentárias, diante do que dispõe o inciso XXVIII do artigo 7º da Constituição Federal, para se reconhecer a responsabilidade objetiva do empregador; 2) o que é atividade de risco para efeito de se aplicar a responsabilidade objetiva.

Quanto à primeira questão, interpretando sistematicamente o artigo 7º da Constituição Federal com o seu inciso XXVIII não há maiores dificuldades em acolher a tese. Logo após a entrada em vigor do Código Civil de 2002, poucos ousavam estender a aplicação da nova teoria do risco nos acidentes de trabalho, tendo em vista a expressão do inciso XXVIII do artigo 7º da Constituição Federal que assegura a responsabilidade subjetiva do empregador pelas indenizações de natureza civil.

Mas, como o Direito é dinâmico, empurrado pelos fatos sociais, logo a jurisprudência trabalhista passou a acolher essa tese, como ilustrativamente se vê da decisão seguinte, do TST:

"Ementa: Dano moral. Responsabilidade civil do empregador. Acidente do trabalho. 1. O novo Código Civil Brasileiro manteve, como regra, a teoria da responsabilidade civil subjetiva, calcada na culpa. Inovando, porém, em relação ao Código Civil de 1916, ampliou as hipóteses de responsabilidade civil objetiva, acrescendo aquela fundada no risco da atividade empresarial, consoante previsão inserta no parágrafo único do artigo 927. Tal acréscimo apenas veio a coroar o entendimento de que os danos sofridos pelo trabalhador, decorrentes de acidente do trabalho, conduzem à responsabilidade objetiva do empregador. 2. A atividade desenvolvida pelo reclamante — teste de pneus — por sua natureza, gera risco para o trabalhador, podendo a qualquer momento o obreiro vir a lesionar-se, o que autoriza a aplicação da teoria objetiva, assim como o fato de o dano sofrido pelo reclamante decorrer de acidente de trabalho. Inquestionável, em situações tais, a responsabilidade objetiva do Empregador" (TST — RR — 422/2004-011-05-00; 1ª Turma; DJ — 20/3/9; relator ministro Lélio Bentes Corrêa).

De acordo com o ministro Lélio Bentes Corrêa, a expressão "riscos da atividade econômica" deve ser compreendida de forma ampla. Assim, "não estão englobados apenas os riscos econômicos propriamente ditos, como o insucesso empresarial ou as dificuldades financeiras, mas também o risco que a atividade representa para a sociedade e, principalmente, para seus empregados". O ministro ressaltou que o princípio da responsabilidade objetiva, quando se trata de dano ligado à integridade física do trabalhador, "se justifica plenamente".

Aplicando a responsabilidade objetiva no referido caso, o ministro Vieira de Mello construiu uma analogia com o Código de Defesa do Consumidor (CDC), em que a responsabilidade objetiva é atribuída à empresa no caso de um produto que oferece risco ao consumidor pela sua elaboração, confecção e utilização. Ele argumentou que se o consumidor compra o pneu, o pneu fura e provoca um acidente, a empresa vai responder objetivamente. No entanto, se o empregado trabalha nessa linha de produção, fazendo o teste desses produtos, correndo o risco de um dano físico, pela teoria da responsabilidade subjetiva teria de provar a culpa da empresa. "Seria um contrassenso exigir a prova da culpa da empresa quando se trata do trabalho humano e, ao contrário, não haver essa exigência quando se trata do risco pela simples utilização do produto", afirmou.

Quanto à segunda questão — o que é atividade de risco —, cabe observar que estamos diante de um conceito aberto e não de uma regulamentação expressa sobre o que seja atividade de risco. A tarefa de enquadrar cada caso concreto como atividade de risco é da jurisprudência, com o auxílio da doutrina, aplicando a legislação existente.

Nesse sentido foi o entendimento do TST, quando sua 1ª Turma condenou uma serraria ao pagamento de indenização a um empregado que teve o antebraço amputado em decorrência de acidente de trabalho de um operador de picador, uma máquina utilizada pela indústria madeireira na produção de cavacos.

O TST assinalou que o Decreto nº 3.048/99, ao estabelecer riscos ocupacionais para fins de pagamento do seguro acidente de trabalho, classifica a atividade da empresa — serraria com desdobramento madeireira — como sendo de grau três, o máximo na escala, reservado apenas para aquelas em que o risco de acidente de trabalho seja considerado grave. A ementa ficou assim vazada:

"Ementa: Recurso de revista. Acidente de trabalho. Responsabilidade objetiva do empregador. Teoria do risco profissional. Indenização por danos material e moral. A responsabilidade objetiva, sem culpa, baseada na chamada teoria do risco profissional, adotada pela legislação brasileira, no parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, preconiza que o dever de indenizar tem lugar sempre que o fato prejudicial é decorrente da atividade ou profissão da vítima, conforme ocorreu na espécie, em que a atividade de desdobramento de madeira encontra-se classificada no anexo V do Decreto nº 3.048/99 como sendo de risco grave. Assim, restando incontroverso o acidente de trabalho sofrido pelo reclamante e o nexo de causalidade com o trabalho realizado, do que resultou a perda de seu antebraço esquerdo aos dezenove anos de idade, fica o empregador obrigado a reparar os danos morais e materiais decorrentes de sua conduta ilícita ou antijurídica. Precedentes" (Proc. nº TST-RR-26300-57.2006.5.09.0666; 1ª Turma, 27/2/2013; relator ministro Walmir Oliveira da Costa — grifos do autor).

Autores

  • é doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP, professor titular do Centro Universitário do Distrito Federal-UDF/mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas, membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, consultor jurídico, advogado, procurador regional do Trabalho aposentado e autor de livros jurídicos.

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