Ambiente Jurídico

O município, a questão do clima e os planos de ação climática: o caso de João Pessoa

Autores

  • Marcelo Bedoni

    é advogado e assessor jurídico especializado da PGE-RR mestre em Ciências Jurídicas pela UFPB bacharel em Direito pela UFRR e membro da Laclima.

  • Talden Farias

    é advogado e professor de Direito Ambiental da UFPB e da UFPE pós-doutor e doutor em Direito da Cidade pela Uerj com doutorado sanduíche junto à Universidade de Paris 1 — Pantheón-Sorbonne Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros e vice-presidente da União Brasileira da Advocacia Ambiental.

25 de dezembro de 2021, 8h00

Agora em novembro de 2021, a Prefeitura de João Pessoa (PB), em parceria com a rede de cidades Governos Locais pela Sustentabilidade (Iclei, em inglês Local Governments for Sustainability) e com a empresa de consultoria Way Carbon, apresentou o início dos trabalhos do Plano de Ação Climática de João Pessoa[1]. A abertura do evento revelou a postura dessa municipalidade diante da emergência climática[2] e os seus próximos desafios nessa temática. Inicialmente, a capital da Paraíba já demonstra um envolvimento mais efetivo com a agenda climática, o que se comprova pela participação no Plano Global de Prefeitos pelo Clima e pela Energia (GCMCE — em inglês Global Covenant of Mayors for Climate & Energy), pelo Programa João Pessoa Sustentável e também pela criação de um Comitê de Mudanças Climáticas[3].

Spacca
Desse modo, unindo uma atuação prévia e o interesse da prefeitura, somado com as interações da Iclei e com a especialidade da Way Carbon, o próximo passo para o município deverá ser a institucionalização do Plano de Ação Climática com metas de mitigação e de adaptação. O referido plano apresentará três grandes iniciativas: 1) neutralidade de emissões dos gases de efeito estufa até 2050, 2) definição do roteiro de descarbonização e 3) maximização da adaptação e resiliência. O plano deverá ser construído em um período de 18 meses, possuindo assim data prevista de lançamento para o primeiro semestre de 2023.

O processo de elaboração do Plano de Ação Climática de João Pessoa contará com os seguintes objetivos específicos: 1) desenvolver estratégias de engajamento junto aos atores chaves; 2) elaborar a pegada hídrica, atualizar o inventário e planejar os cenários de emissões de GEE; 3) criar uma base de dados para monitoramento e supervisão; 4) analisar e integrar planos, programas, compromissos, dados e estudos já realizados em João Pessoa; 5) priorizar um conjunto de ações de mitigação e adaptação de diferentes tipos e alcance; 6) comunicar e empoderar os cidadãos sobre a importância da execução de um plano de ação climática; 7) identificar áreas de riscos e grupos vulneráveis, relacionado aos setores estratégicos; 8) definir objetivos e metas das ações de mitigação e adaptação de forma participativa e indicadores de monitoramento; e 9) estabelecer a minuta de uma Lei Climática responsável pela instrumentalização jurídica do Plano de Ação Climática do Município.

Com o plano, a cidade se aproximará de um conjunto de cidades no âmbito internacional e nacional que estão exercendo um protagonismo maior na agenda climática. Segundo a plataforma The Carbonn Center, 1.153 cidades ao redor do mundo desenvolvem alguma ação em prol do clima, sendo que estas estão divididas entre 91 países e correspondem a 833 milhões de pessoas, representando cerca de 9% da população global[4]. No Brasil, a capital paraibana se juntará a outras 13 capitais que já possuem um plano de ação climática, como São Paulo, a primeira capital a adotar uma política climática, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Brasília, Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre, Manaus, Palmas, Porto Velho, Fortaleza, Recife[5] e, mais recentemente, Salvado[6].

