Prática Trabalhista

Burnout: a nova doença ocupacional com responsabilidade empresarial

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

16 de dezembro de 2021, 8h00

De acordo com a nova classificação da Organização Mundial da Saúde, a Síndrome de Burnout, também conhecida como Síndrome do Esgotamento Profissional, será considerada uma doença ocupacional [1].

Esta nova classificação foi aprovada durante a 72ª Assembleia Mundial da Organização Mundial da Sáude — OMS, e passará a valer a partir do dia 1º de janeiro de 2022 [2].

A Síndrome de Burnout é um transtorno psíquico originado pelo cansaço extremo, e que possui relação com o trabalho afetando a pessoa em diversos setores da sua vida [3].

Indubitavelmente, após o surgimento e durante a pandemia, houve um agravamento da doença e o aumento exponencial do número de casos.

Uma pesquisa realizada pela Pebmed [4], publicada em novembro de 2020, apontou que 78% dos profissionais de saúde apresentaram sinais da Síndrome de Burnout no período da pandemia [5].

Outro estudo realizado pela International Stress Management Association (ISMA-BR) concluiu que o Brasil é o segundo país do mundo com o maior número de pessoas acometidas pela Síndrome de Burnout, em decorrência do alto nível de estresse [6].

No ano de 2020, a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho registrou o maior número de pessoas que requisitaram auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez em razão de transtornos mentais [7].

Aliás, com a pandemia, o Brasil caiu 12 posições no ranking global da felicidade, ocupando a 41ª posição, conforme o relatório mundial da felicidade, produzido pela empresa de pesquisas Gallup em parceria com a ONU [8].

Além disso, as estatísticas demonstram que as mulheres têm sido mais afetadas pelo estresse e o esgotamento profissional em comparação aos homens [9].

De acordo com a análise feita pela consultoria McKinsey & Company e pela Organização LeanIN, ao entrevistarem mais de 65 mil pessoas de 423 empresas nos Estados Unidos e Canadá, conclui-se que 42% das mulheres sofrem com os sintomas da Síndrome de Burnout, enquanto entre os homens esta taxa foi de 35% [10].

Do ponto de vista normativo no Brasil, a Constituição Federal dispõe em seu artigo 196 que "a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação".

Já sob a ótica internacional, a Convenção 155 da Organização Internacional do Trabalho [11] preceitua que "o termo 'saúde', com relação ao trabalho, abrange não só a ausência de afecções ou de doenças, mas também os elementos físicos e mentais que afetam a saúde e estão diretamente relacionados com a segurança e a higiene no trabalho".

Entrementes, o Ministério Público do Estado do Piauí publicou um guia prático sobre a Síndrome de Burnout [12], indicando as causas mais comuns que originam o problema, quais sejam: (1) a quantidade de horas e o volume de trabalho; (2) insegurança no trabalho; (3) falta de apoio nas funções; (4) ser vítima de assédio; (5) falta de clareza de funções e de independência na gestão do trabalho.

Dito isso, apropriadas são as palavras de Luiz Manoel Andrade Meneses [13]:

"Seguindo a linha de estudos da OMS, conclui-se que não basta ser apto ao trabalho para se considerar o trabalhador com saúde. O ideal é que o trabalho jamais provoque qualquer dano à saúde do trabalhador. Se o trabalhador modificou o seu estado de saúde em decorrência do trabalho, está clara a ideia de que este dano enquadra-se no grupo de patologia cujo agente nocivo compreende a organização de trabalho, ou seja, o trabalho em turno extenuante, excessivo, repetitivo e que provoca uma atitude de quase autômato, por exemplo".

Frise-se, por oportuno, que um estudo realizado pela Organização Mundial da Saúde e pela Organização Internacional do Trabalho apontou que as longas jornadas de trabalho acarretaram o aumento de morte por doenças cardíacas e derrames, sendo que os homens estariam mais propensos a morrerem por excesso de trabalho [14].

Segundo tal investigação, as possibilidades de morte por problemas cardíacos aumentam em 42% para a pessoa que trabalha mais de 55 horas por semana, em um período de 16 anos. Já em relação ao risco de morte por derrame, este sobe para 19% [15].

No Japão, em outubro de 2020, o país teve mais mortes por suicídio do que por Covid-19, de modo que as longas jornadas de trabalho foram mencionadas como um dos fatores que contribuíram para o aumento deste número, dentre outras [16].

Noutro giro, outros fatores contribuem para o surgimento da Síndrome de Burnout no ambiente de trabalho, tais como: (1) cultura organizacional nociva da empresa; (2) falta de suporte dos gestores; (3) dificuldades de comunicação; e (4) desvalorização e cobranças excessivas.

Nesse desiderato, retorna à discussão os debates sobre a importância dos cuidados com a saúde mental dos trabalhadores, porquanto o ambiente saudável do trabalho é um direito de todos.

Portanto, as empresas terão pela frente novos desafios, sendo inevitável a mudança de hábitos tóxicos visando garantir a saúde de seus trabalhadores.

É imprescindível que ocorra o aperfeiçoamento da comunicação eficaz entre a empresa e o trabalhador, permitindo criar um ambiente de trabalho ainda mais saudável. Afinal, a pandemia trouxe algumas alterações que irão permanecer mesmo após este período, como, por exemplo, o trabalho remoto.

É cediço que as empresas deverão cuidar para que esta nova realidade não afete o ambiente de trabalho, incluindo os cuidados com as questões ergonômicas; devem ser evitadas longas jornadas de trabalho e metas abusivas; necessidade de se propiciar um ambiente harmonioso e, principalmente, possibilitar a desconexão com o trabalho, para que o trabalhador possa usufruir do seu direito ao lazer.

Em arremate, é forçoso que as empresas realizem uma conscientização de todos os trabalhadores a respeito da Síndrome de Burnout, oferecendo ajuda profissional para a solução do problema.


[4] Disponível em https://pebmed.com.br/. Acesso em 14.12.2021.

[9] Disponível em https://www.bbc.com/portuguese/geral-58869558. Acesso em 14.12.2021

[13] A Dignidade do trabalhador e o equilíbrio no meio ambiente de trabalho. Revista do Departamento de Direito Social do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da USP, volume 7, número 1, julho de 2015 / junho de 2016. Luiz Manoel Andrade Meneses — juiz titular da 3ª Vara do Trabalho de Aracaju / SE.

Autores

  • é mestre em Direito pela PUC-SP, professor de Direito do Trabalho da FMU, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, coordenador Acadêmico do projeto “Prática Trabalhista” (Revista Consultor Jurídico - ConJur), palestrante e instrutor de eventos corporativos pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos, especializada na área jurídica trabalhista com foco nas empresas, escritórios de advocacia e entidades de classe, e membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP).

  • é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD), pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô, membro da Comissão Especial de Direito do Trabalho da OAB-SP e pesquisador do Núcleo "Trabalho Além do Direito do Trabalho" da Universidade de São Paulo – NTADT/USP.

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