Combinando com o russo

STF julga embargos em ação de Lula para acessar leniência da Odebrecht

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11 de agosto de 2021, 14h55

Houve um conluio institucionalizado e perene composto pelo ex-juiz Sergio Moro, pelos ex-membros da autoproclamada força-tarefa da "lava jato" e pela Polícia Federal em Curitiba. Tal conluio era articulado com o objetivo de permitir a troca de informações fora dos veículos oficiais e o alinhamento do jogo processual para além dos limites legais do processo penal brasileiro.

Rosinei Coutinho/SCO/STF
Gilmar vê conluio entre Moro e "lava jato"Rosinei Coutinho.SCO/STF

A afirmação consta de voto apresentado pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, em julgamento que está ocorrendo no Plenário virtual da Corte.

O que está em discussão é o compartilhamento de dados, pela Justiça Federal, do acordo de leniência da Odebrecht em ação penal da chamada operação "lava jato" contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O relator, ministro Ricardo Lewandowski, já proferiu seu voto negando o agravo regimental proposto pelos procuradores Deltan Martinazzo Dallagnol, Januário Paludo, Laura Tessler, Orlando Martello Junior, Júlio Carlos Motta Noronha, Paulo Roberto Galvão e Athayde Ribeiro Costa, todos da "lava jato".

Para Lewandowski, os fundamentos recursais trazem apenas "a reiteração dos argumentos anteriormente expostos". "Não há razão que justifique a insurgência do agravante, a qual representa, data venia, apenas uma nova tentativa de convencimento dos julgadores quanto à tese antes rejeitada, primeiramente por este relator, e, na sequência, pela Segunda Turma desta Suprema Corte", diz o relator.

Já segundo Gilmar, existe "manifesta ilegitimidade postulatória dos agravantes, uma vez que o Ministério Público não formula pedido em seu próprio nome, mas em caráter institucional, por meio de procuradores de primeiro grau, completamente estranhos ao feito".

"A via de impugnação legal somente poderia ocorrer, perante esta Suprema Corte, pelo Procurador-Geral da República, na qualidade de titular da ação penal, nunca por um grupo de procuradores agindo em nome próprio e assistidos por advogado particular."

Conluio
Em seu voto, Gilmar relata que a ligação entre Moro e os procuradores de Curitiba era estreita, em desfavor do ex-presidente Lula. 
"Dentre os diversos trechos que apontam para o funcionamento desse núbio espúrio entre órgão de acusação e magistrado, sobrelevam-se diálogos que demonstram que a acusação adotava estratégias sub-reptícias que prejudicavam a defesa do reclamante nos inquéritos e ações penais , ora com a aquiescência do juiz, ora sob no cumprimento de expressas ordens do magistrado (Sergio Moro)."

Em fevereiro de 2016, quando Lula ainda estava sendo investigado em inquérito policial, o ex-juiz Sergio Moro chegou a indagar ao procurador Deltan Dallagnol se já havia, da parte do Ministério Público, uma "denúncia sólida o suficiente". "O procurador responde apresentando um verdadeiro resumo das razões acusatórias do MP, de modo a antecipar a apreciação do magistrado", escreve Gilmar.

Ele chama a atenção para fato de o diálogo ter ocorrido em 23 de fevereiro de 2016 e a denúncia contra o ex-presidente "só ter sido devidamente ofertada ao juiz na data de 14 de setembro de 2016 , ou seja, quase sete meses após conversa em que o procurador antecipou ao juiz todos os fundamentos da peça acusatória".

E prossegue o ministro: "a prática de se antecipar o conteúdo de manifestações técnicas ao juiz da Lava-Jato fora dos autos fazia parte da rotina do conluio. O magistrado — que ocupava a verdadeira posição de revisor técnico das peças do MPF — parecia chancelar as peças mesmo quando o processo já havia saído da sua jurisdição. Destaca-se notável mensagem de Deltan Dallagnol ao grupo de procuradores em 21 de julho de 2017 ao advertir que 'Russo quer uma previsão das nossas razões de apelação do caso triplex'. Russo, como sabem, pelo menos como se divulga, é o ex-juiz Moro".

De acordo com Gilmar Mendes, "a orquestra acusatória liderada pelo magistrado (Moro) era reforçada pela manutenção de um canal direto entre os membros da força-tarefa e representantes da Polícia Federal. A fim de facilitar a troca de informações por meio de contatos, os Procuradores estabeleceram um grupo no aplicativo Telegram com os membros da Polícia Federal encarregados da condução da investigação contra o ex-presidente".

Além disso, Gilmar destaca que  "as prisões preventivas tornaram-se o principal mecanismo para ‘estimular’ os investigados a colaborarem com o Ministério Público delatando fatos verídicos ou não. Em conversa registrada entre Deltan Dallagnol e os outros membros da Força-Tarefa, não havia rodeios em se afirmar que a ordem de transferência de um réu para um estabelecimento penitenciário teria sido o mecanismo mais ‘eficiente’ para forçar uma delação".

O ministro aponta, ainda, a utilização da Receita Federal pela força-tarefa da "lava jato". A operação curitibana "recorreu diversas vezes a consultas de informações via Receita a alvos direcionados. O nível de especificidade e direcionamento dessas consultas" — "típico de uma verdadeira indústria colossal de espionagem", escreve Gilmar — "permitia que os procuradores tivessem acesso individualizado a notas fiscais, declarações de imposto de renda e outros documentos fiscais relevantes dos investigados".

"Tudo sem a necessária autorização judicial prévia e em tempo real via aplicativo Telegram", destaca o ministro. Os pedidos eram endereçados ao auditor fiscal Roberto Leonel, que posteriormente se tornaria presidente do Coaf durante a gestão de Sergio Moro no Ministério da Justiça.

Divergência
O ministro Luiz Edson Fachin apresentou divergência, dando provimento ao agravo regimental dos procuradores e julgando a reclamação improcedente, determinando o arquivamento dos autos. Segundo o ministro, a defesa de Lula não poderia ter entrado com uma nova reclamação para questionar o cumprimento de decisão proferida por Fachin, que deu acesso ao acordo de leniência da Odebrecht apenas nos trechos que dissessem respeito a Lula. 

"Embora seja certo que o sigilo imposto aos autos que veiculam ajustes de tal natureza não seja totalmente aplicável aos implicados pelos respectivos conteúdos, dessa diretriz não é extraível compreensão que permita à defesa técnica o acesso irrestrito às informações veiculadas em acordos de leniência ou de colaboração premiada, sob pena de total inutilidade e negativa de vigência, portanto, à restrição da publicidade dos autos na forma imposta por lei a tais procedimentos", pontua.

A questão foi posteriormente julgada pela 2ª Turma do STF, que entendeu que todos os elementos de prova que sirvam ao exercício da ampla defesa e do contraditório pelo réu devem ser acessíveis à defesa.

Clique aqui para ler o voto do ministro Gilmar Mendes
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Clique aqui para ler o voto de Fachin

Rcl 43.007

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