A participação crescente de Municípios brasileiros na agenda climática, por meio de ações de mitigação e de adaptação, indica que "um movimento está em curso"[7] no sentido da perspectiva de "pensar globalmente e agir localmente". Contudo, apesar de todos os esforços, o caminho para um enfrentamento efetivo da emergência climática ainda parece longo, porque depende de muitos fatores e atores. Uma questão chave e que continua pouco explorada é saber se a atuação dos municípios na agenda climática é obrigatória ou se não passa de uma mera faculdade de prefeitos e secretários bem intencionados?

Antes de responder esse questionamento, vale relembrar que muitas cidades ao redor do mundo decidiram agir face à ineficácia do Protocolo de Kyoto, assim, diante da ausência de uma resposta concreta no âmbito internacional é que surgiram muitas respostas locais[8]. Nesse período, a atuação das cidades na agenda climática não possuía qualquer previsão, de modo que nessa fase da governança climática é correto afirmar que não existia uma obrigatoriedade de ação. Nesse contexto, se desenvolvem as redes de cidades, como a Iclei e a C40 Cities, duas redes globais e com ampla atuação nos municípios brasileiros, desde o final da década de 90[9]. No Brasil, surgiu uma rede própria, a C47, que foi criada pelas capitais brasileiras na Conferência Rio+20, em 2012[10]. As redes de cidades são verdadeiras orquestradoras, pois buscam engajar cidades e influenciar comportamentos em prol da emergência climática, mas fazem isso por meio de uma governança suave, sem vínculos fortes de obrigação, até porque não compõem o aparato estatal[11].

Contudo, a partir do Acordo de Paris, aprovado em 2015, ocorre uma reviravolta na governança climática, deixando de lado o foco centralizador nas negociações internacionais para uma abordagem policêntrica, de modo a reconhecer a importância da atuação de governos subnacionais, de empresas, de cidadãos, aliados, é claro, com as ações internacionais e nacionais[12]. Essa mudança de paradigma aconteceu pela instrumentalização do sistema "promessa e revisão" (em inglês, pledge and review), em que o âmbito internacional assume a responsabilidade da "revisão", enquanto o âmbito nacional fica responsável pela "promessa"[13].

Assim, o Acordo de Paris estimulou a atuação dos municípios brasileiros na agenda climática, passando de uma possibilidade para uma atuação mais concreta e colaborativa. A despeito disso, a Política Nacional de Mudança do Clima, instituída pela Lei n. 12.187/2009, já contava com uma abordagem policêntrica, como se observa nos artigos 3º, V e 5º, V, que destacam que a execução da política climática nacional deve ser executada com a colaboração dos municípios brasileiros[14], o que se dá também em razão da estrutura federativa do Estado brasileiro. Além, é claro, de a própria Constituição de 1988, no seu artigo 23, prever uma competência administrativa comum entre os entes federativos em matéria ambiental.

A abordagem policêntrica da governança climática é essencial até mesmo para compreender qual o papel dos Municípios no enfrentamento da emergência climática. Não se pode cometer o erro de acreditar que os municípios podem resolver todos os problemas, ou, o que é pior ainda, de achar que os Municípios são os principais causadores do problema e que por isso precisam ter uma atuação maior[15]. A política climática municipal não será efetiva se não considerar seus próprios limites, o que fica nítido quando se observa que tanto a União, como o Estado podem agravar as causas e as consequências da emergência climática no âmbito municipal, bem como as interações dentro de regiões metropolitanas.

Portanto, a atuação dos municípios brasileiros frente à emergência climática não é uma mera faculdade, mas sim uma obrigação jurídica e ética, haja vista o interesse das gerações presentes e futuras. Nessa esteira, cada município deve contribuir para o cumprimento das metas firmadas no âmbito internacional. Por isso, o início dos trabalhos do Plano de Ação Climática de João Pessoa se mostra completamente oportuno, já que a cidade quer estabelecer e perseguir metas concretas de mitigação e de adaptação, exemplo que deve ser seguido pelos demais Municípios. Afinal de contas, é pela proximidade com o cidadão que as políticas públicas municipais tendem a alcançar uma maior capilaridade, e, por conseguinte, uma maior efetividade.

