Opinião

A necessária reflexão para os enunciados de súmula do Carf

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4 de agosto de 2021, 14h00

Nesta sexta-feira (6/8), o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) apreciará 45 propostas de súmulas para o tribunal administrativo.

Entendemos, entretanto, que 13 dessas propostas necessitam de um olhar mais criterioso por parte dos conselheiros integrantes do Carf, inclusive porque houve infrutífera tentativa anterior de aprovação desses textos propositivos pelo próprio tribunal.

Cremos que a não exitosa aprovação dessas propostas se deu por razões devidamente fundamentadas, inclusive pelo fato de identificação de jurisprudência divergente do próprio tribunal administrativo para as matérias sugeridas, como a seguir será apresentado.

O primeiro enunciado de proposta de súmula [1], a nosso sentir, contraria não só os artigos 67, §3º, do Anexo II do RICarf; 10, IV, do Decreto nº 70.235/1972; e, com mais destaque, o próprio CTN e seu artigo 142; além de robusta jurisprudência do Carf, conforme Acórdãos nºs 2402-007.474, 1402-005.529, 1402-005.528, 1402-005.555, 9101-004.522 e 9303-009.593. Não bastasse o flagrante vício de ilegalidade, é ainda de se mencionar que, caso aprovado referido enunciado propositivo, o grau de subjetividade na sua aplicação ganhará considerável ampliação, aumentando a necessidade de justificativas por parte de conselheiros julgadores que estiverem em desacordo com a aplicabilidade dessa proposição, em defesa da manutenção de seus cargos.

A segunda proposição para enunciado de súmula [2] também já foi objeto de debate em momento anterior de existência do tribunal, sem sucesso em sua aprovação; sendo que entendemos que a matéria necessita de mais maturidade e debate pelas 2ª e 3ª Seções do Carf para, só então, ser submetida ao exame e possível conversão em matéria sumulada, hipótese que aqui não se verifica, pois que quase que exclusivamente foi debatida na esfera da 1ª Seção do conselho.

O caráter aberto e amplo do terceiro enunciado de proposta de súmula [3] poderá trazer graves prejuízos para o exame do direito creditório dos contribuintes, que, compreendemos, deve ser realizado caso a caso, com atração para a matéria do princípio da verdade material que, uma vez aprovado o texto proposto, restará manifestamente atingido.

A oitava proposta de enunciado de súmula [4] traz no corpo redacional subjetividade que poderá gerar decisões conflitantes no curso do tempo e entre as turmas e seções do tribunal, pois acreditamos que o termo "apresentação reiterada" será objeto de distintas interpretações e aplicações, o que trará insegurança jurídica para o contribuinte.

O nono enunciado de súmula [5] necessita de revisão de texto para se promover uma proximidade a conceitos de Direito Penal aplicáveis ao sujeito passivo e em observação ao princípio in dubio pro réu, pois, caso contrário, o exame dos casos concretos poderá se sujeitar a interpretação mais restritiva.

A denúncia espontânea é instituo que nos parece restar ameaçado pela décima proposta de súmula [6], o que manifestamente eiva de ilegitimidade o texto sugerido, bem como está a contrariar jurisprudência mais recente do próprio Carf (Acórdãos nºs 1401-003.135, 1302-003.215, 1302- 002.549 e 1402-002.789), observando aqui que a proposição está fundada em precedentes anteriores a 2017.

E quando a contrariedade se dá à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), como se verifica na 11ª proposta de enunciado de súmula [7], mais especificamente ao quanto concluído para o tema Repetitivo nº 221, e para julgados do próprio Carf (Acórdãos nºs 9101-003.474, 9202-007.297, 9202-004.303, 1201-002.109, 3301-004.967, 9202-007.129, 9303-009.370, 9303-010.010, 9101-004.306 e 3301-006.065).

Doutrina e jurisprudência do tribunal administrativo parecem estar sendo ignoradas pelo Carf, isso no que diz respeito ao 13º enunciado de súmula [8] sugerido, uma vez que o disposto no artigo 76, II, "a", da Lei nº 4.502/1964 visa a garantir segurança jurídica ao contribuinte, e não o contrário, como sinaliza o texto proposto para ser sumulado. Aliás, o Acórdão nº 9101-002.262 põe por terra, transcrevendo o doutrinador tributário Humberto Ávila, a presunção sumular sugerida.

Ainda em desconformidade com a necessidade de haver certa pacificação para com a jurisprudência do Carf, entendemos que a 16ª proposta de enunciado de súmula [9] afronta recentes julgados do próprio tribunal (Acórdãos nºs 11401-005.441, 9303-011.117, 1201-004.681, 1401-005.417 e 1301-004.322) sobre a matéria que se busca sedimentar. Daí que nosso posicionamento no sentido de que o tema necessita de amadurecimento jurisprudencial pelo próprio conselho.

