Currículo em dúvida

Indicação de general para Petrobras pode configurar abuso de poder da União

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23 de fevereiro de 2021, 18h50

O conselho de administração da Petrobras analisa nesta terça-feira (23/2) o pedido do governo Jair Bolsonaro para que os acionistas se reúnam em assembleia geral extraordinária (AGE) para aprovar a entrada do general Joaquim Silva e Luna no conselho — primeiro passo para ele assumir a presidência da companhia no lugar de Roberto Castello Branco.

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Indicação de general para Petrobras pode configurar abuso de poder da União

Porém, há controvérsia se o militar atende os requisitos da Lei das Estatais (Lei 13.303/2016). Se não for o caso, a União, como acionista controladora da Petrobras, pode ter que responder por perdas e danos causados a investidores.

Para assumir a presidência da petrolífera, é preciso ser membro do conselho de administração. Por isso, é necessário que AGE aprove o ingresso de Silva e Luna no órgão.

O artigo 17 da Lei das Estatais estabelece que o indicado para presidente de empresa pública ou sociedade de economia mista deve ser escolhido "entre cidadãos de reputação ilibada e de notório conhecimento", com experiência na área e formação acadêmica compatível com o cargo para o qual foi indicado.

Silva e Luna era diretor-geral da usina de Itaipu desde 2019. Antes disso, foi ministro da Defesa nos governos Temer e FHC e exerceu outras funções na pasta.

Ele se formou na Academia Militar das Agulhas Negras, aspirante a oficial da arma de Engenharia. Como general, foi comandante da 16ª Brigada de Infantaria de Selva, em Tefé (AM); chefe do Estado-Maior do Exército de 2011 a 2014 e comandou diversas Companhias de Engenharia de Construção na Amazônia. Além disso, Luna tem pós-graduação em Política, Estratégia e Alta Administração do Exército e doutorado em Ciências Militares pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército.

Há dúvidas se o currículo de Luna permite afirmar que ele experiência na área de petróleo e formação acadêmica compatível com a presidência da estatal. Com a incerteza sobre sua gestão, a Petrobras perdeu na última sexta e na segunda mais de R$ 100 bilhões em valor de mercado.

Para o advogado e especialista em Direito Público Paulo Dantas, sócio do Castro Barros Advogados, a decisão de trocar o presidente da empresa pode ser interpretada como abuso de poder da União (artigo 15 da Lei das Estatais). Isso por ser uma decisão que não tenha por fim o interesse da companhia e vise a causar prejuízo a acionistas minoritários, empregados ou detentores de valores mobiliários da empresa (artigo 117 da Lei 6.404/1976).

"Assim, demitir o presidente da Petrobras por eventual discordância de sua política de preços, que é definida de acordo com determinadas regras e protegida pelo estatuto da Petrobrás, pode gerar questionamentos judiciais neste sentido, tanto no Brasil quanto no exterior, já que a Petrobras é listada na bolsa de Nova York", avalia Dantas.

O advogado Reynaldo Guimarães Vallú Neto, especialista em governança corporativa do L.O. Baptista Advogados, também prevê ações por perdas e danos de investidores contra a Petrobras. Segundo o advogado, a falta de uma divulgação oficial de fato relevante impediu que os acionistas mudassem suas estratégias de investimentos, que poderiam ter sido reformuladas antes de as ações da companhia caírem 20% na bolsa. Uma eventual perda de receita da estatal daqui em diante também deve motivar ações judiciais.

"Dispositivos da lei asseguram que o acionista tem direito a perdas e danos quando há voto abusivo — neste caso, voto do acionista regulador, que é a União, representada por Bolsonaro. E o que aconteceu foi isso, um voto antecipado do acionista regulador."

Vallú Neto destaca que a intervenção de Bolsonaro acontece num momento em que o mercado de capitais vinha avançando em governança corporativa e que o ocorrido pode configurar abuso do poder de controle e voto com conflito de interesses.

Por outro lado, o especialista em Direito Administrativo Rafael Valim não enxerga abuso da União na nomeação do militar. "Parece-me que a formação e a trajetória do general Silva e Luna o habilitam a ocupar a presidência da Petrobras, nos termos da Lei das Estatais."

A Comissão de Valores Mobiliários abriu processo administrativo para apurar a troca de comando na Petrobras.

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