Paradoxo da Corte

Juízo de equidade na fixação de honorários de sucumbência (novo capítulo do STJ)

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  • é sócio do Tucci Advogados Associados ex-presidente da Aasp professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e do Instituto Brasileiro de Direito Processual e conselheiro do MDA.

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1 de setembro de 2020, 8h00

Veritas filia temporis — A verdade é filha do tempo!

A questão da possibilidade ou não da fixação dos honorários advocatícios de sucumbência com fundamento no juízo de equidade, nos termos do artigo 85, parágrafos 2º e 8º, do Código de Processo Civil, foi enfrentada pela 2ª Seção   do Superior Tribunal de Justiça, em 13 de fevereiro de 2019, no julgamento do Recurso Especial n. 1.746.072/PR, no qual figurou como relator para o acórdão o ministro Raul Araújo.

Lembro que essa matéria fora afetada à 2ª Seção, para julgar tal recurso especial interposto contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Paraná, que deu provimento a agravo de instrumento de uma empresa, a fim de reduzir os honorários advocatícios com fundamento na equidade.

Instaurando a divergência, acabou prevalecendo o voto do ministro Raul Araújo, ao sustentar "que o espírito que deve conduzir o intérprete no momento da fixação do quantum da verba é o da objetividade", aduzindo que o novel Código de Processo Civil estabeleceu: "três importantes vetores interpretativos", que tendem a conferir "maior segurança jurídica e objetividade" à matéria em discussão.

Segundo o relator designado naquele julgamento, ministro Raul Araújo, a regra geral e obrigatória é a de que os honorários sucumbenciais devem ser fixados no patamar de 10% a 20% do valor da condenação, consoante os termos do parágrafo 2° do artigo 85. O percentual pode ainda incidir sobre o proveito econômico ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa.

Logo depois desse importante pronunciamento, ao comentá-lo na revista eletrônica ConJur (19/2/2019), antevendo situações paradigmáticas, escrevi que aquele entendimento não afastava a hipótese de que, no futuro, o Superior Tribunal de Justiça, ao examinar esta questão, venha a se posicionar no sentido de que a aplicação pura e simples, de forma automática, dos critérios pré-estabelecidos na legislação processual possa ser equacionada em certos casos, com a finalidade de estabelecer um equilíbrio de natureza financeira, tanto quanto possível justo, entre a parte vencida e a remuneração do advogado da parte que venceu o litígio. Em outras palavras, defendi (e agora com maior ênfase!) a possibilidade de excepcional incidência dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade para nortear a fixação de honorários sucumbenciais em situações extremas (honorários aviltantes ou exorbitantes).

Importa, destarte, frisar que, a despeito do critério então definido naquele referido precedente da 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, continuou e continua havendo acentuada divergência sobre essa questão, como se infere de recentes decisões proferidas pela generalidade dos tribunais pátrios.

Com efeito, segundo abalizada manifestação do ministro Paulo de Tarso Sanseverino, presidente da Comissão Gestora de Precedentes (NUGEP), nos autos do Recurso Especial n. 1.812.301/SC, restou reconhecida, em princípio, a pertinência de sua afetação, como repetitivo da controvérsia, em maio próximo passado, visto que preenchidos os requisitos formais do artigo 256 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, textual:

"Com relação à questão de direito veiculada neste recurso, importante anotar que mesmo havendo pronunciamento da 2ª Seção sobre o tema, esta Corte não deixará de se manifestar em diversos outros processos em que haja insurgência das partes sobre a definição dos tribunais de origem.

Nesse sentido, a submissão deste processo ou, eventualmente, dele e do outro admitido como representativo da controvérsia ao Plenário Virtual do Superior Tribunal de Justiça, com a proposta de reafirmação do entendimento firmado no Recurso Especial n. 1.746.072/PR, conferirá maior racionalidade nos julgamentos e, em consequência, estabilidade, coerência e integridade à jurisprudência conforme idealizado pelos artigos 926 e 927 do Código de Processo Civil.

