CVM pode proibir que auditor atue como consultor da empresa auditada
22 de setembro de 2020, 15h16
A competência específica da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para regular os serviços de auditoria e consultoria definida por lei inclui necessariamente, também, a competência de definir, por critérios técnicos e de segurança, regras que preservem a objetividade e a independência da atuação do auditor no âmbito do mercado de valores mobiliários.
Com esse entendimento, o Plenário virtual do Supremo Tribunal Federal deu provimento a recurso extraordinário para denegar a segurança pleiteada por auditores independentes visando ao afastamento da incidência de dispositivos da Instrução Normativa 308/1999 da CVM, que impõem limitações à atividade profissional.
O artigo 23, inciso II da norma veda a prestação de serviços de consultoria às entidades cujo serviço de auditoria contábil esteja a seu cargo e que possam caracterizar a perda da sua objetividade e independência.
O parágrafo único lista exemplos: assessoria à reestruturação organizacional, avaliação de empresas, reavaliação de ativos, planejamento tributário e remodelamento dos sistemas contábil, de informações e de controle interno, entre outros.
Já o artigo 27 estabelece que, em caso de contratação de auditores independentes que não atenderem às condições previstas, o trabalho de auditoria será considerado sem efeito para o atendimento da lei e das normas da Comissão. Segundo os autores, o dispositivo estabelece punição não prevista em lei e, assim, não cabível.
O voto vencedor foi proferido pelo ministro Alexandre de Moraes, que analisou a competência da CVM a partir de sua criação, pela Lei 6.385/1976. O órgão tem natureza de entidade autárquica em regime especial, vinculada ao Ministério da Fazenda e legalmente responsável pela supervisão, disciplina e fiscalização do mercado brasileiro de valores mobiliários.
Assim, a competência inclui necessariamente a de definir regras que preservem a objetividade e a independência da atuação do auditor, principalmente porque relatórios da auditoria independente são a fonte primordial a partir da qual empresas e investidores podem tomar decisões conscientes acerca da alocação de seus recursos no mercado de capitais.
Conflito de interesses
"É indene de dúvidas que há um potencial conflito de interesse quando os trabalhos de consultoria e auditoria são prestados, a um mesmo cliente, pelo mesmo auditor", apontou o ministro Alexandre de Moraes, ao abrir a divergência.
Na consultoria, o auditor fornece orientação e sugere diretrizes para a tomada de decisão. Na auditoria, ele avalia os balanços e resultados dessa mesma empresa, potencialmente influenciados pelas ações tomadas com base na consultoria.
Mais do que possível, a restrição imposta pela CVM é considerada salutar pelo ministro para resguardar a idoneidade do auditor, em prol da proteção do investidor, do mercado de capitais, e até mesmo, da ordem econômica e financeira do país.
"Não vislumbro que a restrição imposta pela CVM configure obstáculo ao exercício profissional, até porque não há vedação absoluta à prestação de nenhum serviço, seja de auditoria, seja de consultoria; apenas se interdita que ambas as atividades sejam prestadas de forma concomitante pela mesma empresa de auditoria', concluiu.
Tese
O voto do ministro Alexandre de Moraes foi acompanhado pelos ministros Ricardo Lewandowski, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Rosa Weber. A tese aprovada foi:
"Os artigos 23 e 27 da Instrução 308/1999, da Comissão de Valores Mobiliários, ao estabelecerem restrições razoáveis, proporcionais e adequadas ao exercício da atividade de auditoria independente, prestada às companhias sujeitas à sua fiscalização, são constitucionais, à luz dos arts. 5º, incs. II e XIII, 84, incs. II e VI, 87, parágrafo único e inc. II, 88, 170 e 174 da Constituição Federal de 1988."
Divergência
Ficou vencido o relator, ministro Marco Aurélio, que foi acompanhado pelo ministro Luiz Edson Fachin. Para ele, a instrução normativa da CVM fere a Constituição ao criar obrigações ou restringir direitos dos administrados sem edição de lei.
"Se, de um lado, cabe à Autarquia a fiscalização da prestação dos serviços de auditoria independente, de outro, a competência regulamentar, tal como prevista na Lei nº 6.385/1976, não alcança a substituição ao Congresso Nacional", apontou o relator.
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RE 902.261
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