Brasileiro que trabalhou em zona de conflito no Sudão deve ser indenizado
30 de abril de 2021, 20h11
O empregador tem o dever de oferecer condições seguras e dignas ao trabalhador, sem que ele tenha de se submeter a situações de perigo e tensão, humilhações e constrangimentos. Dessa forma, a 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região manteve a condenação de um empresário que enviou um funcionário para trabalhar em condições abusivas em uma zona de guerra no Sudão.
Um operador de máquinas pesadas assinou contrato em 2014 com o diretor administrativo da empresa Sudanese Brazilian Modern Agricutural Project para trabalhar na produção agrícola do país africano. Nos dois anos em que esteve por lá, ele foi submetido a jornadas excessivas de 14 e até 17 horas, com 30 minutos ou menos de intervalo, sem horário de almoço e com apenas uma folga semanal.
Além disso, a região onde o homem prestou serviços era considerada zona de conflito permanente entre os governos do Sudão e Sudão do Sul, grupos terroristas e guerrilheiros. Segundo o autor, os brasileiros que trabalhavam lá sofriam constantes agressões físicas e ameaças de morte dos envolvidos. Ele chegou até mesmo a ser detido por 24 horas sem saber o motivo, já que não entendia a língua local.
"As reclamadas, com o único objetivo de ganharem dinheiro, ou seja, apenas visando o capital, expuseram o reclamante e demais colegas a situações de risco e humilhação, podendo, sem exagero algum, serem equiparadas a condições análogas à escravos", apontou o advogado da vítima, Mário Cezar Machado Domingos, na petição inicial.
A Vara do Trabalho de São Gabriel do Oeste (MS) determinou o pagamento de verbas referentes a horas extras e salários atrasados, e ainda fixou indenização de R$ 15 mil por danos morais. O empresário recorreu, alegando que não se aplicaria ao caso a legislação trabalhista brasileira, mas sim a sudanesa.
Entendimento mantido
No TRT-24, o desembargador-relator Francisco das Chagas Lima Filho lembrou que o artigo 3º da Lei 7.064/1982 permite a aplicação da CLT em casos de transferência para o exterior, caso ela seja mais favorável ao trabalhador. "No caso concreto, em que pese possa existir no país da prestação laboral lei a respeito, a nacional, no seu conjunto, é mais benéfica ao autor e por isso mesmo prevalece em detrimento da eventualmente vigente no local da prestação laboral", pontuou.
O magistrado ainda constatou, da prova testemunhal, que a situação vivida pelo autor no Sudão era de extremo perigo e tensão, vexatória, humilhante e degradante quanto à alimentação, descanso e necessidades fisiológicas.
"O trabalho humano, independentemente do menor ou maior valor objetivo, tem uma dimensão ética, humana e social que impede seja o trabalhador visto como mercadoria ou elemento impessoal da organização produtiva, mas como ser humano dotado de dignidade, não perdendo essa condição ao cruzar os umbrais da empresa", ressaltou o desembargador.
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0024172-36.2018.5.24.0081
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