Opinião

Justiça e relações públicas: o Supremo Tribunal Federal dá o tom

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22 de abril de 2021, 19h27

Há poucos dias, o Supremo Tribunal Federal formalizou sua política de comunicação social, instituindo sua estrutura de mídia, assessoria de imprensa e relações públicas, uma organização digna de grandes empresas e órgãos de governo. A norma confere maior status ao setor de comunicação e reconhece sua importância para o funcionamento do tribunal. E isso não é trivial. A opinião pública não costuma fazer parte dos currículos acadêmicos no meio jurídico, mas deveria: é a mais relevante das "fontes informais" do Direito, voz silenciosa nas tribunas, eminência parda nas cortes.

A Resolução nº 730, de 8 de abril, formaliza atividades em parte já existentes no STF: TV Justiça (completa 20 anos ano que vem), Rádio Justiça, site de notícias, comunicação interna e comitê de imprensa, trazendo como novidades as redes sociais e a gestão de crise de imagem. Vale lembrar que a corte se tornou uma grande influencer nas redes: tem perfis em Youtube, Twitter, Instagram, Facebook e Flickr. Possui produção audiovisual de alto nível, redação digna de revista e boa estrutura de relações com a mídia, agora habilitada a "identificação de riscos" e "enfrentamento de crises".

O alcance das mídias próprias do Supremo Tribunal Federal já é maior do que alguns canais tradicionais da grande mídia. O site da corte tem cerca de 3,6 milhões de visualizações mensais, frente a dois milhões da página do maior jornal do país, a Folha de S.Paulo. Seu canal no YouTube tem 390 mil inscritos e recebeu 42 milhões de visualizações desde que foi criado, em 2005. No Twitter, o STF tem 2,2 milhões de seguidores. Números superlativos.

Não é difícil depreender o que isso ensina — ou deveria ensinar — aos advogados. Se o tribunal máximo do Poder Judiciário abraça as redes como parte integrante do seu dia a dia, é impossível negar que sofra sua influência. A internet já reúne 134 milhões de brasileiros — três em cada quatro —, sendo que 90% a acessam todos os dias, 76% por meio de redes sociais, incluindo público qualificado: 97% dos usuários com curso superior estão nessa conta, segundo o Comitê Gestor da Internet no Brasil. Um STF disposto a ouvir a sociedade — a exemplo das audiências públicas que ocorrem desde 2007 — tem de considerar as redes sociais como canais por excelência.

É um cenário que requer uma presença profissional e objetiva dos especialistas. As redes são espaços aptos a registrar ideias, argumentos, teses, levantamentos, análises. Tudo o que um advogado faz diariamente para produzir petições ou pareceres. É possível, inclusive, selecionar o público-alvo. A maioria das redes permite a promoção de publicações direcionadas a usuários, por exemplo, de determinada faixa de renda e instrução, cargo ou endereço — inclusive funcional, como o do Supremo Tribunal Federal. Uma realidade nova, sem intermediadores.

Arquipélago da Justiça
Um dos colaboradores da reforma do Judiciário aprovada em 2005, o professor de Direito Constitucional Joaquim Falcão costumava dizer que o Judiciário é um arquipélago e seus integrantes, "ilhas". Essa imagem remete à visão tradicional de um juiz ermitão, representante idealizado de uma Justiça solitária, usando venda nos olhos e espada na mão. Essa imagem não ajuda a compreender o funcionamento da Justiça real, uma organização de Estado complexa, condicionada por pressões sociais e estruturas de poder, cobrada inclusive pelas consequências econômicas e políticas de seus atos. Um dos objetivos da reforma do Judiciário era transformar esse arquipélago em um continente, promovendo sua integração interna e prestação de contas à sociedade.

A existência de estruturas eficazes de comunicação entre o Judiciário e a população é boa para o Estado, a democracia e o funcionamento da Justiça. O preço da incomunicabilidade é a consolidação da ideia de "caixa preta": incompreensão sobre o funcionamento da Justiça, desconfiança de duas decisões, disseminação de boatos, fixação de simplificações. Outro risco é o incentivo a relações informais entre operadores do Direito e certos formadores de opinião, potencializando conflitos de interesses e trocas de favores.

Contágio social
Ao elevar o nível da relação entre Justiça e opinião pública, o Supremo toca um ponto crítico. É evidente que a Justiça está atenta à voz das ruas, mas nem sempre isso é tratado abertamente. Um dos trabalhos mais contundentes sobre o tema foi produzido pelo pesquisador José Roberto Franco Xavier, em tese de doutorado, premiada internacionalmente, com base em entrevistas com 42 juízes, promotores e procuradores. A conclusão não poderia ser mais clara: "Sim, os juízes e os promotores são influenciados pela opinião pública, pela mídia etc." (Xavier, 2015). Segundo o autor, trata-se de uma conclusão pouco surpreendente, pois não era de se esperar que operadores do Direito fossem uma espécie de "super-homens" (ou mulheres) imunes ao contágio social, à "consciência coletiva", ao espírito da época.

