Penas draconianas

Alguns juízes dos EUA pedem opinião dos jurados para fixar penas

Autor

23 de outubro de 2020, 7h26

Promotores de Cleveland, Ohio, tomaram uma atitude rara: recorreram contra a sentença de prisão de um homem condenado por baixar 15 mil arquivos de pornografia infantil. Promotores dificilmente apelam nesses casos, porque as diretrizes de sentenças, especialmente em casos de pornografia infantil e tráfico de drogas, já são excessivamente punitivas.

Mas o juiz James Gwin também tomou uma atitude rara: depois que Ryan Collins foi considerado culpado pelo júri, ele perguntou aos jurados, um a um, que sentença eles achariam apropriada para punir o réu pelo crime pelo qual fora condenado. Em média, os jurados recomendaram 14 meses de prisão.

O juiz aplicou então a pena mínima, prevista nas diretrizes de sentença, de 5 anos. A pena máxima seria de 27 anos. Os promotores haviam pedido pena de 20 anos, porque também havia indícios de que Collins distribuía pornografia infantil. Os investigadores descobriram que ele tinha um programa de compartilhamento de arquivos em seu computador.

Os promotores alegaram no recurso que a “pesquisa” do juiz não era “permissível”. Mas o juiz alegou que sua atitude foi correta. Afinal, pune-se criminosos pelo mal que fazem à sociedade. E os jurados são uma amostra representativa da sociedade. Então, ninguém sabe mais do que eles qual punição é merecida por determinada ofensa à sociedade.

Em 2010, o juiz escreveu um estudo sobre a prática de pesquisar o sentimento dos jurados sobre a aplicação da pena. Argumentou que os jurados, como representantes da sociedade, podem expressar, melhor do que o juiz, o que acreditam ser uma “punição justa”.

Os juízes dos EUA que consultam os jurados antes de definir a pena constituem uma minoria. Cerca de 20%, segundo o juiz Mark W. Bennett, de Iowa, também um defensor de tal prática. Isso significa que 80% dos juízes discorda — ou concorda, de certa forma, mas não se dispõe a adotar esse entendimento.

“Eu não conheço juízes que pesquisam a opinião dos jurados, antes de proferir uma sentença. Embora eu louve o juiz Gwin por sua criatividade, eu não utilizaria esse método de busca a assistência dos jurados para definir uma sentença”, disse o juiz John Jones ao The Marshall Project, uma organização jornalística que se foca em questões da justiça penal.

Os opositores da crença do juiz Gwin apontam diversas razões para renegá-la. Uma delas é a de que a função dos jurados é apenas a de declarar a culpa ou inocência do réu, sem pensar sobre a punição. “Se os jurados tivessem de pensar sobre a punição, isso criaria um sentimento de empatia pelo réu”, disse ao The Marshall Project a professora da Universidade de Vanderbilt, Nancy King.

O argumento mais comum para se rejeitar esse método é o de que os jurados não dispõem das informações e dos conhecimentos técnicos necessários para sugerir fixação de penas. O juiz é o jurista experiente, que detém todas as informações contidas no processo, incluindo histórico criminal, emprego, uso de droga, circunstâncias agravantes ou atenuantes. Portanto, está mais bem equipado para calcular a pena adequada.

O problema dessa teoria é o de que ele não adianta muito para os juízes que formam uma convicção sobre a pena que deveriam aplicar. Nos EUA, existe esse sistema de sentença obrigatória, que estabelece penas mínimas e máximas para categorias de crimes – um sistema que foi criado pelo Congresso em uma época em que a defesa de penas altas, mesmo excessivas, para criminosos resultava em sucesso político.

Muitos juízes no país se mostram claramente revoltados com esse sistema, que fixa penas draconianas, totalmente fora de proporção ao crime cometido e às circunstâncias atenuantes. Muitas vezes, eles expressam esse sentimento na sentença.

Esse foi o caso de uma mulher, na Flórida, que deu um tiro de advertência (ou sem intenção de matar) dentro de sua casa, quando ela foi invadida por seu ex-marido, que ameaçava agredi-la. Como o tiro bateu na parede e ricocheteou, teoricamente a bala poderia ter atingido um de seus dois filhos que assistiam televisão na sala.

Os jurados a consideraram culpada de um crime — talvez um delito de pequena monta. Assim, o juiz, sob protestos, teve de lhe aplicar a pena de 20 anos de prisão — essa é a pena mínima para quem comete qualquer delito em que o uso ou porte de arma de fogo esteja envolvido.

Outro caso famoso, citado pelo The Marshall Project, foi o de Weldon Angelos, um pequeno traficante de maconha. Como ele portava uma arma, quando foi preso por tráfico, o juiz Paul Casell teve de sentenciá-lo a 55 anos de prisão. O juiz consultou os jurados antes de proferir a sentença e usou a informação de que os jurados acharam a pena exorbitante apenas para constar como protesto na sentença.

Para o juiz Mark Bennet, a alegação de que as diretrizes de sentenças estão de acordo com os valores da sociedade é “conversa fiada”. Ele declarou: “Todas as vezes que peço a opinião dos jurados sobre uma sentença, mesmo aqui nessa região de Iowa que é muito conservadora, eles recomendam uma sentença bem menor do que a pena mínima prevista nas diretrizes de sentenças.”

O professor de Direito Douglas Berman, da Universidade Estadual de Ohio, disse ao The Marshall Project que pedir a opinião dos jurados antes de proferir uma sentença pode ser raro, mas há precedente: “Uma parte do processo de sentenciar um réu à pena de morte é consultar o júri, com o fim de legitimar a sentença, entendendo-se que os jurados representam a sociedade. Não vejo por que isso não pode ser feito em outros casos criminais.”

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!