Opinião

Sobre o deletério costume de 'despachar' com o juiz: aprofundando o tema

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10 de dezembro de 2021, 20h33

Com o presente texto não pretendo exercer o direito de resposta às duras críticas proferidas diretamente contra mim, e não necessariamente contra meus argumentos [1]. Pretendo, sim, aprofundar a discussão sobre tema que, a meu ver, é de relevante importância no ambiente judicial, especialmente levando-se em conta que o Judiciário integra a Administração Pública e a seus princípios se vincula.

No entanto, é necessário esclarecer, primeiramente, que no meu texto anterior (o qual tinha, por tema, o ato do despacho realizado pelos advogados junto a juízes e desembargadores) em nenhum momento levantei dúvidas quanto à idoneidade de magistrados ou advogados, ao contrário do que presumiu o autor do texto que fez o contraponto ao meu. 

Tão somente, de forma objetiva, apontei que o ato de despachar, sobretudo quando levado a cabo de modo reiterado e indiscriminado, é medida contraproducente em uma realidade de abarrotamento do judiciário. Afinal de contas, a dita prerrogativa legal concede ao advogado o direito de ter com o magistrado a qualquer momento, independentemente de local ou agendamento. Ademais, apontei que o despacho do procurador de uma das partes com o juiz desiguala a buscada paridade de armas entre os litigantes, motivo pelo qual sugeri que tais reuniões deveriam ser publicizadas e intimada a outra parte para exercer a mesma prerrogativa. Afinal, trata-se de uma manifestação, a qual fosse manejada formalmente nos autos geraria a intimação da outra parte para resposta.

Ao contrário do que o autor afirma sobre mim, em nenhum momento pensei "ter descoberto a pólvora" e muito menos tive a pretensão de "puxar a orelha" de meus colegas advogados. Longe de mim.

Inclusive, muito antes de mim, pessoas mais inteligentes e de conhecer jurídico inquestionável sugeriram algo muito semelhante. Vale lembrar o que disse Joaquim Barbosa em sessão do CNJ acerca da aposentação de um juiz acusado de beneficiar advogados:

"Não há nada demais juiz receber advogado, mas o que custa trazer a parte contrária ao advogado? É a recusa, a falta dessa notificação, da transparência que faz o mal-estar".

Ainda complementa o à época ministro do STF dizendo que a referida prática garante a "igualdade de armas".

Agora, o já citado autor, ao me acusar, talvez ele mesmo tenha feito, nas palavras dele, uma "autorreflexão" ou uma "delação sem prêmio", por reconhecer em sua atuação ou de colegas próximos o abuso do legítimo direito de reunir-se com magistrado. Talvez, no fundo, reconheça que o uso desmoderado da prerrogativa em questão é completamente inviável em nossa realidade judiciária, o que explicaria a reação exacerbada acerca de meu artigo.

Sobre o assunto, é oportuno fazer o seguinte exercício de imaginação: imagine o representante de uma empreiteira em uma conversa privativa com a autoridade pública municipal responsável pelo setor de contratação de obras (também vinculado, por consequência, aos eventuais certames públicos da respectiva localidade, para aquele nicho de serviços). Não é possível presumir de pronto que haja um desvio de conduta entre eles. Todavia, tal fato causa estranheza e desconfiança a qualquer pessoa sensata.

Por que seria diferente entre um juiz e um advogado?

Lembre-se que estamos tratando de uma autoridade pública, com grande poder de influir na vida de pessoas e empresas e na própria sociedade.

Lembre-se também que o Poder Judiciário integra a Administração Pública e se submete aos princípios do artigo 37 da Constituição da República, tal como o da publicidade e impessoalidade.

Portanto, parece de todo justificável buscar uma maior racionalização relacionada ao bom gozo da prerrogativa do artigo 7º do Estatuto da Advocacia, bem como garantir que tais reuniões sejam permeadas pelos princípios constitucionais da publicidade, da impessoalidade e, por que não dizer?, da moralidade.

Por outro lado, nada justifica a ojeriza ao debate ou a tara pela ofensiva pessoal em detrimento da própria discussão. Aliás, é justamente essa espécie de desconforto e revolta (seletiva, como sempre, a depender da cara e do sobrenome do interlocutor) que, muitas das vezes, indica o quão necessário é falar sobre algo.

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