[1] JOÃO PESSOA. Início dos trabalhos do Plano de Ação Climática de João Pessoa. You Tube, 3 nov. 2021. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=S2gHPhZZJCM&ab_channel=PrefeituradeJo%C3%A3oPessoa. Acesso em: 3 nov. 2021.

[2] RIPPLE, W. J. et al. World scientists’ warning of a climate emergency. BioScience, Oxford University Press, p. 1-5, 2019. Disponível em: https://hal.archives-ouvertes.fr/hal-02397151/document. Acesso em: 5 nov. 2021.

[3] A Secretaria de Meio Ambiente do Município de João Pessoa quis abrir os trabalhos do Plano de Ação Climática paralelamente à 26.ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, que aconteceu entre os dias 1º e 12 de novembro de 2021 em Glasgow/Escócia.

[4] THE CARBONN CENTER. Supporting cities, towns and regions tackling climate change to create transparency, accountability and credibility. Carbon Center.org, 5 nov. 2021. Disponível em: https://carbonn.org/. Acesso em: 5 nov. 2021.

[5] FÓRUM DE SECRETÁRIOS DE MEIO AMBIENTE DAS CAPITAIS BRASILEIRAS. Caderno de transição. Rio de Janeiro: CB 27, 2020. Disponível em: https://americadosul.iclei.org/documentos/caderno-de-transicao/. Acesso em: 3 nov. 2021.

[6] SALVADOR. Plano de Ação Climática. Salvador: Prefeitura Municipal de Salvador, 2020. Disponível em: https://americadosul.iclei.org/wp-content/uploads/sites/78/2021/01/salvador-plano-de-acao-climatica.pdf. Acesso em: 4 nov. 2021.

[7] MACEDO, L. S. V.; JACOBI, P. R. Subnational politics of the urban age: evidence from Brazil on integrating global climate goals in the municipal agenda. Palgrave Communications, v. 5, n. 18, p. 1-15, 2019. Disponível em: https://www.nature.com/articles/s41599-019-0225-x.pdf. Acesso em: 3 nov. 2021.

[8] JOHNSON, C. A. The power of cities in global climate politics: saviours, supplicants or agents of change? London: City Leadership Laboratory, 2018.

[9] MACEDO, JACOBI, op. cit

[10] MACEDO, JACOBI, op. cit

[11] ABBOTT, K. W. et al. International organizations as orchestrators. New York: Cambridge University Press, 2015.

[12] OSTROM, E. Polycentric systems for coping with collective action and global environmental change. Global Environmental Change, v. 20, p. 550-557, 2010. Disponível em: https://ssc.wisc.edu/~wright/929-utopias-2018/wp-content/uploads/2018/04/Ostrom-Polycentric-systems-for-coping-with-collective-action-and-global.pdf. Acesso em: 7 nov. 2021.

[13] KEOHANE, R. O.; OPPENHEIMER, M. Paris: beyond the climate dead end through pledge and review? Politics and Governance, v. 4, p. 1-10, 2016. Disponível em: https://www.belfercenter.org/sites/default/files/legacy/files/dp85_keohane-oppenheimer.pdf. Acesso em: 7 nov. 2021.

[14] BRASIL. Lei n. 12.187, de 29 de dezembro de 2009. Institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12187.htm. Acesso em: 7 nov. 2021.

[15] JOHNSON, op. cit

Autores

  • é mestrando em Ciências Jurídicas pela UFPB e bacharel em Direito pela UFRR. Membro da Laclima e do FFF/PB.

  • é advogado e professor de Direito Ambiental da UFPE e da UFPB; doutor em Direito da Cidade pela UERJ com estágio de doutoramento sanduíche junto à Universidade de Paris 1 – Pantheón-Sorbonne (bolsa CAPES/COFECUB); autor de "Competência Administrativa Ambiental" (Lumen Juris, 2020) e "Licenciamento ambiental" (7. ed. Fórum, 2019), e organizador de "Direito ambiental brasileiro" (2. ed. RT, 2021).

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!