Outra pesquisa relevante sobre o tema foi feita pelo pesquisador Roberto Vieira Carvalho Fernandes (Unb, 2013), propondo um modelo com quatro tipos de influências "extrajurídicas" exercidas sobre o julgador:

"1) Influências intrínsecas: pré-compreensões, pré-conceitos e ideologias;
2) Influências da mídia e da opinião pública;
3) Influência das relações pessoais; e
4) Influências políticas e decisões de natureza política".

A Justiça possui ferramentas para controlar essas influências por meio de normas e controles: regras de suspeição, órgãos de corregedoria, possibilidade de recursos a órgãos colegiados e garantia de estabilidade funcional e autonomia administrativa. Na esfera da opinião pública, a resposta a pressões, contudo, passa necessariamente pela criação de estruturas de comunicação.

Advocacia e Advocacy
O bom advogado deve estar atento a influências extrajurídicas. É preciso ter sensibilidade para identificá-las, atuar para coibi-las e administrar quando necessário os remédios previstos na legislação. Quanto à opinião pública, é preciso construir canais de comunicação. Nesse sentido, a advocacia muitas vezes se confunde com a advocacy, com um conjunto de políticas de divulgação e defesa de ideias. O trabalho de convencimento implica trabalhar argumentos, torná-los atraentes e buscar o grande público. Implica sair dos autos.

Direito 'introvertido'
O Judiciário é tradicionalmente avesso ao relacionamento com a opinião pública. É notória a definição presente na Lei Orgânica da Magistratura (Lei Complementar nº 35/1979), segundo a qual os juízes só podem se manifestar "nos autos" (artigo 65, inciso III), restrição ampliada no projeto para o Estatuto da Magistratura, o qual veda aos juízes se manifestar publicamente sobre "a atuação dos demais Poderes de Estado", o que deixa pouca margem para o relacionamento com o público em geral.

O Código de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) possui uma série de restrições direcionadas à relação entre advogados e a mídia, tendo por fim, supostamente, regular a captação de clientes. E seus tribunais de ética e disciplina interpretam essas regras com maior ou menor extensão a depender do estado e da gestão. Há restrições à propaganda, à publicidade, à expressão de opiniões, produção de artigos, participação em entrevistas, debates e reportagens. Tantas regras arriscam extrapolar sua finalidade: se a Justiça se exerce também no campo da opinião pública, faz pouco sentido engessar a relação entre advogados e mídia. Comunicar atrai clientes, mas também difunde ideias.

Espirais ascendentes
A promoção do relacionamento com a opinião pública envolve algum conhecimento teórico e prático sobre o funcionamento dos meios de comunicação. Do ponto de vista prático, é preciso entender os diferentes canais, ferramentas e formas de divulgação, os meandros dos veículos de mídia e ter alguma habilidade em traduzir ideias complexas para uma linguagem direcionada a diferentes nichos de público.

Do ponto de vista da teoria da comunicação, há princípios interessantes para se entender a relação entre mídia e sociedade. Vale aqui destacar a teoria da "espiral ascendente" (Noelle-Neumann, 1974), segundo a qual uma ideia ou posição mais ostensiva tende a se espalhar rapidamente, tornando-se dominante no grupo. Essa tese reflete descobertas empíricas na psicologia social da segunda metade do século 20, feitas pelos pesquisadores Solomon Asch e Stanley Milgram, segundo as quais muitos indivíduos são altamente suscetíveis ao posicionamento de seus pares (até desconhecidos e anônimos) e figuras de autoridade, mesmo quando defendem ideias absurdas ou sem sentido.

A formação de "espirais ascendentes" é um fenômeno agravado pela disseminação das redes sociais, meios ágeis, descentralizados e desregulados, com fluxos de informação direcionados e mensagens sob medida. Nesse ambiente formam-se com facilidade tempestades de "espirais ascendentes", o que recomenda atenção redobrada e atuação estratégica. Essa atuação tem uma dupla função: interromper a formação de "espirais ascendentes" e mobilizar "espirais descendentes" que revertam o processo.

O mapa das comunicações se tornou mais instável, o Direito está mais complexo e a estrutura de comunicação social do STF nos dá um alerta. Se a Suprema Corte está preocupada, nós também devemos estar.

 

Referências bibliográficas
FERNANDES, Ricardo Vieira de Carvalho. Influências extrajurídicas sobre a decisão judicial: determinação, previsibilidade e objetividade no direito brasileiro. Doutorado. Universidade de Brasília (Unb). 2013. Disponível: https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/15154/1/2013_RicardoVieiradeCarvalhoFernandes.pdf.

NOELLE-NEUMANN, Elisabeth. The spiral of silence: a theory of public opinion. Journal of Communication. June, 1974. Disponível: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1111/j.1460-2466.1974.tb00367.

XAVIER, José Roberto Franco. A opinião pública e o Sistema de Direito Criminal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 23, n. 112, p. 149-164, jan-fev 2015.

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