Prática trabalhista

A possibilidade da redução de jornada semanal e o direito à desconexão

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

15 de julho de 2021, 8h00

Recentemente, foi publicada uma matéria acerca dos testes realizados na Islândia a respeito de uma semana de trabalho de apenas quatro dias [1], que, segundo os pesquisadores, teria sido um sucesso. Aliás, outros países também estariam praticando experiências semelhantes, como no caso de Espanha [2], Nova Zelândia [3] e Japão [4].

Dito isso, surge a dúvida: seria possível adotar em nosso país uma semana de quatro dias de trabalho sem que houvesse prejuízo ao salário do trabalhador?

Primeiramente, impende frisar que a Constituição Federal, em seu artigo 7º, inciso XIII, estabelece a "duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho".

De outro lado, a Consolidação das Leis do Trabalho preceitua, em seu artigo 58, que a "duração normal do trabalho, para os empregados em qualquer atividade privada, não excederá de oito horas diárias, desde que não seja fixado expressamente outro limite".

Com o advento da Lei 13.467/2017, houve a inserção do artigo 58-A na CLT, que remodelou o contrato de trabalho em regime parcial. Contudo, nessa hipótese, o salário será proporcional àquele pago aos trabalhadores que desempenham idênticas funções em atividades laborais em tempo integral.

De outro norte, o artigo 611-A da Consolidação das Leis do Trabalho [5], introduzido que foi pela Lei 13.467/2017, dispõe que a convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho possuem prevalência sobre a lei, no que tange à pactuação quanto à jornada e trabalho, desde que observados os limites estabelecidos na Carta da República.

Se é verdade que, numa primeira análise, a regra contida na legislação brasileira é que a jornada de trabalho seja de, no máximo, oito horas diárias e 44 semanais, é de igual relevância salientar a possibilidade de sua redução mediante negociação coletiva com o sindicato.

Aliás, é importante ressaltar que, se a redução da carga horária não implicar em redução do salário do trabalhador, não haverá a necessidade de consentimento do sindicato profissional, uma vez que se trata de uma situação mais benéfica.

Observa-se que, conquanto a legislação seja expressa no sentido de impor a limitação máxima da jornada de trabalho, o caput do artigo 7º da Lei Maior disciplina um rol exemplificativo de direitos inerentes aos trabalhadores, de modo que deverão ser levados em conta outros que intentem ao progresso da condição social.

Com efeito, a norma constitucional preceitua, em seu artigo 6º, que "são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição".

A partir da análise desses direitos sociais que, ressalte-se, enquadram-se como direitos fundamentais, constata-se, de forma irrefutável, que o trabalho, assim como o lazer, é direito constitucional garantido a todos.

Nesse prumo, mostra-se oportuno o debate a respeito do direito à desconexão, estando nele compreendido o direito ao lazer e da própria limitação da jornada de trabalho. Para tanto de se citar os ensinamentos de Valdete Souto Severo e Almiro Eduardo de Almeida [6], a saber:

"(…) O excesso de jornada aparece em vários estudos como um dos maiores motivos para a depressão e o suicídio. Em outras searas, também, tem sido recorrente o tema das consequências que essa conexão demasiada gera no trabalhador. As facilidades de comunicação experimentadas no final do século passado e que constituem 'marca registrada' desse novo século acabam por impedir o verdadeiro exercício do direito fundamental à desconexão e, com isso, comprometem a higidez física e mental do trabalhador".

Observa-se, portanto, que as jornadas excessivas de trabalho, associadas à chegada dos novos meios de tecnologia, têm causado preocupação, face ao impacto direto na saúde dos trabalhadores, contribuindo para a exaustão, esgotamento profissional, estresse, entre outros fatores negativos.

Indubitavelmente, o que vemos hoje em dia é a busca incessante por uma melhor qualidade de vida. E essa qualidade não está relacionada apenas à questão da saúde física, mas, sim, o conjunto de fatores que vão influenciar a vida das pessoas, tais como: o trabalho; o lazer, o convívio familiar e as atividades culturais, mas não exclusivamente.

Nesse contexto, é importante frisar que, geralmente, a maior parte do tempo de vida do ser humano é dedicada ao trabalho. Em decorrência disso, podem ocorrer privações de momentos significativos de sua vida, inclusive com a abdicação do seu bem-estar pessoal.

Bem por isso, pode-se dizer, então, que a redução semanal do trabalho é capaz de trazer benefícios não só para o trabalhador, mas também para a empresa. E mais, pessoas saudáveis, via de regra, não necessitarão se afastar do trabalho para cuidar da sua saúde e tampouco se socorrerão da Previdência Social, de modo que a própria coletividade será ganhadora nesta circunstância.

Se o direito à desconexão é necessário para manter um ambiente de trabalho benéfico, de igual sorte um trabalhador com uma melhor qualidade de vida conseguirá ser mais comprometido, a ponto de aumentar a produtividade e os próprios lucros da empresa.

Nesse desiderato, nos parece ser incontroverso a possibilidade de o Brasil adotar uma jornada semanal de quatro dias, como aconteceu na Islândia, desde que, é claro, as empresas consigam adequar a sua atividade com esta redução de jornada, não podendo dita mudança se transformar em uma armadilha para o próprio trabalhador, acarretando ainda mais trabalho.

Entrementes, é indiscutível que o equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal poderá trazer benefícios para os trabalhadores, para as empresas e para toda a sociedade, inclusive impulsionando a própria economia, pois, uma vez que os trabalhadores tenham mais tempo disponível, mediante a manutenção de suas remunerações, as chances de consumo aumentam.

Em arremate, a supressão do direito à desconexão tem potencial imenso para que as pessoas vivam em sua sociedade enferma. Afinal, tendo em vista a preciosidade do tempo, os estudos sobre essa temática se revelam urgentes para que, efetivamente, todos consigam ter uma melhoria de sua condição social, e, por conseguinte, uma existência digna.

 


[1] G1 – O portal de notícias da Globo. Disponível em: < https://g1.globo.com/economia/noticia/2021/07/06/por-que-semana-de-quatro-dias-e-sucesso-gigantesco-na-islandia.ghtml >. Acesso em 11.07.2021.

[5] "Artigo 611-A – A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre: I – pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais".

[6][6] Direito à desconexão nas relações de trabalho / Almiro Eduardo de Almeida. Valdete Souto Severo – 2. Ed. – São Paulo : LTr, 2016, p. 39.

Autores

  • é mestre em Direito pela PUC-SP, professor de Direito do Trabalho da FMU, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, coordenador Acadêmico do projeto “Prática Trabalhista” (Revista Consultor Jurídico - ConJur), palestrante e instrutor de eventos corporativos pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos, e membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP).

  • é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD), pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô, membro da Comissão Especial de Direito do Trabalho da OAB-SP e pesquisador do Núcleo "Trabalho Além do Direito do Trabalho" da Universidade de São Paulo – NTADT/USP.

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