A submissão da matéria ao rito qualificado dos repetitivos evitará decisões divergentes nos tribunais ordinários e o envio desnecessário de recursos especiais e/ou agravos em recursos especiais a esta Corte Superior, tendo em vista que os presidentes e vice-presidentes dos tribunais de origem, responsáveis pelo juízo de admissibilidade, poderão negar seguimento a recursos especiais que tratem da mesma questão, ensejando o cabimento do agravo interno para o próprio tribunal, e não mais do agravo em recurso especial, conforme estabelecido no parágrafo 2º do artigo 1.030 do Código de Processo Civil.

Por outro lado, destaco que a definição dos critérios de fixação de honorários advocatícios sob o rito dos recursos repetitivos, precedente qualificado de estrita observância pelos juízes e tribunais nos termos do artigo 121-A do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça e do artigo 927 do Código de Processo Civil, orientará as instâncias ordinárias, cuja eficácia refletirá em numerosos processos em tramitação, balizando as atividades futuras da sociedade, das partes processuais, dos advogados e dos magistrados. Além disso, possibilita o desestímulo à interposição de incidentes processuais, bem como a desistência de recursos eventualmente interpostos, tendo em vista ser fato notório que a ausência de critérios objetivos para a identificação de qual é a posição dos tribunais com relação a determinado tema incita a litigiosidade processual".

Pois bem, considerando a apontada instabilidade pretoriana, ao ensejo do julgamento do supra aludido Recurso Especial n. 1.812.301/SC (em conjunto com o Recurso Especial n. 1.822.171/SC, ambos admitidos na origem sob o regime dos recursos repetitivos para representar a controvérsia), a mesma 2ª Seção, contra o voto parcialmente divergente da ministra Nancy Andrighi, acolheu Proposta de Afetação formulada pelo ministro Raul Araújo, visando a reexaminar a matéria no âmbito de recurso repetitivo. Em seu respectivo voto, ficou consignado que aquele anterior julgamento da 2ª Seção (Recurso Especial n. 1.746.072/PR) não impediu a interposição de novos recursos especiais versando a matéria selecionada como representativa de controvérsia. Daí porque entendeu "salutar a submissão dos referidos recursos especiais ao rito dos repetitivos, para o fim de se atribuir efeitos obstativos à interposição de novos recursos afeitos ao tema".

Asseverou, ainda, o ministro relator que a tese a ser adotada no "julgamento de referida matéria contribuirá para oferecer maior segurança jurídica e transparência na apreciação da questão pelos tribunais de origem e órgãos fracionários desta Corte… É certo que o tema foi objeto de significativo precedente, julgado pela 2ª Seção, mas que ainda não recebeu solução uniformizadora, concentrada e vinculante, sob o rito dos repetitivos". Enfatizou, por fim, que, por tratar-se de "controvérsia repetitiva, de caráter multitudinário, com inúmeros recursos em tramitação nesta Corte ou na origem, versando sobre o tema assinalado", justifica-se a mencionada proposta.

Assim, diante de tais premissas, a 2ª Seção, por maioria de votos, afetou o recurso especial para os efeitos do artigo 927 do Código de Processo Civil, submetido ao procedimento do artigo 1.036 do mesmo diploma legal, para a consolidação do entendimento  sobre a seguinte questão: "A possibilidade de fixação de honorários advocatícios com fundamento em juízo de equidade, nos termos do artigo 85, parágrafo 2º e 8º, do Código de Processo Civil de 2015".

Vencida a ministra Nancy Andrighi, apenas quanto à competência para a deliberação da afetação. Declarando voto, asseverou ela que a divergência acerca da questão, relativa à incidência do artigo 85, tem ocorrido igualmente no âmbito da 1ª Seção, e, por esse fundamento, suscitou questão de ordem atinente à competência da Corte Especial para decidir a proposta de afetação.

Diante desse cenário, conclui-se que determinadas teses, em especial, aquela sobre os critérios de fixação dos honorários de sucumbência, não podem ter aplicação radical e inflexível, alheia às circunstâncias do caso concreto, sob pena de cometer-se inequívoca injustiça.  

Resta-nos agora aguardar o desfecho de mais um capítulo sobre esta questão de significativo interesse para a nossa comunidade jurídica, em particular, para os advogados, até porque já admitida a intervenção nos autos, como amicus curiae, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, do Instituto Brasileiro de Direito Processual, do Centro de Estudos da Sociedades de Advogados, do Instituto dos Advogados de Minas Gerais, do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana e da Defensoria Pública da União.

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