Faltou o amigo da corte

Salomão propõe anular acórdão que restringiu comprovação de feriado

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2 de fevereiro de 2021, 8h41

Para o ministro Luís Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça, a Corte Especial deve anular o julgamento da questão de ordem em que se definiu que a comprovação de feriado para contagem de prazo recursal é restrita à segunda-feira de Carnaval e não se aplica aos demais feriados, inclusive aos locais.

Gustavo Lima/STJ
Para ministro Salomão, acórdão deve ser anulado para permitir que amicus curiae seja intimado e se manifeste nos autos
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Em voto-vista lido nesta segunda-feira, na sessão de abertura do ano judiciário, ele defendeu que o julgamento da Questão de Ordem exige a intimação das partes e do amicus curiae (amigo da corte), para manifestação, restabelecendo o contraditório.

A questão de ordem foi proposta em fevereiro de 2020 pela ministra Nancy Andrighi e buscou fazer uma adequação entre o que a Corte Especial discutiu presencialmente quanto aos efeitos do precedente criado e o que foi efetivamente colocado no acórdão.

Primeiro, o colegiado decidiu que há necessidade de comprovação de que determinada data é feriado, sob pena de ficar caracterizada a intempestividade do recurso especial interposto. O caso concreto dizia respeito ao feriado da segunda-feira de Carnaval e foi relatado pela ministra Nancy Andrighi.

Essa tese foi, na sequência, modulada por questão de ordem suscitada pelo ministro Luís Felipe Salomão, em outubro de 2019. A decisão permitiu que, nos recursos que fossem interpostos até a data da publicação do acórdão, as partes pudessem comprovar o feriado.

Após o trânsito em julgado, a ministra Nancy Andrighi suscitou nova questão de ordem, em que propôs a delimitação da decisão anterior: a modulação só seria possível à segunda-feira de Carnaval e não se aplicaria aos demais feriados, inclusive aos locais. Por maioria de votos, a restrição foi aprovada pela Corte Especial.

Para esse julgamento, não houve inclusão em pauta ou intimação do amicus curiae. Assim, a Aasp ajuizou embargos de declaração alegando ofensa às garantias constitucionais e processuais. O voto do ministro Luís Felipe Salomão foi o primeiro a propor a anulação do julgado. O caso foi interrompido por pedido de vista do ministro Jorge Mussi.

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Para ministra Nancy Andrighi, amicus curiae não pode interpor embargos contra decisão em questão de ordem no STJ
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Cabimento do recurso
Ao analisar o caso, a ministra Nancy Andrighi não conheceu do recurso por entender que a Aasp, na condição de amicus curiae, não tem legitimidade para interpor embargos de declaração contra acórdão em questão de ordem.

Esse entendimento já foi seguido pelos ministros João Otávio de Noronha, Napoleão Nunes Maia, Laurita Vaz, Maria Thereza de Assis Moura e Herman Benjamin. São seis votos nesse sentido. A maioria na Corte Especial se forma com oito votos.

A ministra Nancy também explicou que a questão de ordem que restringiu o alcance da decisão da Corte Especial resolveu uma "flagrante inconsistência" entre o que foi discutido pelo colegiado e o voto posteriormente elaborado pelo ministro Salomão, autor do voto vencedor que definiu a modulação. Para a Aasp, a restrição da modulação prejudicou milhares de advogados.

O ministro Salomão divergiu por entender que a jurisprudência do STJ é pacífica em permitir embargos de declaração em decisões tomadas em questão de ordem. E porque o artigo 138 do Código de Processo Civil permite ao amicus curiae ajuizar embargos de declaração. "Ao deixar de conhecer os embargos, este colegiado estaria criando hipótese de não cabimento não prevista em lei", alertou.

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Aasp recorreu porque a questão de ordem prejudicou os interesses de seus associados

Legitimidade
"Não se pode olvidar que não se está a tratar de uma questão de ordem típica", disse o ministro Salomão. Em sua opinião, a decisão do STJ não apenas delimitou o alcance do acórdão da Corte Especial, mas teve efeito integrativo e modificativo, alterando uma tese já transitada em julgado e, assim, acobertada pelo manto da coisa julgada.

Ele também afastou a alegação de que a Aasp, como amiga da corte, não poderia contestar a questão de ordem porque estaria a atuar como terceira interessada. Ao amicus curiae não cabe defender posições, mas apresentar subsídios e informações para uma melhor decisão judicial.

Isso porque interesse e legitimidade institucional são requisitos para admissão de amicus curiae: a existência de representatividade adequada é uma exigência que consta no artigo 138 do CPC.

"A menção na petição ao fato de que o provimento judicial prejudicou os interesses de seus milhares de associados, longe de demonstrar a vedada defesa de interesses particulares, é consequência natural da existência da representatividade que se exige de todo e qualquer amicus curiae", defendeu o ministro.

O pedido de vista do ministro Jorge Mussi ainda travou o julgamento de outros recursos que deverão avaliar se a comprovação de feriado referente à segunda-feira de Carnaval, para fins de tempestividade de recurso, pode ser estendida a outras datas não inclusas como feriado por lei federal.

REsp 1.813.684

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