A 19ª proposta de enunciado de súmula [10] tem texto curto, mas efeitos gravosos largos, pois as hipóteses de vícios nos mandados de procedimentos fiscais reclamam avaliação criteriosa — caso a caso — pelos julgadores administrativos, sendo que, uma vez sumulada a matéria, interpretações restritivas poderão ser interpretadas e adotadas em contrariedades às razões de apelo manejadas ao tribunal administrativo.

Agora, em contrariedade à legislação que regula o processo administrativo fiscal (PAF), entendemos estar o texto sumular proposto para o 20º enunciado [11], pois que não observados: 1) o fato de haver um dever-poder de a administração tributária rever seus próprios atos quando há vício de legalidade; 2) ser interesse da Administração Pública, e de toda a sociedade, a não manutenção de crédito objetivamente extinto, em especial quando o expediente administrativo para sua análise já foi instaurado; e, por fim, 3) haver necessidade de se observar o princípio da efetividade jurisdicional, da informalidade e da busca pela verdade material (acórdão nº 9101-005.339).

O 26º enunciado de súmula proposto [12], cremos, reclama necessidade de mais debate, discussão e amadurecimento pelo Carf, pois é matéria que traz em todo seu bojo extrema complexidade, não sendo possível relativizar questão fulcral referente à hierarquia normativa entre tratados internacionais e a legislação nacional.

Por fim, mas não menos importante, temos a 29ª proposta de enunciado de súmula [13], sendo que o texto sumular sugerido conflita com jurisprudência que, entendemos, é fundamento suficiente para não harmonizar matéria cuja tese de fundo ainda está em construção jurisprudencial. Assim, ilustrativamente, citamos a bem da afirmação feita: Acórdãos nºs 1401-003.037 e 1201- 001.618.

A pretensão deste artigo é colaborativa para com o tribunal administrativo, que, forte em sua missão, deve sempre buscar entregar e prestar à sociedade "justiça fiscal", inclusive para com o exame aprofundado e revisão das propostas de enunciados de súmulas, pois estas, uma vez aprovadas, "fazem lei" para seus conselheiros integrantes, necessitando estar alinhadas com os princípios que regem o PAF.

 

[1] O erro na citação do enquadramento legal da infração não acarreta a nulidade da autuação quando, pela descrição dos fatos imputados, é possível ao autuado exercer o seu direito de defesa.

[2] É válido o lançamento por omissão de receitas apuradas com base em valores declarados aos Fiscos Estaduais.

[3] O ônus da prova de existência de direito creditório é do sujeito passivo.

[4] A apresentação reiterada de Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF) com valores inferiores aos apurados em ação fiscal enseja a imposição de multa de ofício qualificada.

[5] A comprovação da prática dolosa de atos simulados com o objetivo de impedir ou retardar o conhecimento da ocorrência do fato gerador ou de aspectos deste impõe a aplicação da multa de ofício qualificada.

[6] Depósito judicial do crédito tributário não se equipara a pagamento para fins de caracterização de denúncia espontânea.

[7] Não é nulo o lançamento de ofício referente a crédito tributário depositado judicialmente, realizado para fins de prevenção da decadência, com reconhecimento da suspensão de sua exigibilidade e sem a aplicação de penalidade ao sujeito passivo.

[8] O artigo 76, inciso II, alínea "a" da Lei nº 4.502, de 1964, deve ser interpretado em conformidade com o artigo 100, inciso II do CTN, e, inexistindo lei que atribua eficácia normativa a decisões proferidas no âmbito do processo administrativo fiscal federal, a observância destas pelo sujeito passivo não exclui a aplicação de penalidades.

[9] A compensação de tributos, mediante declaração de compensação (DCOMP), não se equivale a pagamento, para fins de denúncia espontânea.

[10] Irregularidade na emissão, alteração ou prorrogação do MPF não acarreta a nulidade do lançamento.

[11] A pessoa indicada no lançamento na qualidade de contribuinte não possui legitimidade para questionar a responsabilidade imputada a terceiros pelo crédito tributário lançado.

[12] Os acordos e convenções internacionais celebrados pelo Governo da República Federativa do Brasil para evitar dupla tributação da renda que seguem o modelo da Organização das Nações Unidas (ONU) ou da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) não impedem a tributação na controladora no Brasil dos lucros auferidos por intermédio de suas controladas no exterior.

[13] Em operação de incorporação de ações, caracteriza ganho tributável pela pessoa jurídica titular das ações incorporadas a diferença positiva entre o valor da participação societária que passa a ser detida na incorporadora e o valor das ações incorporadas, registrado anteriormente à operação.

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