Violência de gênero

Para STJ, Lei Maria da Penha se aplica a estupro de menina de quatro anos

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22 de outubro de 2020, 11h01

Para que seja aplicada a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), é exigido apenas que a vítima seja mulher e que a violência seja cometida em ambiente doméstico e familiar, ou no contexto de relação de intimidade ou afeto entre agressor e agredida, independentemente da idade desta.

Esse entendimento foi adotado pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça para decidir pela aplicação da lei na ação em que é apurada violência sexual contra uma menina de quatro anos, supostamente cometida pelo próprio pai.

Lucas Pricken/STJ
O ministro Schietti Cruz defendeu a incidência da Lei Maria da Penha no caso
Lucas Pricken/STJ

Com isso, o processo será remetido para o Juizado Adjunto Criminal e de Violência Doméstica contra a Mulher da comarca em que os fatos ocorreram, e não para uma vara criminal comum.

"A Lei Maria da Penha nada mais objetiva do que proteger vítimas em situações como a da ofendida destes autos. Os abusos por ela sofridos aconteceram no ambiente familiar e doméstico e decorreram da distorção sobre a relação decorrente do pátrio poder, em que se pressupõe intimidade e afeto, além do fator essencial de ela ser mulher", argumentou o relator do recurso, ministro Rogério Schietti Cruz.

O pai, sob a suspeita de estupro de vulnerável, foi preso preventivamente. As instâncias ordinárias entenderam que, embora o delito tenha sido praticado no contexto familiar e doméstico, o crime não tinha a motivação de gênero necessária para justificar a incidência da Lei Maria da Penha. Segundo concluíram, a agressão ocorreu em razão da idade da vítima, e não da vulnerabilidade decorrente do gênero feminino.

A 6ª Turma do STJ, no entanto, teve entendimento diferente. Schietti lembrou que a Lei Maria da Penha foi editada para proteger mulheres, sejam crianças, jovens, adultas ou idosas. No caso sob análise, o ministro destacou que a agressão sexual ocorreu não apenas em ambiente doméstico, "mas também familiar e afetivo, entre pai e filha, eliminando qualquer dúvida quanto à incidência do subsistema da Lei Maria da Penha, inclusive no que diz respeito ao órgão jurisdicional competente — especializado — para processar e julgar a ação penal".

O relator reconheceu a existência de alguns precedentes sobre estupro de vulnerável em que o STJ afastou a incidência da Lei Maria da Penha com base na idade da vítima, por entender que não se configuraria uma motivação de gênero. O ministro, porém, alegou que seria descabido adotar um fator meramente etário para justificar a não incidência da lei e o afastamento de todo o seu arcabouço protetivo.

"As condutas descritas na denúncia são tipicamente movidas pela relação patriarcal que o pai estabeleceu com a filha", disse o relator, ressaltando que o controle sobre o corpo da filha, a ponto de o agressor se considerar legitimado para o abuso sexual, é típico da estrutura de violência contra pessoas do sexo feminino.

Segundo Schietti, a prevalecer o entendimento do tribunal de segunda instância, "crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica — segmento especial e prioritariamente protegido pela Constituição da República (artigo 227) — passariam a ter um âmbito de proteção menos efetivo do que mulheres adultas".

Apesar de ter determinado a remessa da ação penal à vara especializada, Schietti manteve a prisão preventiva. O ministro argumentou que o reconhecimento da incompetência do juízo que se entendeu inicialmente competente não torna nulos os atos processuais já praticados, os quais podem ser ratificados ou não pelo juízo especializado. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

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