Caso José Sócrates

Operação que prendeu ex-premiê de Portugal espelhou a "lava jato"

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12 de abril de 2021, 13h57

Em setembro de 2014, o ex-primeiro-ministro português, José Sócrates, que era investigado por fraude fiscal, lavagem de dinheiro e corrupção, foi preso no Aeroporto de Lisboa. Embora estivesse voltando a Portugal, vindo da França, o político do Partido Socialista foi detido preventivamente sob o argumento de que poderia fugir do país. Nenhuma denúncia formal havia sido apresentada. 

Antonio Cruz/ABr
Ex-primeiro ministro José Sócrates
Antonio Cruz/ABr

A ordem de prisão partiu do juiz Carlos Alexandre, do Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa e responsável pela chamada operação "Marquês", iniciada no mesmo ano da prisão de Sócrates. Conhecido por sua estreita relação com o Ministério Público local, o magistrado ganhou a atenção da imprensa e foi alçado ao posto de grande combatente da corrupção. 

A narrativa chama atenção por lembrar o processo contra o ex-presidente Lula no caso do tríplex do Guarujá: envolve um ex-chefe do Executivo preso, um apartamento, um juiz alçado ao posto de herói e conduções coercitivas televisionadas. 

Até as resoluções se parecem. Aqui, o político petista teve o processo anulado, após decidida a incompetência de Curitiba. Em Portugal, depois de diversas acusações de que houve burla na distribuição do processo, outro magistrado assumiu o caso e derrubou a maioria das acusações contra Sócrates na última semana. 

Em artigo publicado na Folha de S. Paulo no Sábado (10/4), o político europeu mencionou as semelhanças. "A operação Marquês foi a Lava Jato portuguesa […] Tivemos também a mesma escolha viciada do juiz, o juiz que nunca esteve acima das partes, mas ao lado de uma delas, o Ministério Público. Cá e lá, o mesmo personagem, o juiz-herói construído pela indústria midiática. Aí, um medíocre ativista político [Sergio Moro]; aqui, um figurante um pouco mais cômico. De um lado e de outro do Atlântico, a mesma violência, a mesma brutalidade, o mesmo ódio político", diz o ex-premiê, que governou Portugal de 2005 a 2011. 

"Marquês"
A operação que mirou Sócrates investigou a transferência de uma soma milionária de Carlos Santos Silva, amigo do ex-premiê. Segundo o Ministério Público, os valores, que teriam sido transferidos da Suíça para Portugal, seriam na verdade de Sócrates.

Entre as aquisições feitas com o dinheiro estaria um apartamento de três quartos próximo à Praça do Marquês de Pombal. A localidade deu nome à investigação. O político, segundo o MP, tinha um custo de vida "acima das suas possibilidades" e teria recebido 34 milhões de euros para favorecer empresários

"A conclusão a que chegou a acusação trata-se apenas de mera especulação projetada para fora do domínio da racionalidade prática, sem qualquer suporte em concretos argumentos e elementos de prova objetivos. Os elementos de prova constantes dos autos e a lógica contrariam a tese da acusação", disse o juiz Ivo Rosa ao rejeitar parte das denúncias contra Sócrates na última semana.

O magistrado foi sorteado em 2018 para assumir o caso no lugar de Carlos Alexandre, depois de inúmeras acusações de burla à distribuição do processo.

Diferentemente do Brasil, em Portugal há a separação entre o juiz de instrução, que atua na fase de investigação de um processo, e o juiz que julga a ação. O instituto é parecido com o juiz das garantias, introduzido no Brasil pela lei "anticrime", mas ainda não implementado no país. 

Em Portugal, cabe ao juiz de instrução aceitar ou não as denúncias feitas pelo Ministério Público. A partir daí um outro magistrado passa a atuar no caso, ficando responsável apenas pelo julgamento. Tanto Carlos Alexandre quanto Ivo Rosa são juízes de instrução.

Brasil
Houve cooperação entre as autoridades portuguesas e a "lava jato" de Curitiba. Os dois países estreitaram ligações porque as investigações eram semelhantes e tinham suspeitos em comum. 

Em seu início, a "Marquês" apurou possíveis laços entre Sócrates e a construtora Odebrecht. As suspeitas foram levantadas depois de o Ministério Público português descobrir que a empresa custeou uma viagem do ex-presidente Lula a Lisboa. Posteriormente, foi constatado que o ex-presidente foi ao país europeu para participar de uma celebração que comemorava os 25 anos da Odebrecht.

O Ministério Público também disse que Sócrates teria recebido propina ao intermediar a fusão entre a Portugal Telecom e a Oi. 

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