Opinião

Advogados abusam do deletério costume de 'despachar' com o juiz

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21 de agosto de 2020, 18h11

É prática comum e incentivada por advogados, especialmente os mais antigos, o famigerado "despacho" com o juiz, também conhecido informalmente como "embargos auriculares".

Para tanto, justifica-se na prerrogativa do inciso VIII do artigo 7º do Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94), segundo o qual é direito do advogado "dirigir-se diretamente aos magistrados nas salas e gabinetes de trabalho, independentemente de horário previamente marcado ou outra condição".

Contudo, a meu ver, o que se mostra é verdadeiro abuso do referido direito pelos advogados, pois mostra-se, primeiramente, como artifício que pretende garantir vantagem em detrimento do colega que defende a parte oposta, além de ir de encontro a diversos princípios constitucionais e infralegais estatuídos no código de processo civil.

Isso porque o ato de "despachar" com o juiz tem como intuito direcionar o convencimento do juiz em favor da causa defendida pelo advogado em questão.

Ocorre que o processo civil é formal e deve ser, como regra, instruído por atos também formais, preferencialmente escritos, exceto aqueles que decorrem de sessões de julgamento e audiências. Mas mesmo esses serão transformados em atas escritas ou juntados aos autos por meios digitais (áudio e vídeo).

Aqui já se mostra nítida quebra da paridade das partes, da formalidade dos atos e da publicidade, visto que as "conversas" entre advogado e magistrado não são de qualquer maneira formalizadas ou certificadas nos autos.

Sobre a igualdade de tratamento entre as partes, assim dispõe o Código de Processo Civil:

"Artigo 7º — É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório".

Observe que, ao ter diretamente com o juiz, o advogado possui uma nova chance de manifestação e de direcionar o convencimento do magistrado que nem sempre será garantida à outra parte.

Nesse prisma, para haver o equilíbrio da relação, no mínimo toda e qualquer "visita" ao juiz deveria ser certificada nos autos, reduzida a termo e intimada a outra parte para exercer a mesma prerrogativa com fundamento na interpretação finalística do artigo 10 do CPC.

Nem se diga também que não se trata de levar novas teses ao conhecimento do juiz, mas apenas tem-se o intuito de aclarar determinadas situações do processo.

Convenhamos, o advogado que não sabe se expressar pela forma escrita deve procurar outro ofício ou arcar com o ônus de sua incapacidade de se fazer entender dessa maneira.

Ademais, o processo civil já prevê os momentos adequados para a exposição oral perante o julgador.

Outro ponto relevante é a celeridade processual, direito garantido constitucionalmente (artigo 5º, LXXVIII) e no próprio artigo 4º do CPC.

Contudo, o dever de celeridade não se atribui tão somente aos magistrados e servidores dos cartórios, mas também depende da atuação dos advogados.

É o que preza o artigo 6º do CPC:

"Artigo 6º — Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva".

Isso resulta em dizer que não convém ao processo e interesse das partes litigantes que os advogados se dirijam pessoalmente a todo momento ao magistrado.

Aqui não são necessárias grandes explanações. Tratam-se de milhares de processos para cada juiz, nos quais atuam dezenas de milhares de advogados.

Basta imaginar que se 1% dos advogados for "despachar" com o magistrado, fica fácil perceber que este perderá dias de trabalho apenas atendendo aos causídicos.

Por fim, a meu ver, a tal conversa com o juiz também resulta na quebra da boa-fé insculpida no artigo 5º do CPC, em razão de tudo o que foi exposto.

Dirigir-se diretamente ao juiz de forma reservada, a fim de direcionar seu convencimento, e, no fim das contas, é apenas disso que se trata, atenta contra a boa-fé, já que garante vantagem em relação a outra parte.

No atual momento, com a busca da digitalização e celeridade em todos os processos humanos, manter esse tipo de prática antiquada vai de encontro a tudo que se espera das formas de resolução de conflitos.

Não se pretende aqui, de forma alguma, defender o rigorismo formal, mas apenas o formalismo necessário a garantir o pleno exercício dos direitos.

Assim, não se vê cabimento, por exemplo, nas críticas ao costume utilizado por advogado em sustentação oral por videoconferência, como também não se acha digno de aplauso sustentar oralmente de pé, na sala de casa, apenas por apego à tradição.

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